Encontrei, em algum lugar da memória, a recomendação bastante atual de um professor. Ele explica que forja-se a corrente a partir do primeiro elo. O primeiro discurso censurado, o primeiro pensamento proibido, ou a primeira liberdade negada, acabarão por nos acorrentar a todos. Imaginamos que a humanidade evoluiu muito e que as torturas de hereges ou a queima de bruxas nas fogueiras da inquisição pertencem ao passado. Há uma grande diferença, porém, entre os vilões da ficção e os reais. Os vilões de hoje – dizia ele – não são mais aqueles que torciam as bigodeiras, mas aqueles que se escondem, bem camuflados pela nobreza de boas ações. Eles estão, apesar disso, sempre à espreita de condições favoráveis para semear o medo em nome da justiça, da fé, da democracia, do “povo humilde” ou da defesa do trabalhador e dos empregos. Por isso, a eterna vigilância é até um preço razoável a ser pago pela defesa dos direitos e liberdades ameaçados.
É esse o caminho da OAB, como bem esclareceu nosso novo presidente nacional, Felipe Santa Cruz. Ele não acha que o governo do presidente Jair Bolsonaro coloca em risco as minorias: “É um governo democrático, eleito, que tem toda legitimidade, mas responde aos mesmos limites de todos os governos. Os excessos, as falas políticas, que são compreensíveis, serão mitigadas pelo debate. Nosso papel é mostrar que a legislação que protege as minorias e defender essa legislação”. A OAB já está trabalhando, por exemplo, na avaliação do pacote de segurança do ministro Sérgio Moro. O presidente assegura não haver objeção ao avanço do combate à impunidade, mas já constituiu um grupo de trabalho, no qual a OAB Rondônia está representada pelo conselheiro federal Alex Sarkis, para analisar tecnicamente o projeto e observar a constitucionalidade, oportunidade e conveniência das alterações propostas pelo Governo Federal.
O presidente da Ordem admite que o país precisa controlar a impunidade. “Mas se vamos importar institutos internacionais, também devemos importar institutos que permitam o exercício da defesa. É natural que o pêndulo tenha derivado para um lado, porque havia uma demanda reprimida gerada pela impunidade histórica do Brasil. Mas é preciso trazê-lo de volta, senão vamos criar um país onde o ideal é a eliminação de toda e qualquer atividade que entre em divergência com esse Estado todo poderoso. Em muitos momentos, por exemplo, o direito de defesa tem sido prejudicado. Não pode haver vazamento, é sagrado o direito de defesa. Exorbitamos nas prisões preventivas e na politização dos processos. A questão é polêmica e merece discussão. Mas, como voz da defesa, é possível flexibilizar o texto constitucional. O Estado persecutório já tem força demais. Por mais que eu leia a Constituição Federal, não consigo ter a leitura que não seja o trânsito em julgado das ações como o momento de cumprimento das penas. Estarei na tribuna defendendo a Constituição”.
Felipe Santa Cruz observou, como sempre dissemos aqui, que não se pode criminalizar a política em função dos maus políticos. E a criminalização dos partidos pode deixar o país sem saída. Não há forma de resolver conflitos a não ser pela reorganização dos partidos. Da mesma forma, ele não aceita a decisão do TCU de exigir submissão da OAB a seu controle de contas, com a que afirma não se preocupar, pois contraria posição firmada pelo STF. “A OAB é justamente onde a sociedade civil busca proteção, muitas vezes em oposição aos poderes do Estado. Dar controle das atividades da OAB a um braço do Legislativo seria, indiretamente, subjugar o que há de mais independente na nossa identidade.
A OAB também ajuizou no STF uma ADIn para questionar a limitação dos valores das indenizações imposta pela reforma trabalhista (lei 3.467/17). Assinado pelo próprio presidente nacional, Felipe Santa Cruz, pelo presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais, Marcus Vinicius Furtado Coêlho e por Lizandra Nascimento Vicente, o documento questiona o que classifica como subversão da base principiológica do direito do trabalho. Exemplo dessa circunstância contraditória é o recente desastre ambiental e humanitário de Brumadinho, já considerado o maior acidente trabalhista do Brasil. A OAB observa que há dois grupos de pessoas envolvidos: aquelas que acionarão a justiça trabalhista porque o vínculo decorre de relação de trabalho, ou seja, com indenização limitada; e aquelas que litigarão perante a justiça comum e perceberão indenização muito maior, sem a observância de qualquer teto indenizatório.