“Nunca antes na história desse país o povo tinha colocado um torneiro mecânico na Presidência da República”. O bordão, repetido à exaustão pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo Partido dos Trabalhadores, foi substituído na última semana por outro, também verdadeiro e da mesma forma repetidamente exibido pelos adversários nas redes sociais: “Nunca antes na história desse país um ex-presidente da república foi condenado à prisão por corrupção”. O que verdadeiramente encerra, porém, uma lição histórica é a comprovação de que absolutamente ninguém está acima da lei. O ex-presidente pode ser inocentado no julgamento pela 8ª turma TRF-4. Mas pode ser condenado, preso e perder os direitos políticos por pelo menos oito anos. Vale observar que toda a imprensa nacional dedicou imenso espaço para a divulgação do acontecimento, em análises, comentários, e reproduções em inteiro teor da sentença, que até mereceu edição especial de Veja, a revista de maior circulação do país.
Nem uma só palavra, contudo, sobre o significado da condenação para o fortalecimento institucional do país, para a consolidação de um princípio que deveria estar presente na consciência de cada cidadão, independentemente de cor, credo, opção sexual ou pensamento político: A lei vale para todos! Artigo do ex-ministro Mailson da Nóbrega abordou o fortalecimento institucional do país para assegurar que “temos, sim, instituições fortes”. Mas direcionou seu comentário ao ambiente de negócios. E lamentou que não conheçamos suficientemente o quanto evoluímos: “ainda se confunde crise política com crise institucional” – disse ele, para concluir que “precisamos, sim, entender e valorizar a solidez das instituições”. Outra exceção digna de registro foi postada em sua coluna por Augusto Nunes, para quem o “castigo imposto a Lula confirma que está em trabalho de parto um Brasil obediente ao primeiro mandamento do Estado Democrático de Direito: todos são iguais perante a lei. Como ninguém é mais igual que os outros, não existem inimputáveis”
Nesse sentido, merece atenção o artigo do presidente da OAB/RS, Ricardo Breier, publicado no jornal “Zero Hora”. Ele observa haver “um novo componente no ar. Quando ex-ministros são condenados e presos; deputados e ex-parlamentares vão para o presídio por corrupção; um dos maiores empreiteiros do país está há meses atrás das grades; donos de empresas devolvem milhões de reais de desvios; lideranças partidárias respondem por condutas inadequadas ou criminosas. Quando esses fatos se repetem, há de se perceber uma alteração: ninguém deve estar acima da lei. Ninguém”. Ele considera a condenação do ex-presidente inserida nesse contexto: “Ele poderá recorrer da decisão do juiz Sergio Moro, inclusive podendo ter sua situação revertida. Acima de tudo, está tendo seu direito de defesa observado. Mas o fato é que se trata de um ex-presidente da República e que, mesmo assim, não tem a prerrogativa de estar acima da lei”. Lembra que os questionamentos da defesa devem ser feitos dentro do rito processual e de forma técnica, pois que a “segurança jurídica é o elemento imprescindível para o avanço democrático do país. O respeito às instituições e regras vigentes deve sempre dizer: a lei é para todos.”
A leitura desapaixonada do calhamaço de 218 páginas pelo qual o juiz Sérgio Moro condenou o ex-presidente a nove anos e seis meses de prisão em regime fechado mostra que o magistrado foi cuidadoso ao elencar delações, depoimentos de testemunhas e documentação comprobatória de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A importância do caso, considerando tratar-se de um ex-presidente da república, aliada a uma postura incisiva da defesa, fizeram o juiz adotar no relato e análise do processo e dos fatos apurados um trabalho cuidadoso. O ex-presidente foi inocentado das acusações de pagamento pela OAS das despesas de armazenamento e guarda de todo o material levado na mudança de Brasília. Como Moro foi prudente ao não decretar a prisão cautelar, por não deixar de “envolver certos traumas”, o ex-presidente Lula vai aguardar em liberdade o julgamento em segunda instância no TRF da 4ª Região, do qual poderá sair em liberdade ou para a prisão.