*Andrey Cavalcante
Uma visão estrambólica. Poderia ser intelectualmente desfocada ou meramente ridícula, não fosse seu potencial de produzir sinistros devastadores e irrecuperáveis. Especialmente, se considerado que a correção não se paga com dinheiro, como observa o monumental José “Pepe” Mujica: “paga com o tempo de sua vida que você gastou para ter esse dinheiro. Tempo de vida não se repõe”. Não é necessário grande esforço para afinar, por esse diapasão, o adiamento da decisão na votação do recurso da União contra decisão favorável do STJ à advocacia nacional. Um dano irreparável para a advocacia brasileira, ainda que meramente procrastinatório. A história não espera pelos personagens.
A interpretação equivocada dos textos constitucionais e legais no ambiente jurisdicional brasileiro tem determinado a permanente vigília de lideranças e instituições como a OAB. É preciso assegurar a leitura correta daquilo que já está claramente expresso em lei, como é o caso do artigo 85 do CPC. Como fez o STJ, que estabeleceu o tal artigo como base para fixação de honorários de sucumbência. Daí a razão da oportuna questão de ordem apresentada pelo Conselho Federal da OAB para que a Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) proclame o resultado de inadmissibilidade do recurso extraordinário apresentado pela União para contestar a decisão.
A votação em plenário virtual do Supremo terminou empatada em cinco votos. Diz o Regimento Interno do STF (artigo 146) que, na hipótese de empate no julgamento de matéria cuja solução dependa de maioria absoluta, prevalece o resultado contrário ao proposto. Foi esse, inclusive, o entendimento do tribunal no julgamento de medida cautelar da ADPF 342. Mas não foi o que ocorreu, porém, no recurso extraordinário sobre fixação de honorário: o STF decidiu por suspender a votação e reiniciar o julgamento automaticamente na sessão subseqüente “para aguardar os votos dos Ministros que não se manifestaram”.
Não faltaram votos. Falta Ministro. A ocupação da vaga aberta com a aposentadoria de Ricardo Lewandowski ainda depende da sabatina e aprovação de Cristiano Zanin no Senado. Com isso, a conclusão do julgamento foi postergada para 2 de julho. Isso equivale, na prática, a driblar o Regimento Interno da Corte. “Furtar-se à aplicação do art. 146 do RISTF resulta em quebra de isonomia e profunda dissonância regimental e jurisprudencial, criando um estado de incerteza jurídica inaceitável” – argumenta, com propriedade, o presidente da Ordem, Beto Simonetti. Até porque, ainda que o novo Ministro seja empossado antes daquela data, ele com certeza terá que pedir vista. E seu voto poderá alterar um resultado já consolidado, conforme jurisprudência do próprio Supremo.
Simonetti tem buscado sensibilizar os Ministros a respeito do caráter de subsistência dos honorários. Além de lembrar que sua fixação não envolve controvérsia constitucional, mas apenas interpretação de leis infraconstitucionais, para o que não são admitidos recursos. Está em discussão – argumenta ele – “a fonte de subsistência do advogado, principalmente do advogado liberal, que possui toda uma estrutura de escritório a manter, e colaboradores que dependem dessa verba”. Igual pensamento é manifestado pelo Membro Honorário Vitalício, Marcus Vinicius Furtado Coêlho: – “A violação das prerrogativas da advocacia agride frontalmente o Estado Democrático de Direito. A verba honorária tem caráter alimentar, segundo o próprio STF. Não por acaso, teve a sua fixação definida pelo STJ com base na legislação em vigor”.
Daí a pergunta: qual parte do texto constitucional que estabelece a indispensabilidade, essencialidade e imprescindibilidade, do advogado à administração da justiça (Art. 133 da constituição) reclama por melhor entendimento? A advocacia brasileira está permanentemente a oferecer testemunho dessa indispensabilidade. Um exemplo está no selo, que a OAB se prepara para lançar, destinado a reduzir o litígio entre empresas, brilhante trabalho desenvolvido pela Comissão Especial de Desjudicialização do Conselho Federal, presidida pelo advogado rondoniense Diego Paiva Vasconcelos.
O “Selo Nacional de Desjudicialização” destina-se a premiar empresas, fintechs jurídicas e órgãos públicos que investirem na busca de acordos para solucionar conflitos judiciais. A meta é estimular a redução do estoque de processos que reforçam a imagem de um Judiciário moroso, o que torna o mercado brasileiro menos atraente para investidores. “O projeto – adianta Diego Vasconcelos – cria balizas para sabermos quais são os modelos bem-sucedidos de desjudicialização, e validar, do ponto de vista institucional, essas boas práticas de empresas e do Poder Público, além de estimular o desenvolvimento de mais projetos que tenham por objetivo a redução desse enorme backlog processual”.
Exemplo desse esforço é o Tribunal de Justiça de Rondônia, que acaba de receber, pelo quarto ano consecutivo, o Selo Diamante no Prêmio CNJ de Qualidade – prêmio máximo destinado aos tribunais do país na avaliação de desempenho. A honraria é conferida aos Tribunais de Justiça que apresentaram os melhores resultados nos quesitos aferidos pelo Conselho Nacional de Justiça: dados e tecnologia, governança, produtividade e transparência.