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Confira íntegra do relatório e voto do Conselho Federal da OAB sobre o pedido de impeachment da presidente da República

Página Inicial / Confira íntegra do relatório e voto do Conselho Federal da OAB sobre o pedido de impeachment da presidente da República

Conselheiro Federal pelo AC, Erick Venâncio Lima do Nascimento, relator

Conselheiro Federal pelo AC, Erick Venâncio Lima do Nascimento, relator

O Conselho Federal da OAB decidiu na última sexta-feira (18) entrar com pedido de impeachment da presidente da República, Dilma Rousseff. A decisão contou com o voto favorável de 26 das 27 bancadas de conselheiros federais. A diretoria da OAB Nacional decidirá nos próximos dias como procederá para o encaminhamento da decisão junto à Câmara dos Deputados.

Confira abaixo íntegra do relatório e voto sobre o pedido de impeachment ou clique aqui:

Processo n. 49.0000.2015.010230-5/COP
Assunto: Comissão Especial para análise dos fundamentos jurídicos necessários à apreciação, pelo Conselho Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil do impedimento da Excelentíssima Senhora Presidente da República, em decorrência do Parecer do Tribunal de Contas da União pela rejeição das Contas do Governo Federal. Resolução nº 09/2015
Origem: Diretoria do Conselho Federal da OAB.

Relator: Conselheiro Federal Erick Venâncio Lima do Nascimento (AC).

RELATÓRIO

Trata-se de processo originado da Diretoria do Conselho Federal por meio da edição da Resolução nº 009/2015, cujo objetivo primeiro encontra-se consignado no seu art. 1º, verbis:

Art. 1º Fica criada a Comissão Especial para análise dos fundamentos jurídicos necessários à apreciação, pelo Conselho Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, do impedimento da Excelentíssima Senhora Presidente da República, em decorrência do Parecer do Tribunal de Contas da União pela rejeição das Contas do Governo Federal (…)

Citado parecer foi exarado nos autos do processo TC-005.335/2015-9, que trata da prestação anual de contas da Excelentíssima senhora Presidente da República.

Nos autos do referido processo, por unanimidade de votos, o Pleno do Tribunal de Contas da União reprovou as contas presidenciais concernentes ao exercício 2014, decisão esta consolidada no Acórdão nº 2.461/2015, cujas razões principais resumem-se ao seguinte:

1.    Atrasos em pagamentos à Caixa Econômica Federal, ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, constituindo operações de crédito para o financiamento de políticas públicas, em ofensa ao art. 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF;
2.    Omissões de passivos e de transações primárias deficitárias do FGTS, BNDES e Banco do Brasil nas estatísticas fiscais e da dívida pública, o que teria feito com que a dívida pública fosse subestimada em 7 bilhões de reais;
3.    Irregularidades na gestão fiscal (metas, programação orçamentária e financeira e contingenciamento) – ausência de decreto de contingenciamento de 28,5 bilhões de reais e liberação 10 bilhões de reais, quando já ciente, no quarto bimestre, de que a meta fiscal e superávit não seriam alcançados;
4.    Abertura de créditos suplementares de 15 bilhões de reais com comprometimento da meta de resultado primário, que não foi alterada por lei.

Segundo as conclusões do TCU, estas irregularidades representariam distorções na ordem de R$ 106 bilhões (R$ 40 bilhões relativos às irregularidades denominadas popularmente por “pedaladas fiscais”, R$ 28 bilhões pelo não contingenciamento em novembro de 2014, aliado à liberação de R$ 10 bilhões, R$ 14,7 bilhões por não considerar, em fevereiro de 2014 e bimestres seguintes, manifestação do MTE quanto à elevação de despesas obrigatórias e frustação de receitas, e R$ 13,7 bilhões pela edição de créditos suplementares).

Iniciados os trabalhos da Comissão, advieram os pareceres dos renomados juristas Dalmo de Abreu Dallari (fls. 852/859), Celso Antônio Bandeira de Mello e Fábio Konder Comparato (fls. 862/870), Adilson Abreu Dallari (fls. 872/929) e Renato de Mello Silveira (fls. 933/1017), que, cada um com o seu particular ponto de vista jurídico, fundamentadamente se manifestaram acerca do tema objeto de análise.

À fl. 1018 consta ata da reunião de posse da Comissão Especial designada pela Diretoria do Conselho Federal para a elaboração de parecer, oportunidade na qual ficou definido que aquele colegiado deveria se manifestar em resposta às seguintes indagações:

a.    Se o impedimento pode ser feito com base no parecer do Tribunal de Contas da União ou deve-se aguardar a decisão final do Parlamento sobre as Contas da Presidência da República?
b.    Se a Presidente da República cometeu ou não crime de responsabilidade, por ação ou omissão, que enseja o impedimento?
c.    Se os fatos ocorridos no mandato anterior contaminam ou não o atual mandato, obtido com a reeleição?

À fl. 1022 consta ata da reunião realizada em 26 de novembro de 2015, na qual foi apresentado o relatório final da Comissão, que, por maioria de votos (3×2) , decidiu no sentido de que os fatos “em si mesmos não indicam grave comportamento comissivo ou omissivo, de tipo doloso, para justificar a responsabilização do agente politico, mesmo porque não se aponta prova de existir um desvio de conduta revelador de improbidade, com locupletamento, por parte da governante” (vide relatório e voto de fls. 1023/1050).

Segundo o voto vencedor, no tocante ao item “a” supra, seria inviável a instauração de processo de impedimento da Presidente da República, uma vez que o Tribunal de Contas da União constitui-se em órgão auxiliar do Congresso Nacional, não possuindo suas deliberações força vinculante, mas tão somente caráter opinativo, a teor do art. 71, I, da Constituição Federal.

Já no que diz respeito à indagação temporal, ou seja, se fatos ocorridos no primeiro mandato contaminariam o segundo, a maioria dos membros da Comissão opinou no sentido de que “a responsabilização do Presidente da República por qualquer atentado à Constituição Federal deve referir-se a fatos que se evidenciaram durante o seu atual mandato, não em outro”.

Finalmente, no tocante ao cometimento ou não de crime de responsabilidade, por ação ou omissão, que enseje o impedimento, entendeu essa mesma maioria que as irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas da União não indicariam grave comportamento comissivo ou omissivo, de cunho doloso, a justificar a responsabilização pessoal da Presidente da República, posto que inexistente desvio de conduta revelador de qualquer ato ímprobo de sua parte.

Em sentido oposto, os nobres conselheiros Elton Sadi Fuber e Setembrino Edwald Netto Pelissari apresentaram voto divergente, no qual apontaram a viabilidade da instauração do processo de impeachment, tendo em vista que a conduta da senhora Presidente da República atentaria contra o preceito constitucional constante do art. 85 da Constituição Federal, cujo comando aponta para a ocorrência de crime de responsabilidade quando da prática de atos que atentem contra a Lei Orçamentária.

Além disso, pontuam que o art. 84 da Constituição Federal atribui competência privativa ao Presidente da República para prestar contas anualmente, o que configuraria a sua responsabilidade pessoal quanto aos fatos narrados no Acórdão nº 2.461/2015.

Defenderam, também, que os fatos ora ensejadores da instauração do processo de impeachment (rejeição das contas pelo TCU) não necessitam da chancela ratificadora final do Congresso Nacional, pois o que se deve perquirir é a existência ou não de ofensa à Lei de Responsabilidade Fiscal e à Constituição Federal.

No que diz respeito à temporalidade do mandato, sustentam que os atos narrados no Acórdão do Tribunal de Contas da União não são estranhos às funções da Presidente da República, “na medida em que não houve interrupção do mandato”.

Afirmam, ainda, que a gravidade dos atos praticados não deve ser objeto de avaliação subjetiva quando da instauração do processo, bastando tão somente que seja analisada a subsunção dos fatos à norma constitucional caraterizadora dos crimes de responsabilidade, o que, a seu sentir, está presente.

Por fim, asseguram que a responsabilidade pessoal da Chefe de Governo foi por ele própria reconhecida quando da edição do Decreto nº 8.535/2015, que implementou medidas tendentes a coibir as malsinadas “pedaladas fiscais”.

Os autos foram por mim recebidos em 29 de novembro de 2015, oportunidade na qual determinei, incontinenti, o envio da cópia integral dos autos a todos os conselheiros federais e presidentes seccionais.

Incluído o feito na pauta da sessão do Conselho Pleno ocorrida em 1º de dezembro de 2015, foi formulada questão de ordem suscitada pelo Colégio de Presidentes das Seccionais no sentido de que seria necessária a ampliação do escopo traçado nos presentes autos, a fim de que fossem também avaliados os demais fatos eventualmente ensejadores da instauração de processo de impedimento constitucional.

A proposta foi aprovada por 19 (dezenove) votos favor a 9 (nove) contrários, retornando os autos para diligências.

Em 02 de dezembro, o presidente da Câmara dos Deputados acolheu o processamento do pedido de impeachment formulado pelos juristas Hélio Pereira Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaina Conceição Paschoal.

Posteriormente, em cumprimento à decisão deste Conselho Pleno, foram expedidos ofícios ao presidente da Câmara dos Deputados, solicitando íntegra da cópia do pedido de impedimento cujo processamento foi operado, e à senhora ministra do Tribunal Superior Eleitoral Maria Thereza Rocha de Assis Moura, relatora da AIME 761, na qual são partes a Coligação Muda Brasil e o Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB contra a Coligação com a Força do Povo, Dilma Vana Roussef, Michel Miguel Elias Temer Lulia, o Partido dos Trabalhadores – PT e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB.

Em resposta à solicitação, a ministra relatora da AIME 761, mesmo ressaltando as relevantes razões da solicitação, informou da impossibilidade do atendimento do pleito por força de mandamento constitucional inserto no art. 14, § 11, da CF, que determina a tramitação daquele feito em segredo de justiça.

Já o senhor presidente da Câmara, seguindo sua regular cortesia para com esta entidade, respondeu à solicitação informando que o referido processo encontrava-se publicado no Diário da Câmara dos Deputados – Ano LXX – Suplemento ao n. 209, Tomos I a V.

Em sendo assim, a Gerência do Conselho Pleno viabilizou a obtenção da íntegra do pedido de impeachment, cuja cópia eletrônica foi apensada ao presente feito.

Em seguida, foi requerido acesso aos autos dos processos que tramitam na 13ª Vara Federal de Curitiba/PR envolvendo o senhor João Cerqueira de Santana Filho e sua esposa Mônica Regina Cunha Moura, que supostamente teriam relação com a senhora Presidente da República, cuja disponibilização até a presente data não foi atendida.

Posteriormente, foi encartada aos autos cópia integral da Petição nº 5952, da qual é relator o Ministro Teori Zavasky, em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal, que trata de Acordo de Colaboração firmado entre o senador Delcídio do Amaral Gomez e o Minstério Público Federal, por meio do Procurador-Geral da República.

Por fim, diante da liberação do sigilo da investigação empreendida no âmbito da Operação Lava Jato acerca de condutas praticadas pelo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Autos nºs 5006617-29.2016.4.04.7000 e 5006205-98.2016.4.04.7000, que tramitavam perante a 13ª Vara Federal de Curitiba, foram agregadas aos autos cópias do conteúdo de algumas escutas telefônicas efetivadas mediante ordem daquele juízo.

Concluídas as diligências, foi o feito incluído na pauta da Sessão Extraordinária do Conselho Pleno destacada para a data de hoje, razão pela qual ora submeto-o à apreciação do colegiado.

Era o que de relevante havia a relatar.

VOTO

Ulysses Guimarães costumava afirmar que missão não se pede. Aceita-se. Para cumprir com sacrifício, e não proveito.

Ao ser comunicado que a relatoria do presente feito me fora incumbida, não foi outra a frase que me veio à mente. Afinal de contas, dentre tantos notáveis que abrilhantam este colegiado e dele fazem a voz constitucional do cidadão, atribuir a mim (que tenho de idade o que muitos aqui possuem de cátedra) a relatoria de um julgamento histórico, poderia parecer algo inusitado.

Pior. Fazer com que este relator confronte juridicamente algumas de suas referências intelectuais, cujos abalizados pareceres encontram-se lançados nos autos, denota-se deveras ousado.

Inobstante a isso, meu compromisso é me desincumbir desse mister com honestidade intelectual, isenção política, fundamentos exclusivamente jurídicos e extremo respeito às divergências naturais a um tema palpitante, que traz consigo a passionalidade político-partidária e ideológica comuns a uma discussão que diz respeito ao futuro da Nação .

Inicio minhas ponderações no sentido de reafirmar, ainda que desnecessariamente, que o impeachment é um processo político-jurídico de índole e previsão constitucional, podendo ser intentado por quem entenda como presentes os seus requisitos constitucionais e legais de instauração.

Assim, o indicativo primeiro deste voto é no sentido de rechaçar veementemente a pecha de “golpe” à iniciativa de colocar em discussão a viabilidade ou não de um instrumento constitucional, que desde a Constituição Federal de 1988 já foi proposto em face de todos os presidentes da República eleitos, ainda que apenas numa única oportunidade tenha chegado ao seu objetivo final.

Apenas a título ilustrativo, trago à colação a quantidade de pedidos propostos em face de todos os presidentes eleitos pós-constituição cidadã:

Collor (1990-92):             29
Itamar (1992-94):             4
FHC – 1º mandato: (1995-98):     1
FHC – 2º mandato (1999-2002):     16
Lula – 1º mandato (2003-06):     25
Lula – 2º mandato (2007-10):     9
Dilma – 1º mandato (2011-14):     14
Dilma – 2º mandato (2015):     34

Em sendo assim, obviamente, não se pode tachar de golpistas aqueles que, dentro de sua particular análise jurídico-política, entendam como presentes os requisitos constitucionais para a abertura do processo e venham a ter frustrada tal pretensão.

Caso assim não fosse, atrairíamos de forma absolutamente injusta para tal campo alguns dos mais importantes jusfilósofos do nosso tempo.

Como não confiar na retidão moral e na correição de propósitos de Celso Antônio Bandeira de Melo, Dalmo de Abreu Dallari, Fábio Konder Comparato, Godofredo da Silva Teles e Paulo Bonavides, quando apresentaram, em maio de 2001, pedido de impeachment do então presidente Fernando Henrique Cardoso?

Como duvidar da responsabilidade cívica de Miguel Reale Jr. e Sérgio Ferraz quando em 2006 defenderam pedido semelhante formulado contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante a eclosão do escândalo que ficou conhecido como “Mensalão”?

Portanto, nobres pares, aqueles que hoje defendem o impeachment da presidente Dilma Vana Roussef, com ou sem razões jurídicas para tanto, não podem nem devem ter contra si lançado esse pejorativo atributo, pois agem dentro das regras do jogo democrático a que Bobbio aludia.

A este respeito, importante transcrever a invejável lição de Adilson Abreu Dallari, em parecer acostado aos presentes autos, para quem:

Primeiramente, convém deixar claro que divergências na interpretação das leis são naturais e inevitáveis. As normas jurídicas comportam uma pluralidade de interpretações. Diferentes juristas, partindo de diferentes premissas e valorando de maneira diferenciada determinados princípios jurídicos, podem dar à mesma norma interpretações totalmente divergentes.
(…)

Pode-se afirmar, portanto, com total segurança, que a eventual cassação do mandato presidencial, pela condenação em processo pelo cometimento de crime de responsabilidade, nada tem de estranho, aberrante ou conflitante com a soberania popular. Ao contrário, é uma forma usual, normal, de controle do exercício do poder, inerente ao sistema republicano.

Anormal, aberrante, incoerente e despropositada seria, ao contrário, a ausência de previsão, no texto constitucional, da possibilidade de responsabilização do ocupante do cargo de Presidente da República.

Portanto, a nós, nesta oportunidade, cabe apenas arrefecer os ânimos, trazer a discussão ao campo estritamente jurídico e dar à sociedade a manifestação que externe a posição majoritária deste Plenário, que, a partir de então, será a posição oficial da Ordem.

Como bem acentuado no curso da gestão do presidente Marcus Vinícius Coêlho, que teve como vice nosso atual presidente, a OAB não pode ser comentarista de casos, mas sim, defensora de causas, do mesmo modo que não deve ser longa manus de governos, nem tampouco linha auxiliar das oposições.

Neste sentido, a causa da boa aplicação da constituição é intrínseca à missão institucional da Ordem, demandando, portanto, a sua manifestação livre, altiva e independente quanto ao tema em questão, que tanto tem mobilizado a sociedade civil, pois a voz constitucional do cidadão não pode se calar.

Pois bem, superadas essas questões prefaciais, é imprescindível destacar que o impeachment é um processo de natureza eminentemente política, dotado de procedimento jurídico-legal específico a ser observado para a sua propositura e instauração.

Neste sentido é a lição de Paulo Brossard, que, após dicorrer acerca de outros sistemas normativos alienígenas, ensina:

Entre nós, porém, como no direito norte-americano e argentino, o impeachment tem feição política, não se origina senão de causas políticas, objetiva resultados políticos, é instaurado sob considerações de ordem política e é julgado segundo critérios políticos, julgamento que não exclui, antes supõe , é obvio a adoção de critérios jurídicos. Isto ocorre mesmo quando o fato que o motive possua iniludível colorido penal e possa, a seu tempo, sujeitar a autoridade por ele responsável a sanções criminais, estas, porém, aplicáveis exclusivamente pelo Poder Judiciário

Por seu turno, José Higino, que é citado por Paulo Brossard em sua obra acima referenciada, leciona que a pena cominada na Lei n° 1.079/50, apesar do nomen juris “crime de responsabilidade”, não possui caráter criminal, sendo o impeachment um processo político ou administrativo e não criminal. Neste sentido, a sanção imposta pelo Senado Federal é somente uma medida disciplinar, pois, uma vez condenado, fica o Presidente da República submetido ao Poder Judiciário.

Portanto, desde já é necessário balisar claramente que aqui não se está a perscrutar qualquer conduta criminal da Presidente da República, mas sim, a existência de razões político-jurídicas para dar início, ou seja, provocar a instauração de um processo de impedimento constitucional, no qual será dada aos atores constitucionalmente incumbidos a oportunidade de uma análise de fundo acerca das razões para a procedência ou não do afastamento.

Feitos esses esclarecimentos, passemos à análise dos fatos concretos.

CONDUTAS ATRIBUÍDAS À PRESIDENTE DA REPÚBLICA NO ACÓRDÃO Nº 2.641/2015 DA LAVRA DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Desenvolveremos a presente análise, inicialmente seguindo a mesma metodologia observada nos votos proferidos no âmbito da Comissão Especial, naquilo que diz respeito à rejeição das contas presidenciais.

Isto se dará por meio da resposta a três indagações distintas, a saber:

a.    Se os fatos ocorridos no mandato anterior contaminam ou não o atual mandato, obtido com a reeleição?
b.    Se o impedimento pode ser feito com base no parecer do Tribunal de Contas da União ou deve-se aguardar a decisão final do Parlamento sobre as Contas da Presidência da República?
c.    Se a Presidente da República cometeu ou não crime de responsabilidade, por ação ou omissão, que enseja o impedimento?

A meu sentir, concessa venia dos entendimentos firmados pelos notáveis membros da Comissão Especial, ousarei deles discordar pontualmente. Em algumas das respostas, de ambos, pois, muito embora minha resposta final coincida com determinado posicionamento, isto ocorre por fundamento diverso daquele ostentado nos votos.

a)    Os fatos ocorridos no mandato anterior contaminam ou não o atual mandato, obtido com a reeleição?

Ao responderem a este questionamento, a maioria e a minoria da Comissão Especial adotaram posicionamentos diametralmente opostos. Enquanto para a maioria dos membros qualquer responsabilização da Presidente da República deve referir-se exclusivamente a fatos ocorridos no curso do seu atual mandato, a minoria entende que, havendo reeleição, não há interrupção do mandato, ainda estando a Presidente no exercício de suas funções, o que autoriza a sua sujeição ao processo de impeachment.

Com o mais comedido respeito ao judicioso voto da maioria da Comissão Especial, me inclino a acompanhar, na conclusão final, aqueles que entendem que, em se tratando de reeleição, é irrelevante o fato do impeachment ser deflagrado por fato ocorrido no primeiro ou no mandato subsequente, pois não identifico na norma constitucional qualquer restrição expressa à apuração de crimes de responsabilidade por Presidente da República, exceto, por óbvio, na hipótese do mandatário não mais ocupar o cargo.

Vejamos o que preceitua o § 4º do art. 86 da Carta Magna:

§ 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.
Vê-se aqui que o constituinte trouxe uma restrição com duplo requisito.

Em primeiro lugar, a responsabilização do Presidente da República, nos termos da Seção III do Capítulo II da Constituição Federal, somente se dá enquanto o Chefe do Executivo estiver com mandato em curso.

Em segundo lugar, a sujeição ao processo de impeachment não pode ocorrer por atos estranhos ao exercício das funções próprias de Presidente da República.

O primeiro requisito traz consigo a conclusão lógica segundo a qual somente pode se sujeitar ao impedimento aquele que esteja no exercício do cargo. Esta questão é de farta obviedade, pois não há qualquer sentido na abertura de um processo constitucional de impedimento para o exercício de um cargo que não esteja sendo exercido.

Todavia, aqui cabe um parêntesis.

No caso do ex-presidente e atual Senador da República Fernando Afonso Collor de Mello, houve prosseguimento do julgamento do recebimento da denúncia pelo Senado Federal, mesmo após a sua renúncia, o que se deu em razão da prévia instauração do processo de impeachment pela Câmara Federal quando ele exercia efetivamente o mandato. Além disso, naquele caso, como é de conhecimento de todos, o prosseguimento do julgamento teve como propósito a aplicação da pena de inabilitação para o exercício de funções públicas, prevista no art. 52, parágrafo único, da Constituição Federal, vez que não mais possível a perda do cargo já preteritamente renunciado.

Naquela oportunidade, o Supremo Tribunal Federal albergou o entendimento segundo o qual, instaurado o processo de impeachment com o denunciado ainda no exercício do cargo, deve ele seguir, de forma que nem mesmo a renúncia ao mandato, após esse momento, não inviabiliza o processo.

Esta foi a decisão tomada no MS nº 21.689, do qual foi relator o Ministro Carlos Velloso, no qual se avaliou a necessidade de o denunciado estar no exercício do cargo, para fins de recebimento da denúncia – nos termos do art. 15 da Lei nº 1.079/1.950 (que define os crimes de responsabilidade e regula o processo de julgamento, considerada recepcionada, nesse particular, pela Constituição de 1.988) – com o fato de que o processo de impeachment poderia resultar, para além da perda do cargo, na imposição da penalidade de inabilitação para o exercício da função pública, com o quê, mesmo diante da renúncia, permaneceria o interesse público na continuidade do processo .

Daí os questionamentos aos que defendem que, nas hipóteses de reeleição, só se pode perquirir condutas praticadas no exercício do primeiro mandato ainda no curso deste:

– Como punir o presidente reeleito que praticou crimes de responsabilidade num primeiro mandato?

– A posse no novo mandato significaria um salvo conduto, uma anistia aos crimes de responsabilidade eventualmente praticados quando do exercício do mandato anterior?

Parece claro que não.

O fato histórico relevante a ser trazido quando da interpretação da norma, fundamental para o deslinde da presente questão, é que quando da edição do dispositivo constitucional do art. 86, § 4º, não existia o instituto da reeleição, incorporado ao nosso ordenamento jurídico pela insidiosa Emenda Constitucional 16/97.

A partir da positivação desta nova realidade, passou-se a admitir que o Presidente da República, governadores e prefeitos pudessem obter uma reeleição independentemente de afastamento prévio do cargo para a disputa eleitoral.

Assim, admitiu-se não só a desprezível e abusiva simbiose do governante com o candidato, que tanto tem causado prejuízos ao sistema político-eleitoral brasileiro, pois o Estado vem sendo utilizado para a promoção de candidaturas de exercentes de cargos que são, ao mesmo tempo, postulantes destes idênticos cargos, como também a total ausência de interregno, interstício ou hiato entre o primeiro e o segundo mandato.

Uma vez mais destaque-se a exegese de Adilson Abreu Dallari, lançada em seu denso parecer de fls. 872/929:

Uma coisa é o mandato, e outra coisa é o exercício das funções de Presidente da República. Antigamente, não era possível cassar o mandato do Presidente após os 4 anos, porque, após decorrido esse tempo, não haveria mais mandato a ser cassado. Hoje, o mandato está dividido em dois períodos de 4 anos, mas, durante a somatória desses dois períodos, a função exercida pelo Presidente é uma só. Portanto, é absolutamente inquestionável que, uma vez reeleito, o Presidente da República estará no exercício de suas funções por oito anos.

Destarte, não há como se dissociar o exercício do cargo num mandato ou noutro, pois, caso assim se entendesse, estar-se-ia a criar uma posição ampliativa a uma norma constitucional de cunho eminentemente restritivo.

Já no que toca ao segundo requisito, é vedada a responsabilização por atos estranhos ao exercício das funções de Presidente da República.

Por óbvio não se poderia instaurar a persecução por crime de responsabilidade (nomen juris adotado pelo constituinte) de matiz constitucional para atos estranhos ao exercício do cargo de Presidente da República, uma vez que as condutas descritas no art. 85 da Constituição Federal dizem respeito à conduta que se espera do supremo mandatário da Nação quando investido de suas funções constitucionais.

Tanto os atos apontados no Acórdão TCU nº 2.641/2015, quanto aqueles perscrutados após a ampliação do escopo de análise, dizem respeito ao exercício da função de Presidente da República pela senhora Dilma Vana Roussef.

Portanto, diante das razões invocadas, no que concerne à temporalidade, em se tratando de reeleição, voto no sentido de reconhecer a possibilidade de instauração de processo de impeachment mesmo que por atos praticados no primeiro mandato.

Contudo, entendo que após a ampliação do objeto da análise nestes autos, perde relevância tal situação, pois que verificados idênticos fatos àqueles constantes do Acordão do TCU referente às contas de 2014 no decorrer ano de 2015 (quando já em curso o segundo mandato), conforme documentos colacionados ao pedido de impeachment cujo processamento foi admitido em 02.12.2015 pelo presidente da Câmara dos Deputados.

Assim, caso atendidos os demais requisitos para o impedimento constitucional, que apreciaremos a seguir, a circunstância temporal dos fatos terem se dado em mandato anterior deixa de constituir vínculo impeditivo à sua admissão.

b.    Se o impedimento pode ser feito com base no parecer do Tribunal de Contas da União ou deve-se aguardar a decisão final do Parlamento sobre as Contas da Presidência da República?

Outro questionamento a ser respondido é no tocante à possibilidade da deflagração do processo de impedimento com base no parecer do Tribunal de Contas da União, sem que haja posicionamento do Congresso Nacional quanto à sua ratificação, a teor do que dispõe o art. 71, I, da Constituição Federal.

A maioria da Comissão entende que a reprovação das contas pelo Congresso Nacional seria consectário indispensável, sem o qual não se pode cogitar da utilização do relatório para fins de fundamentar um pedido de abertura de processo de impeachment.

Contrariamente, a minoria autora do voto divergente encampa a tese segundo a qual não há necessidade de chancela da decisão do TCU pelo Congresso Nacional.

Neste ponto, renovando as venias, creio assistir razão ao posicionamento minoritário externado pela Comissão.

É absolutamente prescindível para a instauração de um processo de impedimento, nos termos do que estabelece a Constituição Federal e a Lei nº 1.079/50, que haja qualquer manifestação do Congresso Nacional quanto aos termos do parecer prévio da lavra do Tribunal de Contas da União, pois não há qualquer necessidade de que haja efetiva rejeição das contas para o processamento do pedido.

In casu, o que fundamenta o pedido de impeachment não é a reprovação das contas em si, mas sim, a deliberada inobservância de postulados concernentes à responsabilidade fiscal, à lei orçamentária e à higidez das finanças públicas, o que acarretaria na prática de crime de responsabilidade consoante prescrito pela Constituição Federal.

Portanto, o que importa é a análise acerca dos fatos efetivamente ocorridos, e se eles podem ser configurados como infrações político-administrativas (crime de responsabilidade) suficientes a supedanear o impedimento, não a manifestação da Corte de Contas ou a sua ratificação pelo poder constitucional competente.

Exemplo disso é que o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor foi instaurado com fundamento nas conclusões de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, sem que houvesse qualquer juízo de definitivo quanto às suas conclusões.

Conforme podemos observar da íntegra do pedido de impeachment protocolado em 1º de setembro de 1992, nele não foi acostado sequer o relatório final da CPMI do denominado Esquema PC Farias, na qual o pedido se baseou , devidamente aprovado por Resolução, conforme determina o art. 5º da Lei nº 1.579, de 18 de março de 1952 .

E nem poderia. O Relatório Final da CPMI foi votado em 26 de agosto de 1992, apenas tendo sido publicado no Diário da Câmara dos Deputados de 16/09/1992, após apresentação no Plenário do Congresso Nacional no dia 15 de setembro.

Ou seja, quando da apresentação do pedido de impeachment não havia conclusão  nem da Câmara dos Deputados nem do Senado Federal quanto às conclusões da CPMI (por meio de Resolução, conforme dispõe a norma de regência), pois o relatório somente foi enviado àquelas casas após a sua publicação no Diário do Congresso Nacional, que se deu, como já dito, em 16 de setembro de 1992.

Em sendo assim, o elemento utilizado para que esta instituição pedisse o processamento de pedido de impeachment foi tão somente um relatório votado por dezesseis parlamentares, ante o voto contrário de outros cinco.

Dessarte, cotejados todos esses elementos, ao segundo questionamento respondo no sentido de não haver necessidade de que o Congresso Nacional aprove o parecer prévio do TCU, exarado por meio do Acórdão nº 2.641/2015, ou que o TCU julgue as contas de 2015, para que sejam os fatos descritos nos autos utilizados como fundamento para a instauração do processo de impeachment, mas sim, antes disso, que reste demonstrado que as condutas ali descritas constituem crimes de responsabilidade praticados pela Excelentíssima senhora Presidente da República e tendentes a ensejar o seu impedimento constitucional.

c.    Se a Presidente da República cometeu ou não crime de responsabilidade, por ação ou omissão, que enseja o impedimento?

Finalmente, chegamos ao ponto nodal que, entendo eu, seja o de maior relevância jurídica para que este Conselho Federal possa se manifestar acerca deste item perante a sociedade brasileira, qual seja, se a Presidente da República cometeu ou não crime de responsabilidade, por ação ou omissão, que enseja o seu impedimento.

Importante salientar que a análise quanto ao cometimento de infração político-administrativa, neste aspecto, está adstrito aos fatos narrados no Acórdão TCU nº 2.461/2015, e nos demais fatos trazidos no bojo da Denúncia por Crime de Responsabilidade nº 01/2015, que tramita perante a Câmara dos Deputados.

Nesta quadra, segundo as conclusões do TCU no tocante ao exercício 2014, estas irregularidades representariam distorções na ordem de R$ 106 bilhões, sendo R$ 40 bilhões relativos às irregularidades denominadas popularmente como “pedaladas fiscais”, R$ 28 bilhões, pelo não contingenciamento em novembro de 2014, aliado à liberação de R$ 10 bilhões, R$ 14,7 bilhões por não considerar, em fevereiro de 2014 e bimestres seguintes, manifestação do MTE quanto à elevação de despesas obrigatórias e frustação de receitas, e R$ 13,7 bilhões pela edição de créditos suplementares.

Por seu turno, da Denúncia por Crime de Responsabilidade nº 01/2015 consta que algumas dessas práticas persistiram no exercício 2015, uma vez que a Presidente da República teria assinado 06 (seis) decretos sem número, 04 (quatro) datados de 27 de julho e 02 (dois) datados de 20 de agosto de 2015, referentes a um inexistente superávit financeiro e excesso de arrecadação na ordem de R$ 2.522.637.210,00 (dois bilhões, quinhentos e vinte e dois milhões, seiscentos e trinta e sete mil e duzentos e dez reais) – (fls. 21 e 22 dos autos anexos) -, bem como persistiria a não contabilização de empréstimos tomados junto a instituições financeiras públicas para o custeio de despesas correntes do Governo Federal, dentre outras práticas.

Pois bem.

Prescreve a Constituição Federal em seu art. 85:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I – a existência da União;
II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV – a segurança interna do País;
V – a probidade na administração;
VI – a lei orçamentária;
VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.

Por seu turno, a Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, cuja recepção pela modelagem constitucional de 1988 já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, estabelece o seguinte:

Art. 1º São crimes de responsabilidade os que esta lei especifica.
Art. 2º Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador Geral da República.
Art. 3º A imposição da pena referida no artigo anterior não exclui o processo e julgamento do acusado por crime comum, na justiça ordinária, nos termos das leis de processo penal.
Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra:
I – A existência da União:
II – O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados;
III – O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais:
IV – A segurança interna do país:
V – A probidade na administração;
VI – A lei orçamentária;
VII – A guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos;
VIII – O cumprimento das decisões judiciárias.

Cada classe de infração político-administrativa ali lançada vem descrita nos artigos subsequentes. Ao que nos importa, neste particular, vejamos o que dispõe o art. 10:

Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária:
1- Não apresentar ao Congresso Nacional a proposta do orçamento da República dentro dos primeiros dois meses de cada sessão legislativa;
2 – Exceder ou transportar, sem autorização legal, as verbas do orçamento;
3 – Realizar o estorno de verbas;
4 – Infringir , patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária.
5) deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal;       (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)
6) ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal; (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)
7) deixar de promover ou de ordenar na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei;        (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)
8) deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro;  (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)
9) ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente;      ((Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)
10) captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido;       (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)
11) ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou;       (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)
12) realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou condição estabelecida em lei.     (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)

Este é o arcabouço normativo a ser considerado para a análise das condutas referentes tanto ao julgamento já implementado pelo Tribunal de Contas da União, quanto às práticas reiteradas no exercício de 2015.

No que toca aos fatos descritos no Acórdão TCU nº 2.641/2015, que desaprovou as contas do exercício de 2014, tenho que andou bem a minoria da Comissão Especial instituída pela Diretoria do Conselho Federal ao considerar que as condutas ali descritas são ensejadoras de crime de responsabilidade.

Isto porque, é ponto incontroverso (o Governo Federal não questiona os fatos apontados, mas sim que eles não constituem crimes de responsabilidade) que as irregularidades existem.

Portanto, eis as ofensas à legislação perpetradas no exercício 2014 (algumas com repercussão e continuidade em 2015), que, no sentir desta relatoria, importam em atos que atentam contra a lei orçamentária anual (Lei nº 12.952/2014):

1.    Atrasos em pagamentos à Caixa Econômica Federal, ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, constituindo operações de crédito para o financiamento de políticas públicas, em ofensa ao art. 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF;
2.    Omissões de passivos e de transações primárias deficitárias do FGTS, BNDES e Banco do Brasil nas estatísticas fiscais e da dívida pública, o que teria feito com que a dívida pública fosse subestimada em 7 bilhões de reais;
3.    Irregularidades na gestão fiscal (metas, programação orçamentária e financeira e contingenciamento) – ausência de decreto de contingenciamento de 28,5 bilhões de reais e liberação 10 bilhões de reais, quando já ciente, no quarto bimestre, de que a meta fiscal e superávit não seriam alcançados;
4.    Abertura de créditos suplementares de 15 bilhões de reais com comprometimento da meta de resultado primário, que não foi alterada por lei.
Para além de ferir a lei orçamentária anual (Lei nº 12.952/2014), tais práticas também importaram em ofensa direta à Lei Complementar nº 101/2000.

A Lei de Responsabilidade Fiscal sempre foi exaltada à vista das importantes modificações que operou em nosso sistema normativo. Este sentimento restou pacificado em decorrência da profunda substituição de paradigmas que orientavam as finanças públicas brasileiras, num tempo em que os gestores tudo podiam e tudo faziam no que diz respeito aos recursos da coletividade.

Com a disciplina fiscal inaugurada, nossos mandatários tiveram que se adaptar à nova realidade, passando a agir dentro do que a Lei disciplinava e não apenas no âmbito da sua vontade ou no interesse político de agir de determinado modo.

Centenas, para não dizer milhares, de mandatários foram responsabilizados, inclusive criminalmente, por ofensas à famigerada LRF.

Isso só ocorreu porque os poderes da República funcionaram dentro da engrenagem constitucional, demonstrando que ninguém está acima ou à margem da lei, posto que ela, a lei, é dirigida a todos e por todos deve ser cumprida.

Portanto, aqui não se pode relativizar ou mitigar a aplicação da norma dado o seu destinatário, mesmo que seja ele o Supremo Mandatário da Nação. O que deve estar em ecritínio são apenas dois aspectos: se existiu ofensa à lei e se houve comportamento comissivo ou omissivo por parte do agente político responsável.

Dito isso, com imensa ousadia, sou forçado a discordar da solução a qual chegou a maioria da Comissão Especial, que afirmou em seu voto:

Todavia, é também de considerar que irregularidades contábeis, mesmo quando se tem em conta uma indevida execução do orçamento, há que de ter uma tal significância de intensidade que possa identificar a ocorrência de atentado à Constituição. Mesmo que mereçam censura, e censura severa, nem sempre revelam uma prática deliberada atentatória ao interesse público, como neste caso ficou explicitado, pois teriam como motivo a garantia de saldo em contas do governo com dispêndios em programas sociais.

Divirjo desta visão basicamente por dois aspectos.

Em primeiro lugar, o atentado à Constituição reside exatamente no fato de que o preceito contido no art. 85, VI, dispõe expressamente que constitui crime de responsabilidade a conduta que atente contra a lei orçamentária, cabendo à lei especial a definição dessas infrações, conforme o fez a Lei nº 1.079/50 em seu art. 10.

Assim, as condutas praticadas pela senhora Presidente da República configuram sim, a teor do que dispõe o texto constitucional e a legislação de regência, infrações político-administrativas ensejadoras da instauração de processo de impeachment.

Em segundo lugar, como se pode verificar dos autos, é falha a percepção de que os recursos utilizados nas manobras contábeis e financeiras que ficaram conhecidas como “pedaladas fiscais” tenham se destinado exclusivamente ao custeio de programas sociais.

De uma acurada análise, verifica-se que dos R$ 40 bilhões utilizados via esse artifício, 54,5%, ou R$ 21,9 bilhões, referiram-se ao pagamento de subsídios oferecidos a grandes empresários e produtores rurais, que contraíram empréstimos junto ao BNDES (PSI) e ao Banco do Brasil (subvenções agrícolas).

Para além disso, conforme se pode observar no gráfico abaixo, o uso desse artifício para a satisfação de despesas com benefícios sociais aumentou exponencialmente no ano de 2014, coincidentemente ou não, um ano eleitoral no qual nos foi omitida a crise financeira vivida pelo país, ao mesmo tempo em que eram oferecidas pílulas de otimismo, como, por exemplo, a calculada e transitória redução de tarifas de energia elétrica.

Já no que tange ao comportamento omissivo ou comissivo da Presidente da República, despiciendo aferir se houve ou não proveito, locupletamento ou se a sua conduta seria reveladora de improbidade.

Caso houvesse a necessidade de perquirir tais aspectos neste ponto específico, a fundamentação do pedido de impedimento seria outra que não aquela inserta no art. 85, VI (que trata de ofensa à lei orçamentária), da Constituição Federal.

Assim, o comportamento comissivo e omissivo da Presidente da República está devidamente demonstrado diante da simples leitura do texto constitucional, que dispõe em seu art. 84, incisos VI e XXIII , sobre a sua competência privativa para expedir decretos (a exemplo do que o fez com a edição do Decreto nº 8.535/2015, que conteve a prática das “pedaladas fiscais”) e enviar ao Congresso Nacional projetos de lei que tratem da lei orçamentária, da lei de diretrizes orçamentárias e do plano plurianual.

Não obstante, os seis decretos aos quais faz referência a Denúncia por Crime de Responsabilidade nº 01/2015, que autorizaram a abertura de créditos suplementares, sem o alcance da meta de resultado primário, em expressa afronta ao estabelecido no art. 4º da Lei 12.952 de 2014 (LOA) e art. 8º da Lei de Responsabilidade Fiscal, foram assinados pela Presidente da República, que tinha total ciência da ilegalidade perpetrada.

Nesta quadra de ideias é forçoso admitir que há elementos jurídicos concretos que conduzem a uma opinião favorável à instauração de processo de impedimento da Presidente da República no que toca às irregularidades contidas no Acórdão TCU nº 2.641/2015 e àquelas semelhantes praticadas em 2015 e insertas na denúncia em tramitação perante à Câmara dos Deputados, pois que demonstrado comportamento comissivo e omissivo a justificar a sua responsabilização.

DAS RENÚNCIAS FISCAIS CONCEDIDAS À FIFA PARA A REALIZAÇÃO DA COPA DO MUNDO DE 2014

Outro ponto relevante a se considerar, ainda no que toca ao julgamento das contas do exercício 2014, que não foi tido como razão para a rejeição das contas, é aquele relativo às renúnicias fiscais concedidas à FIFA para a relização da Copa do Mundo de 2014.

Como já explanado alhures, aqui não se está a levar em conta o resultado final de um julgamento, mas sim, os fatos apurados quando da análise dos autos da Prestação de Contas apresentada ao TCU pelo Governo Federal.

Portanto, entendo por relevante e viável a análise também neste ponto.

A Lei nº 12.350/2010  concedeu várias isenções de tributos à FIFA e outras empresas privadas, sem observância ao Inciso I, do art. 163 da Constituição Federal, regulamentado pelo art. 14 da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), e ao §2º do art. 165, também da Constituição Federal, que exigem, para os casos de renúncia fiscal e isenção, a demonstração de que não serão afetadas as metas de resultados fiscais previstos no anexo da LDO (Inciso I, do Art. 14 da LRF) ou a indicação das medidas de compensação, por meio do aumento de receita, através da elevação de alíquotas, majoração ou criação de tributos ou contribuições (Inciso II, do Art. 14 da LRF).

Essa Lei teve prazo de vigência até o ano de 2015 (conforme previsão do seu Art. 62), sendo que as prestações de contas, tais como renúncia fiscal, aumento de arrecadação, geração de empregos, números de estrangeiros que ingressaram no País para assistir aos jogos e custo total das obras de que trata a RECOPA e a COPA DO MUNDO, somente ocorrerão em 01 de agosto de 2016 (Art. 29).

É certo, contudo, que não foram atendidas as regras da Lei Complementar nº 101/2000 (LRF) e explico os motivos:

a) Primeiro, porque não existe qualquer demonstração de que a renúncia fiscal previstas na Lei nº 12.350/2010 foi considerada na estimativa de receita orçamentária, na forma do art. 12 da LRF, como também não foi localizado qualquer documento que demonstre que a renúncia não afetará as metas de resultados fiscais previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei nº 12.309/2010-LDO-2011 – Anexo – RELAÇÃO DOS QUADROS ORÇAMENTÁRIOS CONSOLIDADOS http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/Anexo/anl12309-10.pdf e Lei nº 12.465/2011-LDO-2012 – Anexos);

b) Segundo, porque não há qualquer referência sobre medidas compensatórias, por meio de aumento de receitas, provenientes da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei nº 12.309/2010-LDO-2011 – Anexo – RELAÇÃO DOS QUADROS ORÇAMENTÁRIOS CONSOLIDADOS http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/Anexo/anl12309-10.pdf e Lei nº 12.465/2011-LDO-2012 – Anexos).

Como exposto acima, as exigências do art. 14 da Lei Complementar nº 101/2000 não foram observadas na Lei nº 12.350/2010 e a comprovação pode ser constatada na LDO/2011 (Lei nº 12.309/2010), bem como na LDO/2012 (Lei nº 12.465/2011), que apresentam apenas “demonstrativos de renúncia de receitas” que não atendem aos requisitos do Inciso I, bem como ao Inciso II, do Art. 14 da Lei nº 101/2000.

Importante frisar que o evento Copa do Mundo foi citado, no Anexo da Lei nº 12.309/2010 (LDO 2011), apenas na página 12, e, no Anexo III da Lei nº 12.465/2011 (LDO 2012), apenas na página 04, para justificar apenas genericamente que haverá incremento de receitas para o País.
Como já dito, a necessidade de observar a regra do art. 14 da Lei nº 101/2000 representou uma conquista do cidadão contra a irresponsabilidade na gestão da coisa pública.

Pesquisando melhor para saber se o art. 14 da LRF foi observado, encontra-se, na “Nota Técnica Conjunta nº 03/2011″ da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados e Consultoria de Orçamento, Fiscalização e Controle do Senado Federal (incluído no texto do Projeto de LDO/2012 – acessível através do endereço eletrônico http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/orcamentobrasil/orcamentouniao/ldo/ldo2012/ldo-2012-tramitacao-no-congresso-nacional-ciclos/Proposta.html), a seguinte informação:

O texto apresentado pelo PLDO 2012 consiste no mesmo presente na LDO 2011. Deve-se lembrar que, na LDO 2011, foram vetados os §§6º, 7º e 11 do art. 91. O § 6º exigia a estimativa do impacto orçamentário das renúncias de receitas heterônomas, ou seja, quando a legislação editada pela União impusesse aos entes subnacionais renúncias tributárias, patrimoniais ou financeiras, sob o argumento de sua dificuldade de cálculo.

O § 7º considerava, para os efeitos do Capítulo, que a redução da receita ou o aumento da despesa seria considerado em termos nominais, sendo que a simples presunção de compensação por fatos ou efeitos econômicos ou financeiros decorrentes da proposição legislativa não dispensaria a estimativa e a compensação orçamentário-financeira. O veto desconsiderou os mecanismos de compensação fixados pelos arts. 14 e 17 da LRF e julgou ser um “procedimento de restrição fiscal desnecessário, ao tempo em que acarreta prejuízos ao adequado financiamento do Estado”. (fls. 15 da Nota Técnica Conjunta nº 03/2011)

Confrontando as razões do veto da Lei nº 12.309/2010 (LDO/2011), que tem o mesmo texto da Lei nº 12.465/2011 (LDO/2012), com a “nota técnica conjunta”,e que persistiram na LDOs subsequente, vê-se que os técnicos das 2 (duas) casas legislativas chamaram atenção para a inobservância do art. 14 e do Art. 17 da Lei Complementar nº 101/2000 (LRF).

Cumpre ressaltar, ainda, a tentativa do Poder Público de observar apenas o Inciso II, do art. 14 da Lei Complementar nº 101/2000, pois, no art. 26  da Lei nº 12.350/2010, existe uma previsão de que a União compensará o Fundo de Regime Geral de Previdência Social de que trata o art. 68 da Lei Complementar nº 101/2000, no valor correspondente à estimativa de renúncia relativa às contribuições previdenciárias decorrente da desoneração de que trata esta Lei, de forma a não afetar a apuração do resultado financeiro do Regime Geral de Previdência Social.

Cabe frisar, novamente, que a União irá compensar o fundo previdenciário com base em valores estimados, pois a apuração final somente ocorrerá em agosto de 2016, conforme previsto no art. 29 da Lei nº 12.350/2010, de sorte que, ao final do período de vigência da renúncia, certamente o déficit da previdência será muito maior em razão Copa do Mundo de 2014.

Art. 29.  O Poder Executivo encaminhará ao Congresso Nacional e fará publicar, até 1o de agosto de 2016, prestação de contas relativas à Copa das Confederações Fifa 2013 e à Copa do Mundo Fifa 2014, em que conste, dentre outras informações que possam ser atribuídas às competições, o seguinte: (Vide Decreto nº 7.578, de 2011)

I – renúncia fiscal total;
II – aumento de arrecadação;
III – geração de empregos;
IV – número de estrangeiros que ingressaram no País para assistir aos jogos; e
V – custo total das obras de que trata o Recopa.

Dessa forma, a isenção prevista na Lei nº 12.350/2010, com exceção dos impostos listados no §1º, do Art. 153 da Constituição, não atende ao que determina o Inciso I, do Art. 163 da CF, regulamentado pelo Art. 14 da Lei Complementar nº 101/2000 e do § 2º, do Art. 165 da Carta Política deste País.

A omissão do Poder Público de cumprir com os requisitos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) certamente impactou a economia do País, com os reflexos que estamos presenciando atualmente, em época de “pedaladas”.

Com base nos fundamentos ora apresentados, o Conselho Federal da OAB encaminhou os documentos ao Ministério Público Federal junto ao TCU (MP/TCU), através do Ofício nº 87/2012/GOC-COP, que ofereceu representação com vistas à apuração das irregularidades apontadas.

O Egrégio Tribunal de Contas da União, no processo nº TC 027.965/2014-7, lavrou o Acórdão nº 529/2015 – TCU – Plenário, com a seguinte conclusão:

“SUMÁRIO: REPRESENTAÇÃO. COPA DO MUNDO DA FIFA 2014. DESONERAÇÕES TRIBUTÁRIAS. INOBSERVÂNCIA DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. CONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE ESTIMATIVA DO IMPACTO ORÇAMENTÁRIO-FINANCEIRO. PROCEDÊNCIA PARCIAL. RECOMENDAÇÃO. (…)

VOTO (…)

50. Assim, conclui-se que, de fato, como afirmado pelo representante, as renúncias de receitas instituídas por meio dos arts. 3º e 16 da Lei 12.350/2010 não seguiram o regramento do art. 14 da LRF, pois a concessão desses benefícios não foi acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício que entrou em vigência e nos dois seguintes (caput do art. 14 da LRF). Além disso, não se demonstrou que essas desonerações foram consideradas na estimativa de receita da lei orçamentária, nem tampouco foram indicadas as medidas de compensação à perda de receita por elas ocasionadas (incisos I e II do art. 14 da LRF).”

Da leitura do voto do Ministro do TCU Benjamin Zymler, constata-se que o Poder Público, no evento “Copa do Mundo”, não observou a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, quando concedeu isenção de tributos e contribuições sociais à FIFA.

A renúncia fiscal de tributos concedida à FIFA impactou a economia, em prejuízo de várias gerações de brasileiros, que serão obrigados a arcar com a conta de devolver os tributos que não foram arrecadados e que, certamente, estão fazendo falta no atual momento econômico que o Brasil atravessa.

Aliás, importante frisar que um dos argumentos apresentado pelo Governo Federal para a recriação da malsinada CPMF seria a cobertura do déficit previdenciário, muito dele decorrente da irresponsável renúncia com qual, em agosto deste ano, teremos que arcar.

Portanto, aqui também, a senhora Presidente da República atentou contra a constituição, a probidade na administração e a lei orçamentária, incidindo novamente no art. 85, “caput”, e incisos V e VI, da Constituição Federal.

DAS DEMAIS IMPUTAÇÕES À PRESIDENTE DA REPÚBLICA – FATOS RELACIONADOS À OPERAÇÃO “LAVA JATO”

Além da imputação de crimes de responsabilidade, ofensas à lei orçamentária e às finanças públicas, a Denúncia por Crime de Responsabilidade nº 01/2015, que tramita perante a Câmara dos Deputados, atribui à presidente da República outras condutas tendentes a ensejar o seu impedimento constitucional, notadamente por fatos relacionados à Operação Lava Jato, conduzida pelo Ministério Público Federal, que perscruta casos de corrupção desencadeados no âmbito da Petrobrás.

Outros fatos associados à mesma investigação foram analisados no curso deste processo, notadamente aqueles relacionados à Petição nº 5952, da qual é relator o Ministro Teori Zavasky, em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal, que trata de Acordo de Colaboração firmado entre o senador Delcídio do Amaral Gomez e o Minstério Público Federal, por meio do Procurador-Geral da República, bem como os autos dos processos nºs 5006617-29.2016.4.04.7000 e 5006205-98.2016.4.04.7000, que tramitavam perante a 13ª Vara Federal de Curitiba, nos quais foram apurados fatos atinentes ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Hei por bem separar a análise desses dois grupos.

Fatos descritos na Denúncia por Crime de Responsabilidade nº 01/2015

Inicialmente, muito embora a Presidência da Câmara dos Deputados apenas tenha admitido o processamento da Denúncia por Crime de Responsabilidade nº 01/2015 no que diz respeito à ofensa à lei orçamentária anual, há nela diversas outras imputações que devemos enfrentar a fim de atender ao indicativo de ampliação do escopo de análise, sugerido pelo Colégio de Presidentes e aprovado pelo Plenário do Conselho Federal.

Segundo os autores da peça, os termos de delações premiadas dos já notórios personagens Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa trariam elementos tendentes a ensejar outros motivos para a instauração do processo de impeachment, uma vez que a Presidente da República exerceu a presidência do Conselho de Administração da Petrobrás e teria amizade íntima com o ex-diretor Paulo Roberto Costa, o que demonstraria a sua responsabilidade pelos estarrecedores atos de corrupção que ocupam diuturnamente o noticiário político e econômico e a agenda nacional.

Ainda, sustentam a sua tese na alegação de que, em outubro de 2014, ao prestar seu segundo depoimento em colaboração, Alberto Youssef teria asseverado que, dentre outras autoridades, a Presidente da República tinha ciência do que acontecia na Petrobrás.

Além disso, a Presidente da República teria sido omissa ao sustentar que os fatos ocorridos na Petrobrás não teriam a magnitude hoje revelada, bem como, que teria ela negligenciado a situação ao manter no cargo, até fevereiro de 2015, a então presidente da empresa, Graça Foster.
Neste ponto, o pedido não se sustenta.

Como já consignado alhures, o processo de impedimento de um presidente da República exige para a sua viabilidade a demonstração de elementos iniciai sólidos de existência de uma infração político-administrativa, praticada mediante um comportamento pessoal, estreme de dúvidas, incriminador.

As increpações apresentadas pelos autores no pedido de impeachment em relação à participação da Presidente da República nos atos de corrupção que tomaram de assalto a maior empresa brasileira nada mais são do que um conjunto de ilações, sustentadas por depoimentos pontuais marginais, além de recortes jornalísticos.

Esses depoimentos ditos incriminadores, aliás, não apontam qualquer conduta específica comissiva ou omissiva da Presidente diante de atos específicos de corrupção, limitando-se a sugerir uma perigosa presunção de culpa por negligência.

Não sem motivo, o presidente da Câmara dos Deputados fez constar na decisão que admitiu o processamento do impeachment que não se pode admitir a instauração de um procedimento gravíssimo “com base em mera suposição de que a presidente da República tenha sido conivente com atos de corrupção”.

Este também é o meu sentir.

Desde que o presente processo foi retirado de pauta buscou-se acesso a informações contextualizadas que pudessem levar a uma melhor análise da participação da Presidente nos atos de corrupção praticados no âmbito da Petrobrás, notadamente no que diz respeito à obtenção de contratos em contrapartida a propinas mascaradas de doações eleitorais, sejam elas legítimas ou via caixa 2 de campanha.

Neste sentido, dante da fragilidade dos elementos trazidos na Denúncia e a fim de melhor instruir o feito e para que este Plenário pudesse avaliar de forma mais ampla as provas que supostamente indicariam uma conduta infracional da Presidente da República, foi solicitada por esta relatoria cópia integral da AIME nº 761, que tramita perante o Tribunal Superior Eleitoral e que apura condutas relacionadas à Operação Lava-Jato durante o pleito eleitoral de 2014.

Infelizmente, essas informações nos foram negadas por contingência do art. 14, § 11, da Constituição Federal.

Também a maioria dos procedimentos relacionados à referida operação encontram-se acobertados pelo segredo de justiça, o que não permite que se possa analisar as delações e demais atos investigativos em sua íntegra, mas tão somente de forma esparsa, com a acesso a depoimentos pontuais.

Diante de tal cenário, é impossível a construção de um juízo de valor sólido, com suporte em provas minimamente confiáveis, que enredem a Presidente da República nos atos de corrupção relacionados à Operação Lava jato, do mesmo modo que seria precipitado extirpar de vez tal possibilidade.

O canhoneio que eclode diariamente no noticiário nacional pode a qualquer momento mudar esta realidade, desvelando um novo quadro fático, mas, por ora, seria rasgar a Constituição, corroborar ou intentar um pedido de impedimento da Presidente da República por seu envolvimento direto nos atos de corrupção narrados na DCR nº 01/2015, que nos envergonham perante o resto do mundo.

Fatos relacionados ao Acordo de Colaboração de Delcídio do Amaral Gomez e à investigação em face do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
Conforme acima mencionado, desde o início do atual mandato da Presidente da República, o Governo Federal somente consegue governar a sua própria crise. Dia e noite somos surpreendidos com novos e estarrecedores fatos, que revelam um envolvimento cada vez mais profundo de graduados agentes políticos com ilícios penais de toda ordem.

No último dia 03 de março, a revista Isto é veiculou notícia dando conta de uma suposta delação premiada que teria sido firmada pelo Senador Delcídio Amaral, na qual este envolveria a Presidente da República em práticas ilícitas.

Diante da notícia, já no dia 04 de março, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, por seu presidente, visando evitar vazamentos pontuais e no intuito de trazer à luz os fatos, requereu ao Min. Teori Zavascky, o levantamento do sigilo processual que recaia sobre a Petição nº 5952, em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal.

O pleito da Ordem, com o qual anuiu a Procuradoria-Geral da República, foi atendido em 15 de março, data na qual foram apresentados à sociedade os fatos narrados pelo senador Delcídio do Amaral Gomez em Acordo de Colaboração.

Dentre os fatos estarrecedores que vieram à tona está a acusação de que a Presidente da República teria solicitado a Delcídio que intermediasse tratativas relativas à nomeação de indicado a ocupar vaga de ministro no Superior Tribunal de Justiça, aberta em razão da aposentadoria do Ministro Ari Pargendler.

Para tanto, deveria assegurar que o nomeado estivesse comprometido com a soltura de réus da Operação Lava Jato, em especial dos empresários Marcelo Bahia Odebrecht e Otávio Marques de Azevedo

Assim, teria a Presidente da República se utilizado do seu cargo e da prerrogativa de nomeação de ministros de tribunais superiores, que lhe é constitucionalmente assegurada, para nomear magistrado previamente compromissado a lhe auxiliar em atos que importam em obstrução da Justiça.

Tal informação foi fornecida pela pessoa que, até bem pouco tempo, foi o líder do seu governo no Senado Federal, ou seja, o seu porta-voz na Câmara Alta do parlamento brasileiro, protagonista de negociações políticas junto ao Congresso Nacional.

Eis alguma das declarações prestadas neste sentido:

QUE, porém, “as coisas não andaram” e a estratégia se mostrou absolutamente equivocada e desastrada; QUE a operação se mostrou/desastrada porque o Governador COLOMBO não se dava bem com o grupo de TRISOTTO; QUE, ademais, TRISOTTO é uma pessoa muito séria e correta; QUE, assim, esta segunda investida do Planalto não deu certo; QUE houve então, uma terceira investida contra a Lava Jato; QUE na época havia uma outra lista tríplice para uma vaga ao STJ, na qual apareceu o de MARCELO NAVARRO, muito ligado ao Ministro FRANCISCO FALCÃO, do STJ; QUE a ideia era que este novo Ministro tivesse “compromisso” com a celeridade e que soltasse pessoas importantes da operação Lava Jato que estavam presas em Curitiba; QUE FALCÃO é de Pernambuco, onde NAVARRO era Desembargador e o depoente ambos eram muito próximos e tinham intimidade; QUE a intenção era colocar NAVARRO no lugar do TRISOTTO, então relator dos casos da Operação Lava Jato; QUE foi dito ao depoente que o Ministro FALCÃO era o grande “padrinho” e “tutor” de NAVARRO; QUE tanto DILMA quanto JOSÉ EDUARDO CARDOZO falavam que NAVARRO era apadrinhado pelo FALCÃO; QUE a intenção de nomear NAVARRO foi dita ao depoente por várias pessoas e, inclusive, foi dito ao depoente que a questão da nomeação de NAVARRO estava bem adiantada; QUE em um sábado, acredita que no dia 18 de julho de 2015, a presidente DILMA chamou o depoente por volta das 17horas, no Palácio da Alvorada; QUE esta reunião consta da agenda oficial do depoente; Qp® eslil conversa foi no jardim de trás do Palácio, em um dia bonito de sol, e estavam apenas o depoente e a Presidente; QUE, entre vários assuntos, entrou a conversa de MARCELO NAVARRO e a sua nomeação ao STJ; QUE o depoente sentiu que DILMA estava em dúvida se NAVARRO tinha consciência do “compromisso” que estava prestes a assumir; QUE nesta oportunidade, o depoente disse à Presidente DILMA que, se ela estava insegura, o depoente poderia conversar com MARCELO NAVARRO; QUE DILMA deu o “sinal verde” ao depoente e disse que seria necessário conversar com NAVARRO para saber se ele estava ciente do “compromisso” que ele estava prestes a assumir; QUE DILMA não disse expressamente neste momento qual era o “compromisso”, mas das conversas anteriores com DILMA e JOSÉ EDUARDO CARDOZO ficou bastante claro que o objetivo imediato era de liberação das pessoas mais importantes presas, mas também de uma preocupação mais ampla, sobre as conseqüências da Operação; QUE o depoente esclarece que, em termos políticos, uma vez discutida alguma questão de maneira detalhada, quando se falava em “compromisso” já estava se fazendo referência a conversas pretéritas, sendo desnecessário retomar maiores detalhes; QUE DILMA, até mesmo pelo mesmo pelo seu perfil, acompanhava as questões políticas de maneira bastante próxima e tinha clara ciência do que significava este “compromisso”; QUE DILMA conhecia não apenas diretores da PETROBRAS presos, mas também empresários presos; QUE, tanto assim que DILMA se referia a tais pessoas pelo nome; QUE, então, DILMA disse ao depoente para falar com NAVARRO; QUE a preocupação de DILMA era que MARCELO NAVARRO dissesse uma coisa e, depois, já como Ministro, fizesse outra, não cumprindo o “compromisso” e, assim frustrando as “expectativas”; QUE o compromisso era “resolver” estes casos pendentes e os casos mais estratégicos, pela relatoria que NAVARRO iria assumir no lugar de TRISOTTO, QUE a ideia era libertar as pessoas mais importantes; QUE- isto ficou claro ao depoente em razão do contexto; QUE o depoente, então, saiu com a missão de falar com NAVARRO para “olhar nos olhos dele” e verificar se ele iria realmente assumir o “compromisso”; QUE neste mesmo dia o depoente voltou para Campo Grande; QUE se recorda claramente deste dia pois o depoente encontrou RUITER CUNHA DE OLIVEIRA, que estava com a família dele no mesmo voo; QUE RUITER é ex-Prefeito de Corumbá; QUE o depoente voltou para Brasília na segunda feira seguinte, de madrugada ou de noite, e neste mesmo dia marcou para falar com MARCELO NAVARRO na quinta feira daquela mesma semana; QUE o depoente pediu para GENILSE, sua secretária, para entrar em contato com ele; QUE tem quase certeza que o depoente foi quem falou diretamente com MARCELO NAVARRO; QUE o depoente já conhecia MARCELO NAVARRO através de seu primo RAUL AMARAL, que o apresentou em Brasília, por ocasião do pedido de apoio de NAVARRO para a vaga do STJ, o que é algo bastante comum; QUE RAUL é advogado no Ceará e possui atuação perante o TRF da 5ª Região, onde NAVARRO era Desembargador; QUE isto ocorreu, no entanto, antes da execução deste plano do Planalto; QUE MARCELO NAVARRO disse ao depoente que tinha uma sessão naquela semana, mas que viria em Brasília para conversar com o depoente; QUE realmente ele veio, no dia 22 de julho de 2015; QUE esta reunião consta da agenda do depoente; QUE esta conversa foi às 18h10min, no Palácio do Planalto; QUE acredita que MARCELO NAVARRO estava se dirigindo ao Palácio de Planalto para fazer as articulações necessárias para sua nomeação e por isso o depoente aproveitou para se encontrar com ele naquele local; QUE o depoente acabou encontrando com MARCELO NAVARRO no térreo do Palácio do Planalto, em uma saleta, na lateral; QUE nesta reunião só estavam presentes o depoente e MARCELO NAVARRO; QUE o depoente ficou de costas para a entrada do Palácio do Planalto e MARCELO NAVARRO ficou defronte para a porta; QUE o depoente foi direto ao ponto e perguntou a NAVARRO se ele sabia o motivo da conversa e NAVARRO disse que já imaginava; QUE então o depoente disse a NAVARRO sem muito rodeio, algo do tipo: “O Senhor sabe o compromisso que tem, em sendo Ministro do STJ, na relatoria…”; QUE o depoente não citou nome de pessoas, mas tem certeza absoluta de que ficou bastante claro que estava se referido à Operação Lava Jato; QUE na época, dentre outros, havia o caso de MARCELO ODEBRECHT e de OTÁVIO AZEVEDO, que estavam para ser julgados pelo STJ; QUE embora não tenha mencionado o nome de tais pessoas, o depoente tem certeza de que MARCELO NAVARRO sabia que o depoente estava se referindo a tais pessoas e a outras, que estavam para ser julgadas no STJ em relação à Operação Lava Jato; QUE MARCELO NAVARRO disse: “Eu tenho ciência disso, não tenho medo dos desafios e eu não tenho medo da imprensa”; QUE na ocasião MARCELO NAVARRO inclusive citou uma matéria, que o depoente acredita seja do jornal Folha de S. Paulo, a respeito de alguma decisão polêmica dele; QUE o depoente tem absoluta certeza que MARCELO NAVARRO entendeu o “recado”, e o “compromisso” que estava assumindo de esvaziar a Operação Lava Jato, até mesmo pela resposta que ele deu; QUE NAVARRO já estava, inclusive “pautado”, e sabia do “compromisso” que existia e o depoente tem certeza que foi FRANCISCO FALCÃO quem passou este “compromisso” a ele; QUE FALCÃO era quem “afiançava” o nome de MARCELO NAVARRO; QUE ao longo das tratativas, inclusive, FRANCISCO FALCÃO disse a JOSÉ EDUARDO CARDOZO que, com essa indicação, poderia garantir a maioria na turma, ou seja, se conseguissem um relator, FALCÃO poderia controlar o posicionamento da turma; QUE o depoente tinha contato com NAVARRO, mas o contato de EDUARDO CARDOZO neste tema era com FALCÃO; QUE o depoente não conversou com SIGMARINGA SEIXAS, mas acredita que ele estava articulando em prol da indicação, pois ele se envolvia com todas as indicações para o Judiciário; QUE DILMA chamava SIGMARINGA SEIXAS de “Old Man”; QUE depois da reunião do depoente com NAVARRO, despacho ordinário com DILMA ROUSSEFF, esta perguntou se “teria problema” com MARCELO NAVARRO e o depoente respondeu que não, pois teve uma conversa “olho no olho” com ele; QUE da mesma forma, o depoente se encontrou com o Ministro da Justiça e falou: “Passei o recado”; QUE JOSÉ EDUARDO CARDOZO respondeu: “Eu sei que a conversa foi boa, porque o FALCÃO me falou”; QUE em seguida o depoente trabalhou duramente no Senado para pautar a sabatina de MARCELO NAVARRO e ele foi sabatinado muito rapidamente, em curto tempo; QUE no mesmo dia em que foi sabatinado, NAVARRO foi aprovado na CCJ e acredita que ele tenha sido aprovado no mesmo dia; QUE a aprovação dele foi bastante rápida, pois já existia este acordo político; QUE a atuação do depoente foi política, como “soldado”, mas podem ter ocorrido outros fatos concomitantes e paralelos por trás; QUE não duvida que tenha ocorrido vantagens financeiras nestas tratativas, embora não tenha presenciado nada neste sentido; QUE neste tema a conversa do depoente foi com a Presidente DILMA ROUSSEFF e com JOSÉ EDUARDO CARDOZO, além de MARCELO NAVARRO; QUE não conversou com ninguém mais ou com nenhum outro Senador obre este tema, mas vários políticos sabiam que NAVARRO seria um “aliado”, em especial a bancada do Nordeste, e isto explica também porque tudo correu também tão rápido no Senado; QUE o assessor do depoente DIOGO RODRIGUES tinha plena consciência da movimentação do Planalto para a nomeação de MARCELO NAVARRO para o STJ e, inclusive, da finalidade de “esvaziar” a Operação Lava Jato; QUE DIOGO sabia de tudo o que o depoente fazia, pois era o “braço direito” do depoente; QUE o depoente não trabalha de maneira centralizadora, mas “delegando”, e por isto DIOGO sabia de tudo; QUE posteriormente, MARCELO NAVARRO, como relator, cumpriu o “compromisso” e deu um voto favorável à liberação de réus da Operação Lava Jato, enquanto o restante da turma votou contrariamente, sendo a votação de 4 a 1; QUE não sabe ao certo o caso, mas sabe que era alguém de interesse do governo; QUE, portanto, a iniciativa não surtiu os efeitos pretendidos; QUE os diversos encontros mencionados acima constam da agenda oficial do depoente QUE questionado ao depoente o motivo do interesse do Planalto em “esvaziar” – ou seja, minimizar os efeitos – da operação Lava Jato, o depoente respondeu que existiam figuras na operação da Lava Jato de importância para o governo, o que trazia uma série de receios, de caráter político, econômico para as empresas, de proteção aos doadores de campanha, sobre os partidos políticos, de revelação de informações, dentre outros interesses; QUE a Lava Jato é um fator de instabilidade política e, em razão de sua amplitude, acabou trazendo muitas preocupações; QUE o interesse do Planalto era minimizar os efeitos da Operação Lava Jato, para que as conseqüências não fossem piores do que já estavam; QUE a operação Lava Jato sempre trouxe muita desestabilização política dentro do Congresso Nacional e isto sempre preocupou o Planalto, inclusive a Presidente DILMA; QUE esse caso de MARCELO NAVARRO, especificamente, era um assunto que conversava muito com a Presidente DILMA ROUSSEF e com o Ministro da Justiça JOSÉ EDUARDO CARDOZO; QUE questionado ao depoente se soube de alguma iniciativa de JOSÉ EDUARDO CARDOZO para influenciar a conduta da Polícia da Federal, já que é subordinada ao Ministério da Justiça, o depoente respondeu que não; QUE o depoente poderá, posteriormente, apurar outras circunstâncias assim que for solto; Nada mais havendo a ser consignado, determinou-se que fosse encerrado o presente termo às 18h48 que lido e achado conforme, vai por todos assinado.

Como se vê, em suas estarrecedoras declarações o senador afirma textualmente que foi escalado pela Presidente da República com a atribuicao de obstruir as investigações em curso no âmbito da Operação Lava Jato.

Quanto à credibilidade dessas declarações, infirmadas veementemente pela Presidente da República, há que se considerar que o parlamentar era figura central do poder político, bem como que os fatos conduzem à sua versão dos eventos relatados.

No que diz respeito à celeridade da aprovação de seu nome pelo Senado Federal, de acordo com o relatado no depoimento, conforme se verifica do andamento da Mensagem (SF) nº 61/2015, a indicação de Marcelo Navarro chegou ao Senado Federal em 25 de agosto de 2015 (terça-feira), mesma data na qual foi a matéria encaminhada à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que distribuiu a matéria à Senadora Fátima Bezerra.

No dia 26 (quarta-feira), às 10:10h, foi recebido o relatório da Senadora, liberando o processo para pauta, tendo sido incluído para apreciação na 23ª Reunião Ordinária da CCJ do Senado Federal, realizada em 02 de setembro (quarta-feira), na qual seu nome restou aprovado pela maioria dos membros da Comissão.

Vê-se, portanto, que a tramitação de sua indicação no Senado Federal durou exatos 08 (oito) dias.

Já nomeado, o ministro Marcelo Navarro foi o único a votar pela libertação dos empreiteiros Marcelo Bahia Odebrecht e Otávio Márquez de Azevedo (HCs 339.037 e 330.749), restando vencido por todos os demais membros que compunham a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Some-se a isto o fato de que o filho de Nestor Cerveró (o ex-diretor da área  internacional da Petrobras preso pela Operação Lava Jato), Bernardo Cerveró, já havia afirmado em seu depoimento à Procuradoria Geral da República, ocorrido antes da prisão do Senador Delcídio Amaral e maciçamente veiculado pela imprensa, que em uma reunião da qual participou o senador, no Rio de Janeiro, na qual se discutiu a “movimentação política para obtenção de habeas corpus” foi discutida a nomeação do ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) de sobrenome “Navarro”.

Naquela oportunidade, o assunto veio à tona sem qualquer eventual pressão ou motivação de vindita por parte do Senador, tendo sido repassada a um terceiro (Bernardo Cerveró), o que também corrobora a verossimilhança de seu grave relato.

Não bastasse, consta também do Acordo de Colaboração informações acerca de reuniões entre o Assessor do Senador Delcídio Amaral, Eduardo Marzagão, e ministro da Educação Aloisio Mercadante, ocorridas nos dias 1º, 09 e 28 de dezembro de 2015, oportunidades nas quais Mercadante ofereceu ajuda para solucionar questões “financeiras” e o pagamento de advogados do senador que atuam no no processo da Lava Jato, o que é corroborado por gravação da conversa feita pelo próprio interlocutor.

Aloísio Mercadante sempre foi um dos mais próximos interlocutores da Presidente da República, já tendo ocupado o cargo de Ministro Chefe da Casa Civil.

Insta salientar, também, que declarações de ex-colaboradores do ex-presidente Fernando Collor de Melo, ainda que não cabalmente demonstradas na fase de propositura de impeachment, foram essenciais à delflagração do processo por esta entidade em 1992 (vide nota de rodapé nº 5), não havendo, portanto, como desprezá-los por ocasião da presente análise, notadamente quando verossímeis e corroborados por fatos concretos.

Por outro lado, durante toda a crise que temos vivenciado, fatos indicam que atos da Presidente da República têm sido praticados não no intuito de satisfação do interesse público, mas sim da sua manutenção no poder, notadamente com o auxílio direto ao ex-presidente da República em sua defesa perante as instâncias policial, administrativa e judicial.

Essas ingerências culminaram com o uso do seu poder constitucional para uma manipulação de foro tendente a afastar o juiz natural das investigações em curso, o que resta demonstrado pela nomeação e posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no cargo de Ministro de Estado Chefe da Casa Civil.

Fato que corrobora tal entendimento é o açodamento da senhora Presidente da República na nomeação do senhor Luiz Inácio Lula da Silva, cujo decreto foi publicado em edição extra do Diário Oficial da União, disponibilizada na noite do dia 16 de março, exclusivamente com a publicação de atos legislativos destinados a acomodar seu aliado no posto de Ministro de Estado, inclusive com a criação de um novo ministério para acomodar o ex-ocupante do cargo de Ministro Chefe da Casa Civil.

Conforme prescreve o Decreto nº 4.520, de 16 de dezembro de 2002, que dispõe sobre a publicação do Diário Oficial da União e do Diário da Justiça pela Imprensa Nacional da Casa Civil da Presidência da República, e dá outras providências, as edições extras do Diário Oficial da União são destinadas a casos excepcionais nos quais esteja presente relevante interesse público .

Daí surge o questionamento: Qual o interesse público relevante e inadiável a justificar uma edição extraordinária do Diário Oficial da União que teve como único propósito formalizar a nomeação de um ministro de estado?

Uma vez mais, nobres pares, a instituição Presidência da República foi utilizada para a satisfação de interesses outros que não aquele de matiz pública.

Tal conduta, ofende de forma incisiva os principios constitucionais da impessoalidade e da moralidade, estampados no art. 37 da Carta Magna, uma vez que desloca o poder constitucional do âmbito da sua função da satisfação do bem comum para o atingimento de interesses outros, em flagrante desvio de finalidade.

Há que se destacar, ainda, que, muito embora não seja elemento de convecimento deste ponto do voto, é impossível não mencionarmos as gravações obtidas nos autos do processo nº 5006205-98.2016.4.04.7000, que tramitava perante a 13ª Vara Federal de Curitiba, e que foram agregadas aos presentes autos.

Digo isso porque nem mesmo a eventual dúvida quanto à legalidade da forma pela qual essas gravações vieram a público é capaz de apagar ou nos fazer ignorar os acachapantes fatos que elas acabaram por revelar.

Demonstram, por exemplo, que num inusual contato telefônico, diretamente, a Presidente da República encaminhou previamente ao seu antecessor um termo de posse para, em seu dizer, ser utilizado apenas “em caso de necessidade”, o que corrobora, uma vez mais, que a apressada nomeação teve como escopo fundamental ingerência da Presidência da República no deslocamento do foro ao qual estava submetido o ex-presidente.

Num outro áudio, em ligação realizada pela própria Presidente da República ao seu antecessor, que o colocou na linha com o então Ministro Chefe da Casa Civil, aquele flagrantemente requisita a ingerência da Suprema Mandatária da nação junto a uma Ministra da Suprema Corte, visando exclusivamente a satisfação de seus interesses particulares, in casu, a obtenção de provimento judicial favorável nos autos da ACO 2833, na qual também se buscava deslocamento de foro.

Também causam estarrecimento os diálogos nos quais fica denotado que a nomeação do novo Ministro da Justiça teria por objetivo controlar a Polícia Federal, no que diz respeito à operação Lava Jato, quando o ex-presidente questiona a sua lealdade como “amigo” para implementar tal desiderato, como se o dever republicano de um Ministro da Justiça não se restringisse ao respeito à lei e à Constituição.

Deste modo, sopesados os fatos, a permissividade da senhora Presidente da República com relações não republicanas, externadas na aceitação, expressa ou tácita, de que o seu antecessor livre e diretamente busque junto aos seus auxiliares diretos (ministros de estado), dentre outras autoridades, a satisfação de interesses pessoais, lhe deixa à míngua das mais basilares condições para o exercício do cargo de Presidente da República.

Ao permitir tal grau de licenciosidade, a senhora Presidente da República afastou-se da sobriedade e da equidistância que deveria manter de apurações penais conduzidas pelas instâncias constitucionalmente competentes para, uma vez mais, praticar crime de responsabilidade, tal qual disposto no art. 85, II, V e VII, da Constituição Federal, bem como os arts. 9º e 12 da Lei 1.079/50.

Como se vê, não é um fato isolado que se está a perscrutar, mas sim, diversas condutas que, a meu sentir, demonstram de forma clara que a senhora Presidente da República se afastou de seus deveres constitucionais, incorrendo em crimes de responsabilidade que devem ser apurados pela via do processo de impeachment.

DISPOSITIVO

Diante de todo o exposto, com o mais profundo respeito às posições em contrário e na forma da fundamentação supra, voto no sentido de reconhecer a prática de infrações político-administrativas por parte da Excelentíssima Senhora Presidente da República, ensejadoras de crimes de responsabilidade descritos no art. 85, II, V, VI e VII, da Constituição Federal, bem como nos arts. 9º, n. 7, 10, ns. 4 e 6, e 12, n. 1, todos da Lei nº 1.079/50, que fundamentam a instauração de processo de impeachment.

Voto, ainda, no sentido de autorizar à Diretoria do Conselho Federal da OAB a adotar todas as medidas necessárias ao processamento do pedido, o que poderá ser feito, inclusive, se for o caso, por meio de seus representantes legais, tendo em vista a reserva de legitimidade contida no art. 14 da Lei nº 1.079/50.

É como voto.

Brasília, 18 de março de 2016.

Erick Venâncio Lima do Nascimento
Relator

PROPOSITURA DE PEDIDO DE IMPEACHMENT. OFENSA À LEI ORÇAMENTÁRIA E À LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. DEVIO DE FINALIDADE DE ATOS ADMINISTRATIVOS. OBSTRUÇÃO DE APURAÇÕES SUBMETIDAS AO CRIVO DO PODER JUDICIÁRIO. CONDUTAS DA PRESIDENTE DA REPÚBLICA QUE INDICAM A PRÁTICA DE CRIMES DE RESPONSABILIDADE. ART. 85, II, V, VI E VII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, BEM COMO NOS ARTS. 9º, N. 7, 10, NS. 4 E 6, E 12, N. 1, TODOS DA LEI Nº 1.079/50.

Reconhecida a existência de condutas configuradoras de infrações político-administrativas descritas no art. 85 da Constituição Federal, praticadas pela Presidente da República, viável a propositura de pedido de impeachment perante a Câmara dos Deputados, a fim de que o Poder Legislativo, caso assim entenda, instaure o processo.

Fonte da Notícia: Ascom OAB/RO

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