Apesar de meramente retórica, a pergunta torna-se oportuna no momento em que o Tribunal de Contas da União determinou a elaboração de um estudo para fundamentar a necessidade de fiscalizar as contas da OAB. A iniciativa embute, na verdade, a insatisfação de setores inconformados com a atuação da Ordem até dentro do próprio MPF. Vale lembrar a atuação da OAB no Legislativo contra diversos itens inconstitucionais embutidos nas tais “dez medidas contra a corrupção”. Ou, quem sabe, pelo projeto que criminaliza a violação às prerrogativas dos advogados, já aprovado no Senado e na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara – à espera de votação em plenário. É importante salientar que o próprio TCU já julgou iniciativa semelhante na década passada. A proposta foi rejeitada em plenário, especialmente por tratar-se de coisa julgada, conforme decisão do Tribunal Federal de Recursos nos autos do Mandado de Segurança nº 797.
A indagação do título foi objeto de contundente e esclarecedor artigo assinado pelo presidente Cláudio Lamachia na Folha/SP. Ele observa: “sempre que setores políticos se sentem ameaçados pela atuação crítica e independente da Ordem dos Advogados do Brasil é tirada do armário a proposta de vincular a instituição à administração pública federal, por meio do Tribunal de Contas da União”. Mais apropriado, porém, seria substituir o termo “vincular” por “submeter”, já que, claramente, o que se espera com isso é exatamente “submissão”. Lamachia lembra ser antiga a tentativa de estabelecer relação de dependência da OAB em relação ao poder político. Já em 1952 o Tribunal Federal de Recursos – rebatizado como Superior Tribunal de Justiça pela constituição de 1988 – discutiu a questão e sentenciou que a Ordem não é órgão público e, portanto, não pode se submeter ao TCU.
Em 2003, numa outra provocação, o plenário do próprio Tribunal de Contas da União decidiu exatamente pelo respeito à coisa julgada e estabeleceu que não lhe compete analisar as contas da OAB. Semelhante posição foi adotada em 2006 pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. Está claro que esta nova investida é juridicamente inviável, por afrontar a coisa julgada. Cabe então a indagação do presidente da Ordem: “Quem ganharia com a submissão da OAB – que é transparente, tem natureza privada e possui mecanismos eficientes de fiscalização e controle – a um órgão da administração pública federal?”.
– A Ordem – continua ele – é uma voz crítica da sociedade. Foi assim quando fez oposição à ditadura militar e quando pediu o impeachment de Fernando Collor, de Dilma Rousseff e, mais recentemente, de Michel Temer. A Ordem se levanta contra os abusos das autoridades – como as decisões ilegais que mandaram quebrar o sigilo de conversas entre jornalistas e suas fontes ou entre advogados e clientes. A atuação da OAB inclui a cobrança permanente pelo fim dos privilégios desfrutados por alguns agentes públicos, como férias de 60 dias, salários acima do teto e auxílios ilegais. A mesma posição incisiva foi adotada quando pediu a saída do então todo-poderoso da república, Eduardo Cunha, o que, mais tarde, quando já destruído, estimulou diversos atores políticos a dizer o óbvio.
Lamachia elenca ainda a denúncia da OAB contra a transformação do MEC em balcão de negócios, de agências reguladoras em moeda de troca política, contra os interesses da população, o encarecimento da banda larga gestado dentro da Anatel e os abusos da ANAC e companhias aéreas, contra os quais recorreu à justiça. Não é, portanto, apenas a advocacia que perde se submetida às amarras do TCU. Perde também toda a população com o fim da autonomia e da independência crítica da maior entidade civil brasileira.
Vale lembrar que toda a argumentação que, de novo, defende a submissão da OAB aos ditames do poder político – o TCU é, em última análise, um organismo eminentemente político – já foi sobejamente desmontada, em dezembro de 2016, pelo parecer do notório advogado constitucionalista, professor livre-docente de direito constitucional da USP, escritor e referência inclusive no STF, José Afonso Florêncio, que literalmente desmontou a argumentação do então procurador geral da República, Rodrigo Janot, em mais uma tentativa de “domesticar” a OAB.
Ele demonstrou a impossibilidade de impor revisão à coisa julgada ao esclarecer que “A Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. Por quê? Porque às considerações pertinentes a todas as profissões regulamentadas, acrescem-se outras atinentes exclusivamente à profissão do advogado”. Cabe então, ainda uma vez, a pergunta: a quem interessa a submissão da OAB? Ao país, certamente que não. Ao cidadão, muito menos. E tampouco ao próprio TCU que, mantido com dinheiro público, não pode empregá-lo na fiscalização de atividades privadas.