A juíza de Direito Rosália Guimarães Sarmento, da 2ª vara Especializada em Crimes de uso e tráfico de entorpecentes de Manaus/AM, declarou a inconstitucionalidade do art. 28 da lei 11.343/06.
A decisão se deu em ação penal com três réus acusados por tráfico. No caso, a magistrada desclassificou a conduta deles do artigo 33 para o artigo 28 e, a partir da desclassificação, realizou o controle de constitucionalidade difuso.
Seguindo o mesmo entendimento do ministro Gilmar Mendes, do STF, no RE 635.659, do qual é relator, a magistrada declarou a inconstitucionalidade do artigo 28 que diz respeito aos efeitos penais do mesmo artigo.
De acordo com ela, a novidade da sentença, em termos da jurisprudência amazonense é apenas a declaração de inconstitucionalidade do artigo 28 da lei de drogas, já que, segundo a juíza, a desclassificação, em si, do artigo 33 para o artigo 28 é fato corriqueiro no cotidiano de qualquer uma das varas especializas na em Manaus.
“O controle de constitucionalidade, todavia, é obrigação de todo magistrado, diante da primazia da norma constitucional em nosso ordenamentos jurídico vigente. Se uma lei (ou parte da lei) é inconstitucional, ela não deve jamais prevalecer, devendo ser afastada a fim de que se garanta a supremacia da Constituição Federal que é o que a Lex Mater ou a Lei das leis.”
A magistrada registra que todos os ministros que votaram até o momento no RE 635659/SP – que discute questão STF – manifestaram-se no sentido da inconstitucionalidade do art. 28 da lei, apenas “com pequenas divergências que dizem respeito tão somente ao tipo de droga que poderia ser portada e consumida sem que o seu agente fosse criminalizado por esta conduta que deve ser entendida como o livre exercício da autonomia de cada cidadão, tal qual ocorre ao álcool e ao tabaco que também são drogas, mas não são consideradas ilícitas.”
A juíza ressalta, ainda, que a hipótese concreta dessa sentença é de menos de 20g de maconha que seria dividida para duas pessoas. Desta forma, segundo ela, mesmo com as divergências existentes entre os ministros Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, “o caso seria resolvido pela declaração de inconstitucionalidade, já que todos os ministros entendem que o porte de maconha para consumo não deve ser criminalizado, configurando abuso estatal e injustificável intromissão na vida privada do cidadão a sua criminalização.”
A juíza Rosália Sarmento esclarece, ainda, que a própria lei, ao não punir a conduta descrita no art. 28 com o mesmo tipo grave de sanção penal previstas para as hipóteses de tráfico de drogas (pena privativa de liberdade), revela a intenção do legislador de conferir um tratamento jurídico diferenciado à figura do usuário em relação à figura do traficante.
Segundo Rosália Guimarães Sarmento, na lei 11.343/06, o próprio legislador quis conferir um tratamento jurídico diferenciado à figura do traficante em relação ao tratamento que deve ser dispensado ao usuário de drogas.
Para ela, o legislador entende que o usuário deve ser encaminhado a tratamento e que a política nacional de drogas deve facilitar a sua reinserção no meio social, tendo o legislador fixado diversos critérios na parte inicial da lei que, contudo, não têm sido adequadamente observados nos casos em que se reconhece que a hipótese é de porte de drogas para consumo (art. 28) e não para o tráfico (art. 33).
“É como se uma parte substancial da lei de drogas simplesmente não existisse. Como se na lei nº 11.343/2006 o legislador tivesse tratado apenas da repressão e nada dispusesse sobre a prevenção e o tratamento que o Estado deve oferecer gratuitamente aos cidadãos para que possam se reintegrar à sociedade, contribuindo de forma saudável e economicamente ativa para o meio social do qual faz parte.”
A magistrada afirma que, pelo que consta na atual lei de drogas, o usuário, principalmente quando reconhecido como dependente (já que a dependência química é uma doença reconhecida pela OMS e catalogada na CID 10), deve receber do Estado um tratamento totalmente diferente da penalização que deve ser reservada unicamente aos traficantes de drogas.
“Interpretar a lei de maneira diferente disso, além de fomentar um direito penal do inimigo, constitui grave violação à dignidade da pessoa humana e ao seu direito à intimidade no âmbito da sua vida privada. Há evidente e injustificável abuso quando o Estado diz que o cidadão pode tomar uma garrafa de absinto ou cinco garrafas de whisky, mas não pode fumar um cigarro de maconha. Onde a mesma razão, o mesmo Direito. É o que se aprende desde os primeiros dias de faculdade.”
Na decisão, magistrada também determinou expedição de ofício à Policlínica Governador Gilberto Mestrinho para que esta disponibilize tratamento especializado aos acusados, relativamente ao uso indevido ou dependência de drogas, nos termos dos artigos 20 a 26 da lei 11.343/06.