A ninguém poderia ocorrer a ideia de achar “normal”, muito menos aplaudir, as práticas da corrupção nos ambientes públicos e privado. Não me refiro apenas aos atos de improbidade cometidos pelos agentes públicos, de alto ou baixo escalão hierárquico, mas àqueles que, de regra, são tidos como “pequenos” e “perdoáveis”, como subornar o porteiro do restaurante para que sua mesa esteja disponível mais rápido.
Não existe honestidade “pela metade”, assim como inexiste inconstitucionalidade ou ilegalidade “alta” (diante das quais a gente passa “por baixo”) ou “baixa” (a admitir que passemos “por cima”). A corrupção é deplorável e condenável seja ela qual for, renda ela milhões em contas no exterior, obras de arte de pintores famosos ou uma mera caneta esferográfica.
Também é sabido – já afirmei isto em várias oportunidades – que se existem administradores corruptos, necessariamente existirão administrados corruptores. Diante de sérios indícios (ou de “evidências”, como se diz hoje) de práticas criminosas, que denúncias fundadas sejam objeto de apuração rigorosa, em sindicância ou inquéritos, com vistas a atestar o possível cometimento de irregularidades ou crimes. A impunidade é intolerável, a desdúvidas.
Mas outra coisa é igualmente incontestável: a simples denúncia (midiaticamente reverberada ou não) não basta para que o denunciado seja, de já, considerado culpado. Há uma diferença básica, diz Dalmo Dallari, entre o denunciado, o indiciado e o condenado. Num Estado Democrático de Direito tem-se como imprescindível a instauração de um processo (administrativo ou judicial – Constituição da República, art. 5º, LIV) em que o acusado disponha do mais amplo e irretorquível direito ao contraditório e à ampla defesa, com os recursos inerentes a ela inerentes (Constituição da República, art. 5º. LV). Não bastasse, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória (Constituição da República, art. 5º, LVII).
Pois bem. Como alguém pode ser defendido, em qualquer processo, senão por meio de um advogado? A defesa “técnica”, ou seja, feita por um profissional a tanto habilitado, é imprescindível! É novamente a Constituição da República a superiormente prescrever, em seu art. 133: “ O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
Daí a óbvia conclusão de que ninguém pode ser privado do direito de ter sua defesa patrocinada por advogado, por mais grave o crime que haja (supostamente) cometido. Lembrem-se de que até mesmo os criminosos de guerra nazistas tiveram advogados a defendê-los em Nuremberg.
Seriam esses advogados (oficiais norte-americanos, por sinal) também nazistas? Médicos, uma vez a tanto chamados, salvam a vida de pérfidos assassinos eventualmente baleados durante a perseguição policial. Seriam esses médicos cúmplices desses crimes? Claro que não!
Os advogados, segundo a Constituição e o Estatuto da Advocacia (Lei Nacional 8.906/94) têm inarredável direito à inviolabilidade de suas ações e manifestações, dos dados pertinentes aos seus clientes (cujas conversas pessoais são tidas sob sigilo igual ao sigilo médico) e, por consequência, à percepção dos seus honorários. Estes têm, inclusive, natureza alimentar.
Na área penal, especificamente, mesmo que o advogado se convença de que seu cliente é culpado, não se pode eximir de defendê-lo, ainda que seja para buscar uma diminuição da pena. Perquirir a origem do dinheiro que lhe é pago a títulos de honorários é irrelevante. Na área cível ou administrativa, ele (advogado) pode, sim, recusar a causa, por razões íntimas e éticas. Mas na esfera criminal, não!
Absurdo e intolerável é que, em nome da (falsa, muitas vezes) moralidade, se criminalize a advocacia. Convocar um (ou uma) advogado (a) a depor como suspeito (a) é algo violador das garantias constitucionais da advocacia. Isto afirmo como advogado com mais de 40 anos de profissão e, eventualmente (em final de mandato), como Conselheiro Federal da OAB pelo Ceará.
A Ordem dos Advogados do Brasil (que tanto fez e continua a fazer por este País) e advocacia pedem reconhecimento e respeito.