Certo dia a família de um cliente chegou ao meu escritório pela indicação de uma Colega, e buscava contratar meus serviços para a defesa de um parente que havia sido preso na noite anterior.
Lembro do semblante daquele irmão e esposa, sem chão, sem rumo, sem esperança.
A acusação era gravíssima, e eles temiam que em razão disso eu recusasse o caso.
Então busquei – na medida do possível – tranquilizá-los.
No mesmo dia, após ouvir o cliente, assumi a defesa. E depois de 350 dias, de muitas lutas, consegui absolvê-lo após 11hs de julgamento no Tribunal do Júri.
Dias depois, em reunião com o cliente e sua família, aquele mesmo irmão que esteve em meu escritório para contratar meus serviços, fez a seguinte revelação: “Doutora, confesso que quando a vi pela primeira vez, pensei: meu Deus, ela parece uma menina.”
E completou dizendo que essa “primeira imagem”, e o fato de eu ser mulher, a princípio gerou insegurança à família, haja vista a gravidade do caso. E anda, que dias após eu assumir a defesa, um determinado Colega Advogado, procurou o irmão do meu cliente em seu local de trabalho e disse: “Você condenou seu irmão contratando ‘aquela’ Advogada”.
Enfim. Esse é apenas um relato dentre os incontáveis casos de discriminação por ser mulher que vivi e ouvi de Colegas Advogadas, no que se refere ao exercício da profissão.
Em que pese estarmos em pleno século XXI, é notório o preconceito. Em especial àquelas Advogadas que escolhem atuar como criminalistas.
A verdade é que ainda vivemos em uma sociedade machista. Do tipo que pensa: você deveria ser modelo, e não Advogada. Sem mencionar os comentários do tipo: com esse belos olhos, tudo se consegue, é causa ganha.
Pior é ouvir esse tipo de piadinha dos próprios “Colegas”.
É por essas e outras que nós, mulheres, precisamos mesmo continuar a mostrar a que viemos. Com o resultado dos nossos trabalhos, o respeito virá na mesma proporção.
Que não nos preocupemos em ser apenas um número percentual, mas sim combatentes por amor à profissão, seja você, mulher, a profissional que escolheu ser.
Lute por seu espaço. Qualifique-se. Supere o preconceito.
Nos espelhemos n exemplo da Dra. Myrthes Gomes de Campos, a primeira mulher no Brasil a exercer a advocacia, vindo a tornar-se uma grande criminalista.
Sua luta foi por direitos? Sim! No entanto, foi um combate por amor ao que almejava para si – exercer a amada profissão -.
À época, Myrthes escandalizou sua família quando decidiu estudar e seguir a carreira de Advogada, concluindo o bacharelado em Direito em 1898. Em razão das fortes discriminações, apenas no ano de 1906 conseguiu ingressar no quadro de sócios efetivos do Instituto dos Advogados do Brasil.
Com isso tiramos uma lição, o milênio mudou, o preconceito, não!
Então sejamos nós o início da mudança que almejamos.
O Mundo precisa de mais “Myrthes”.
Aisla de Carvalho é advogada criminalista, presidente da Comissão da Mulher Advogada em Vilhena, membro da Comacrim OAB/RO e ouvidora da Abracrim-RO.