A autorização do MEC para novos cursos de Direito no Brasil nada mais é que o resultado perverso da prática espúria à qual os governos se sujeitam para assegurar sustentação parlamentar. É o efeito comprovadamente deletério da máxima repetida à exaustão pela OAB: “Voto não tem preço. Tem conseqüência”. Ou alguém duvida que a entrega de um ministério da importância do MEC à bancada de um partido político pouco difere da compra de votos no chamado “mensalão”? Uma conseqüência é a mercantilização inaceitável dos cursos jurídicos do Brasil, com perdas enormes para a sociedade e para os acadêmicos, que na maioria das vezes não recebem mesmo o ensino jurídico básico. Ao ceder, em ano eleitoral – vale destacar -, à fortíssima pressão dos lobistas das universidades privadas, o MEC mutila sonhos, castra projetos de vida e contribui para gerar uma multidão de frustrados no país, que foi chamado pelo escritor José Roberto Castro Neves, que acaba de lançar um livro sobre “A história da advocacia e sua contribuição para a humanidade”, de “o país dos bacharéis”.
A OAB não vai admitir mais esta inevitavelmente suspeita concessão ao lobby das universidades privadas. O ex-ministro Mendonça Filho, que deixou o cargo para candidatar-se à reeleição para a Câmara dos Deputados pelo DEM e conseguiu indicar seu sucessor, o atual ministro Rossieli Soares da Silva, do mesmo partido, já havia cedido ao lobby ao revogar duas medidas que certamente viriam a fortalecer a fiscalização sobre o setor. A presidente do Inep – autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação – Maria Inês Fini, pediu a revogação das decisões, que aprimoravam a avaliação da educação superior no país e criavam o Cadastro Nacional de Concluintes de Graduação, uma espécie de banco público de diplomas. A própria Maria Inês confirmou a notícia em um seminário, promovido pela Abmes – Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior que reuniu à época cerca de 200 representantes de instituições privadas de ensino superior. A Abmes é presidida pelo dono do “Grupo Ser Educacional”, Janguiê Diniz e especula-se, nos meios acadêmicos em Brasília, ter sido dele a indicação para o cargo. O atual ministro, Rossieli Soares da Silva, é advogado, mestre em Gestão e Avaliação Educacional pela UFJF e tem colecionado sucessos no ensino médio. Mas certamente não irá contra aquele que patrocinou sua posse.
A nota assinada pelo presidente da OAB, Cláudio Lamachia, reflete o pensamento do colégio de presidentes das Seccionais, frontalmente contrária à abertura de novos cursos de Direito sem avaliação criteriosa das necessidades ou realização de um chamamento público. E diz que “o MEC atesta sua permissividade e contribui com a continuidade do estelionato educacional que vem sendo praticado no Brasil”, para classificar de “irresponsável a permissão de , funcionamento de instituições sem levar em consideração a qualidade de ensino, a necessidade social e a estrutura mínima para receber os prováveis discentes, tais como a capacidade do mercado para recepcionar os alunos nas atividades de práticas jurídicas”. E acrescenta que a troca de favores estabelecida ao longo das últimas décadas transformou o Brasil em uma pátria de bacharéis enganados por algumas instituições de ensino preocupadas unicamente com o lucro. Não houve, de fato, controle efetivo por parte do órgão responsável por fiscalizar a oferta de tais vagas, nem tampouco se observou os pareceres da OAB.
É lamentável que o Ministério da Educação se deixe seduzir pela fria estatística do número de formandos no ensino superior e despreze totalmente a qualidade do ensino. Um diploma em poder de quem nada sabe pode eventualmente produzir votos, mas, por absolutamente demagógico, produz frustração, desencanto desapontamento e insegurança. Vale lembrar o que disse John Lennon: “A insegurança e a frustração levam o homem à violência. E disso resultam as guerras”. A criação indiscriminada de cursos para atender, não à demanda da população, mas à ganância dos empresários fragilizam boa formação dos alunos. Disso resulta, ainda segundo a nota da OAB, uma enxurrada de profissionais diplomados e muitos sem condições de enfrentar a realidade de um mercado de trabalho competitivo ou mesmo de habilitar-se ao exercício da advocacia. Diante da crise do ensino jurídico instalada no país, é urgente que o MEC adote uma política pública de fiscalização dos cursos existentes e restrinja novas ofertas, até que se realize um mapeamento com a adequação obrigatória daqueles que não se enquadram nos padrões de excelência exigidos pela sociedade brasileira”.