As mais elementares noções de separação de poderes, de coisa julgada, de obediência a precedentes, enfim, tudo aquilo que forma o arcabouço a que chamamos de segurança jurídica tem sido desconstruído pelo Judiciário não se sabe exatamente a troco de quê. A decisão monocrática do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), de obrigar a Câmara a começar de novo o projeto das medidas de combate à corrupção, é uma delas. Tivemos outros casos não menos espalhafatosos recentemente, mas fiquemos neste.
Porque é emblemático do quadro de perplexidade atual. Se o objetivo era carregar ainda mais nas tintas, conseguiu. Até as pedras na Praça dos Três Poderes sabem que dispõe a mais alta Corte de Justiça do País o controle constitucional das normas do Poder Legislativo. Vale dizer, pode o Supremo corrigir eventuais aberrações legislativas, mas ainda assim sem jamais interferir durante o processo em que elas estão sendo gestadas dentro do parlamento.
Nos últimos tempos, porém – tempos estranhos, como se tornou recorrente afirmar – nada se pode garantir à luz de decisões que põem a hermenêutica de ponta-cabeça. Em se tratando do Supremo, então, tudo se tornou possível, ou, melhor, imprevisível, pondo os poderes em franca rota de colisão. Autor de liminar garantindo o pagamento de auxílio-moradia a magistrados, o ministro Fux, nesse caso, levanta o manto da dúvida de ter agido com parcialidade.
A decisão, claro, está sendo comemorada por juízes e procuradores que estão em franca campanha contra qualquer ideia que tenha por objetivo enquadrá-los nos limites da lei ou cortar as vantagens nos vencimentos que superam o teto constitucional. Ora, é público, há desembargadores aposentados que já foram agraciados com subsídios de até R$ 170 mil referentes a um único mês.
E muitos dos juízes heróis dos dias atuais recebem mensalmente mais de R$ 50 mil. Como isso é possível, já que o subsídio de um ministro do STF hoje é de R$ 33.763,00? Graças a um universo de interpretações que se assemelham a cupins, esses insetos tropicais que insistem em causar ranhuras, rachaduras e furos em qualquer teto. Isso também não é uma forma de corrupção? É a pergunta que não quer calar.
Vivemos uma crise econômica das mais graves. Há uma série de propostas em discussão, muitas delas polêmicas, mas uma coisa é certa: é necessário erradicar as castas que dividem os cidadãos entre aqueles que têm toda a sorte de privilégio estatal e aqueles que ficam jogados à própria sorte, que acabam tomados por completa desesperança.
O resultado dessa desesperança é sentido nas urnas, na rejeição à política, que nunca levou nenhum país a algum bom lugar. Temos de retomar as rédeas do país e começar a respeitar as regras. Tudo o que se espera do Judiciário é que ele funcione como garantidor da liberdade ativa e da Constituição. Sempre que esse equilíbrio esteve ameaçado, escancararam-se as portas para os oportunistas. Ou coisa mais feia, pois nada é tão ruim que não possa piorar.