O Brasil ainda é uma República frágil e uma democracia cambaleante.
Os elevados números da corrupção em todas as esferas do poder público brasileiro não nos deixam enganar acerca dos nossos problemas.
Melhoramos muito como Nação e como Estado, desde a reabertura democrática.
Mudanças estruturais profundas nos levaram do arcaísmo do poder personalíssimo dos governantes militares a um elevado nível de institucionalização dos poderes dirigentes.
O aperfeiçoamento dos processos eleitorais de massa e o ingresso nas carreiras públicas mediante concurso foram, aos poucos, conferindo legitimidade ao exercício do poder. O fortalecimento da sociedade civil e da imprensa também nos permitiram avançar na fiscalização do poder e na tomada de contas daqueles que governam.
Em vários sentidos, nos distanciamos de muitos povos que ainda estagiam na barbárie de uma ditadura, declarada ou velada, ou mesmo daqueles que ainda acreditam que a salvação popular depende de uma família de governantes, de um clã de privilegiados, de um plano traçado pela consciência de um iluminado da vez.
O resgate da força econômica do país e a redução das desigualdades sociais das últimas décadas completaram essa grande mudança de estágio sociopolítico – inegável e admirável, sob muitos aspectos.
Mas, todo otimismo precisa conviver com doses altas de realismo.
A cultura política brasileira ainda é forjada por estranha simbiose entre interesse público e privado.
O poder público existe para tornar melhor a vida das pessoas. Mas, no Brasil da menoridade política, o interesse particular teima em prevalecer sobre o interesse coletivo na gestão da res publica.
Indivíduos e grupos insistem em se aproximar do poder para colonizar o público, com a finalidade de servir aos seus interesses particulares.
Corrupção há por toda parte. Mas, o modo como prolifera nas práticas menores do cotidiano, bem como em escalas gigantescas faz do Brasil um país quase único.
Por isso, não há como não festejar todo passo dado na direção de se punir, exemplarmente, os criminosos que se esbaldam na colonização do espaço público, fazendo de seus quintais o destino final dos bens e recursos que deveriam servir a todos.
A população, cansada de tanta falta de vergonha e descaramento, clama por uma reação. A sede de justiça é grande!
Mas é exatamente nesse ponto em que damos sinais de que nossa menoridade política grassa também em nossa macrovisão de um verdadeiro Estado de direito.
Não é possível matar a sede de justiça sem justiça.
Não é possível depurar a nossa carência de justiça abrindo mão dos princípios e mecanismos da justiça que moldam as nossas maiores expectativas.
Precisamos investigar, processar, julgar e punir os culpados. Mas não podemos fugir, um passo sequer, dos parâmetros estabelecidos pelos direitos básicos que são a garantia de que nosso furor não irá despencar na irracionalidade e no desgoverno de nossas ações.
Ou alguém acredita que seja possível realizar a justiça abrindo mão de ser justo?
É muito difícil conviver com a ideia de que devemos conceder tolerância aos intolerantes, direitos a quem não reconheceu em suas vítimas direito algum, defesa a quem, como a raposa diante do galinheiro, assaltou na surdina a despensa de toda uma população carente.
Mas o poder público não pode se assemelhar aos ladrões, aos assaltantes, aos assassinos que busca punir.
Por esse motivo a Ordem dos Advogados do Brasil, sendo a maior representação da sociedade civil no sistema brasileiro de justiça, não negocia direitos fundamentais. Sua preocupação não é a de preservar a integridade do malfeito, não é apoiar esse ou aquele grupo político, não é a de comungar a lealdade ou o companheirismo oriundo de um estatuto político de qualquer espécie.
A OAB atua como fiscal de um pacto social pela justiça democrática que deverá servir de modelo para a construção de um estado melhor, sem corrupção, mas que não abra mão do devido processo, do mais amplo direito de defesa possível, da dignidade humana, do livre exercício das prerrogativas do advogado, do promotor de justiça, do magistrado.
Saudamos o momento que pode ser histórico com o fim da impunidade dos grandes corruptores da coisa pública. Mas vigiamos para que o lugar do povo não seja tomado por quem se julgue acima dele.
Em cada pequeno e distante rincão do país um cidadão comum sofre para ver seus direitos levados a sério. Aqui e acolá, a corrupção do dia a dia cansa suas pernas, fadiga seu coração, derrama o suor de seu rosto, mata suas esperanças. Esse quadro é inaceitável!
Mas, em cada um desses pequenos rincões também há um agente público sério, um magistrado determinado, um promotor ou um defensor público aguerrido, um advogado combatente e independente lutando contra essa longa e triste cultura de corrupção que mancha nossa dignidade cívica. O que precisamos compreender é que essa luta por justiça somente será vencida com mais justiça, nunca com a falta dela.