Uma das principais características do que se convencionou qualificar como um Estado Democrático de Direito é a garantia de respeitos ao ordenamento jurídico e às garantias individuais constitucionalmente conquistadas. Nesse sentido só conseguimos conceber que se vive em uma democracia institucionalmente preservada quando se observa o cumprimento irrestrito do conjunto normativo instituído naquela sociedade.
Podemos dizer que no campo penal a relação processual sempre é desequilibrada, face a força do Estado no tocante a produção de provas e a vulnerabilidade do réu que não raramente enfrenta enormes dificuldades para promover sua defesa, razão pela qual se faz necessário estabelecer uma série de princípios e garantias no sentido de tentar minimamente equiparar as forças da acusação e da defesa durante o processo penal.
O grande dilema atualmente posto é que a percepção social de que a quantidade de crimes cresceu e a sensação de insegurança da mesma forma se potencializou. Em tempos aonde a segurança passa a ser um critério socialmente temerário é natural que a sociedade busque formas de controle mais rígidos e involuntariamente termine por restringir direitos conquistados em busca de um processo penal mais voltado à produção de condenações.
Nesse contexto de busca por maiores formas de controle, direitos fundamentais acabam sendo relativizados e garantias conquistadas ao longo de séculos de lutas e estudos no sentido de preservar maior amplitude de defesa são diminuídos sob o argumento de que é necessário se punir com maior rigor e de maneira mais ampla.
É a partir daí que reside a complexidade do momento turbulento no qual estamos inseridos: a sociedade de maneira ampla deseja mais intervenção penal e consequentemente tais apelos reverberam diretamente na maneira de enxergar o processo penal.
A (falsa) impressão de que uma sociedade segura se faz somente com a relação direta do número de presos em relação ao número de crimes acaba transformando o processo em um objeto de desejo de quem enxerga a punição como mera forma de retribuição dos males supostamente causados pelos acusados. O Poder Judiciário tende a ser visto como um catalizador do desejo de castigo e muitas vezes de vingança propriamente dita por parte de uma sociedade que cada vez mais pressiona os poderes através de meios eletrônicos de compartilhamento de informações para alcançar seus objetivos.
Consequentemente a advocacia criminal tende a ser vista como o obstáculo impeditivo da satisfação do desejo coletivo por punição e inserida nesse cenário passa a ser socialmente rejeitada. Já não é nova a associação errônea que frequentemente é feita da figura do advogado criminal e do exercício de sua profissão como diretamente ligada a prática do crime e em um ambiente socialmente hostil à figura da defesa tais sensações se potencializam.
É justamente em tempos como os atuais que cada vez mais se torna necessário o fortalecimento da advocacia como instrumento de contenção de abusos que eventualmente possam vir a ser cometidos em nome dos anseios populares, legítimos, mas não necessariamente os mais indicados, de afrouxamento de preservação de garantias fundamentais e as consequentes elevações dos índices de punição criminal.
Em momentos como os tais a advocacia criminal prescinde de maior importância e sua maior exposição pelos meios de comunicação como responsável pela dificuldade de se promover a punição aos supostos “inimigos públicos” acaba gerando um outro componente de complicação no mister do advogado: a falsa percepção pública sobre a importância da defesa.
Surge nesse cenário caótico e negativo a principal missão da advocacia criminal: se consolidar mesmo que contra majoritariamente, como um dos pilares do Estado Democrático de Direito na defesa da preservação das garantias fundamentais previstas segundo o pensamento constitucional.
Ainda que o momento seja turbulento, a advocacia criminal tem acima de tudo uma função republicana de garantia do ordenamento jurídico e dos princípios e valores que norteiam a aplicação do direito. A função do advogado, especialmente do criminalista é zelar pelas garantias conquistas, seja o clamor público favorável ou contrário, gostem os donos do poder ou não.
A advocacia nesse momento surge como uma das últimas trincheiras da sociedade na luta pelo Estado Democrático de Direito. O clamor público por soluções mágicas para problemas complexos não pode ensejar a diminuição da importância da figura da defesa técnica processual em uma sociedade que se deseja civilizada e nesse ponto existe um profissional que deve estar disposto a encarar sua profissão como uma missão pela democracia: o advogado criminalista.
Stênio Castiel Gualberto é coordenador de Direito Penal e Processual Penal da Escola Superior de Advocacia de Rondônia (ESA/RO).