A tutela do direito fundamental à saúde do cidadão brasileiro é urgente, a segurança e a previsão dos usuários dos planos de saúde quanto a seus direitos, também. Saúde não é mercadoria. Vida não é negócio. Dignidade não é lucro Direitos conquistados não podem ser retrocedidos sequer instabilizados, como demonstra a entidade autora da presente argüição de descumprimento de preceito fundamental. Por isso o cuidado jurídico com o tema relativo à saúde é objeto de lei, quer dizer, norma decorrente do devido processo legislativo. No Estado democrático de direito, somente com ampla discussão na sociedade, propiciada pelo processo público e amplo debate, permite que não se transformem em atos de mercancia o que o sistema constitucional vigente acolhe como direito fundamental e imprescindível à existência digna.
A avaliação é da presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Carmen Lúcia, e integra a abertura de sua decisão que concedeu medida liminar à ADPF 532 MC/DF, impetrada pela OAB, para determinar a suspensão da Resolução Normativa nº 433, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A agência definiu regras para os “Mecanismos Financeiros de Regulação, como fatores moderadores de utilização dos serviços de assistência médica, hospitalar ou odontológica no setor de saúde”. E autorizou a cobrança, a título de franquia, de até 40% sobre o custo de qualquer procedimento, valores a serem desembolsados pelos segurados. Ou até 60% em alguns casos de planos empresarias, caso haja acordo com os trabalhadores.
A decisão da ministra converge integralmente na direção do pensamento defendido pela Ordem. Foi mais uma vitória da OAB em favor da sociedade. A lei determina que a própria ANS fiscalize o setor. Há obviamente desvio de finalidade quando a agência cria regras para cobranças aos clientes, quando foi criada para buscar a otimização do serviço e regulá-lo para benefício da parte mais vulnerável, o cidadão. Temos que estar permanentemente atentos a questões como essas, que lamentavelmente se multiplicam no país especialmente em época de eleições, referentes às agências que atuam como parceiras das empresas que na verdade deveriam fiscalizar.
Carmen Lúcia foi além, ao anotar que “Causa estranheza que matéria relativa ao direito à saúde, de tamanha relevância social, e que a Constituição afirma que, no ponto relativo a planos específicos, somente poderá ser regulamentada nos termos da lei, e sem que a ela, aparentemente, se atenha, deixe de ser cuidada no espaço próprio de apreciação, discussão e deliberação pelos representantes do povo legitimamente eleitos para o Congresso Nacional, e seja cuidado em espaço administrativo restrito, com parca discussão e clareza, atingindo a sociedade e instabilizando relações e aumentando o desassossego dos cidadãos”, afirmou.
Não há que ser considerada a argumentação da ANS, segundo a qual resolução apenas terá efeitos apenas em 180 dias a partir de sua publicação. Até porque as novas diretrizes iriam balizar de imediato futuras contratações, cuja negociação se inicia muito antes do período de sua concretização. Também, com toda certeza, iriam pautar as renovações de contratos de planos de saúde, nos quais os consumidores assumiram a coparticipação ou a franquia. O mesmo raciocínio foi expresso pelo conselheiro federal Elton Assis, ouvidor nacional da OAB, que atuou no colegiado em favor da ADPF. Ele afirmou tratar-se claramente de um equívoco, uma vez que fere o princípio da legalidade e do devido processo legislativo: “A ANS não tem competência legislativa para criar regras, direitos e deveres aos usuários de planos de saúde”.
A questão ainda será examinada, findo o recesso, pelo ministro relator do caso, Celso de Melo, ou pelo plenário do Supremo. Da decisão irá depender o necessário reequilíbrio do quadro de insegurança jurídica deflagrado pelas possíveis limitações desfavoráveis ao consumidor. Não seria, obviamente, tornada obrigatória a intervenção da OAB no caso, caso fossem respeitados pela ANS os limites constitucionais de sua atuação. A própria presidente do STF registrou em sua decisão que o cenário evidencia o quadro de instabilidade jurídica com a judicialização da matéria. A rigor, as novas regras demandariam sua discussão no devido processo legislativo. A ANS, porém, sensível à inquestionável capacidade de convencimento dos poderosos planos de saúde, optou por provocar a inquietação dos milhões de usuários de planos de saúde, muitos deles em estado de vulnerabilidade e inegável hipossuficiência. Felizmente, para o cidadão, a OAB estava, está e permanecerá atenta.