Não, esse escrito não vai tratar nem de passagem sobre o romance de Gabriel Garcia Marquez. A cólera que abordarei será diferente da conhecida patologia.
Creio que muitos leram recentemente vários textos cuidando sobre a polarização selvagem e virulenta na política brasileira, na sociedade e dos seus malefícios. Também quero dar meu contributo. Para começar, registro uma aspecto que julgo fundamental: não é por concordar com alguma posição de um dos lados polarizadores que se está necessariamente de acordo, nem contrário, com todo o resto do que esse lado proclama e nem contra ou em concordância com todo o resto do(s)outro(s)lado(s).
É natural que os políticos e seus militantes digam o que os seus eleitores gostam de ouvir e assim defendam seus programas e projetos com base nestes fundamentos.
Mas vivemos numa sociedade livre e como tal nem todos seguem as mesmas linhas de pensamento e pontos de vista postos, no todo ou em parte. Um cidadão livre, e neles me incluo, tem o direito fundamental da liberdade de expressão( e de ser respeitado por isso). De poder dizer o que pensa sem se preocupar com a adesão, de quem quer que seja, por concordância com as suas ideias.
Infelizmente, a liberdade de expressão, um direito humano básico, expresso no texto constitucional e uma das maiores conquistas da liberdade humana e da civilidade social, não só não é respeitada em nossos dias como é atacada ferozmente quando seu conteúdo é divergente de uma das formas distintas( não irei usar a expressão “opostas”).
O debate público em uma sociedade livre e democrática não pode ser abafado nem silenciado pelo grito dos que pensam e defendem as ideias de um dos lados, nem muito menos descambar para atitudes violentas. Quero dizer, de plano, que não sou filiado a qualquer partido político e nem sou petista ou bolsonarista.
Como eu, tenho certeza, há muitos brasileiros preocupados com o grau de radicalidade agressiva em nosso país, costumeiramente ordeiro e pacífico. A violência, venha de onde vier, provoca inevitavelmente um espiral crescente que engole a todos. Gandhi dizia que “olho por olho e o mundo acabará cego”.
Quero poder dizer livremente, sem ser atacado por isso, que sou contrário à flexibilização da posse e porte de armas, do recrudescimentos das leis ambientais, do fim da obrigatoriedade do exame toxicológico para caminhoneiros e da frouxidão com outras regras da legislação de trânsito. Por outro lado, quero dizer que concordo com as medidas de desburocratização para abertura de empresas e sua existência, da diminuição do tamanho do estado, da privatização de estatais, do fomento ao empreendedorismo e também das mesmas regras de aposentadoria para servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada.
Também sou favorável a operação lava-jato e ao combate à corrupção, desde que respeitados o direito de defesa e o devido processo legal vigentes.
Por fim, para que retomemos os trilhos da humanidade é sempre bom reprisar uma conhecida frase erroneamente atribuída a Voltaire, filósofo francês e ícone da defesa da liberdade de expressão e que resume o seu pensamento sobre o assunto: “ Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”. Voltaire foi contrário ao banimento de um livro de Claude-Adrien Helvétius (1715-1771), outro filósofo francês com quem ele tinha se desentendido. Em 1758, Helvétius publicou um livro pelo qual foi condenado pela Universidade de Sorbonne, pelo Parlamento de Paris e até pelo Papa. Apesar de discordar frontalmente do pensamento de Helvétius, Voltaire não aceitava como correto o banimento do livro.
À luz constante desse mantra, trabalho e espero para que a sociedade brasileira resgate seus traços característicos de urbanidade e respeito ao pensamento divergente, pois só assim construiremos uma nação verdadeiramente livre. Sejamos construtores da paz, da tolerância e do respeito ao diferente.
* Paulo Antonio Maia e Silva é presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Paraíba