Dentre os meios de impugnação das decisões judiciais com trânsito em julgado, a que se atribui defeito, nulidade, ineficácia, encontra-se a Ação Rescisória, que se formula em processo autônomo, isto é, instaura-se um novo processo com o traslado das peças fundamentais dos autos originais, máxime a sentença que se impugna.
Disso decorre que, diferentemente dos recursos que são formulados nos mesmos autos em que a sentença é proferida, a ação rescisória deve ser proposta depois do trânsito em julgado da sentença que se pretende impugnar, em autos apartados.
A finalidade precípua da ação rescisória é rescindir, desconstituir ou anular sentença com trânsito em julgado que se tornou irretratável e imutável, por não mais caber contra ela qualquer recurso, conquanto haja em seu bojo, vícios e nulidades que ofendem a lei, em prejuízo do direito e da justiça.
O Novo Código de Processo Civil aprovado no Senado e em fase de aprovação na Câmara dos Deputados mantém a ação rescisória, alterando, contudo, o prazo de decadência do direito de ação que, de dois anos atuais, passa a ser de um ano.
Com efeito, em conformidade com o artigo 485 do Código de Processo Civil atual e seus incisos de I a IX, a ação rescisória pode ser proposta, no decorrer do prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado da sentença, quando:
I) se verificar que a sentença foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
Vale dizer, dar-se-á prevaricação quando o juiz sentenciar contra a lei expressa tão só para satisfazer sentimento ou interesse pessoal; a concussão se caracteriza no fato de o juiz sentenciar mediante extorsão, isto é, pressão violenta ou ameaça, e receber dinheiro para decidir favoravelmente a quem paga; há o peculato na decisão em que ocorre o desvio de bem ou dinheiro público; e a corrupção se caracteriza quando o juiz é subornado, isto é, aceita voluntariamente dinheiro para proferir sentença favorável ao agente do suborno, ou propina enfim. Estas circunstâncias ou fatos odiosos constituem a primeira hipótese que autoriza a ação rescisória;
II) sentença proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente em razão da matéria;
a) estará impedido de decidir o Juiz que tiver interesse na causa; ou for parente de uma das partes ou do advogado de uma delas. Logo, a sentença que for proferida nessas circunstâncias estará comprometida e comporta a rescisória;
b) em razão da matéria, dar-se-á a incompetência, por exemplo, quando se peticionar perante juízo da justiça comum federal ou estadual, ação trabalhista contra uma empresa privada, cuja competência é da justiça especializada do trabalho. Tanto quanto incompetente o é o juízo da justiça comum estadual para julgar causa de interesse exclusivo da união.
III) sentença resultante de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida;
Nesse caso então, teríamos:
a) a parte vencedora demandou dolosamente, isto é, com a intenção consciente, usando de ardil ou má fé, induzindo o juiz a sentenciar a seu favor prejudicando a parte vencida;
b) ou na colusão, (acordo fraudulento) entre as partes a fim de fraudar a lei;
A bem dizer, no caso há um ajuste, um acerto entabulado entre as partes no processo com a finalidade de fraudar a lei, e leva o juiz a proferir uma sentença sem validade.
IV) sentença que ofender a coisa julgada;
Essa hipótese se dá quando o juiz profere sentença em sentido contrário ao já decidido em outra ação, com o mesmo objeto. Vale dizer, o juiz julga pela segunda vez o mesmo objeto já julgado e por isso destituído do interesse de agir. Logo, essa sentença ofende a coisa julgada e pode ser desconstituída pela ação rescisória;
V) sentença que violar literal disposição de lei;
Pois bem. Neste inciso, numa avaliação ampla poder-se-ia dizer que, em sentido lato senso todos os casos dos incisos anteriores, constituem hipóteses de violação da lei;
Contudo, a bem dizer, por ser o direito uma ciência finalística, sua interpretação deve expressar a compreensão das normas e objetivar o alcance da regra jurídica.
Impende salientar que se caracteriza notória ofensa ao direito de defesa, quando o juiz não permite a parte produzir a prova necessária a garantir-lhe a comprovação do direito. Dar-se-á também violação quando não se observar a cláusula due proces of law (devido processo legal) que representa, como já foi dito, o axioma de equilíbrio da jurisdição, o termômetro dos atos do estado, na tormentosa relação com o indivíduo. Quando o julgador, agente do Estado suprime etapas desse corolário de ritos deixando de cumprir formalidades a ele inerentes, malsinando a regular formulação do processo, ter-se-á, então, quadra medieval pungindo a norma constitucional.
Com efeito, pode se dar violação literal da norma infraconstitucional, como normas ou procedimentos do Código de Processo Civil, ou normas de direito civil. Temos, por exemplo, a hipótese clássica de subjugação das normas do artigo 319 do CPC, que estabelece: Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor. Conquanto a veracidade dos fatos e afirmações da parte seja relativa, o alicerce da veracidade do afirmado pelo Autor só sucumbe se dos autos emergir circunstância que lhe fulmine o conteúdo.
Disso decorre que, descartada a hipótese das circunstâncias a que se refere o artigo 320, isto é, se não houver pluralidade de réus; se não versar o litígio sobre direitos indisponíveis; e se não depender a petição inicial, de estar acompanhada de determinado documento público indispensável à prova do direito, a presunção de verdade dos fatos afirmados pelo autor só será suplantada por notória incongruência ou irrazoabilidade contidas na inicial. Do contrário, o juiz deverá proferir sentença favorável ao pedido, ou caso entenda não caracterizado o efeito da revelia, deverá dizê-lo e mandar o Autor especificar as provas que pretende produzir, em conformidade com o artigo 324 do CPC.
Logo, em não se observando esse procedimento, garantia do devido processo legal e da ampla defesa; nem sendo dados os motivos pelos quais está sendo suprimida essa fase do processo, ditada pelo Código, ter-se-á então, literal violação da lei, fazendo emergir pressupostos da ação rescisória.
Exemplo igualmente de literal violação, como já referido acima, dar-se-á quando não é cumprida a regra do artigo 324 do CPC a dizer: “Se o réu não contestar a ação, o juiz, verificando que não ocorreu o efeito da revelia, mandará que o autor especifique as provas que pretende produzir na audiência”. Como se vê, a norma é cogente, isto é, diz que o juiz mandará, e não que poderá mandar. Logo, não pode deixar de fazê-lo.
Como salientado alhures, essa regra constitui garantia do direito de defesa e a celebração do devido processo legal. O mero propósito de celeridade da prestação jurisdicional não pode justificar a violação de direito da parte com supressão de regras processuais que são garantias do processo.
Saliente-se, ademais, que no julgamento antecipado da lide, diz o artigo 330 do CPC, que o Juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença: I quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produção de prova em audiência.
Pois bem. Qual é a intenção da lei? Certamente é que haja a plena obediência às regras do devido processo legal, e por isso o juiz deverá observar o seguinte procedimento:
I se a inicial foi acolhida e o processo se instalou; a questão de mérito é unicamente de direito, sem outra indagação, proferirá o julgamento;
II a questão é de direito e de fato, a petição está devidamente instruída isto é, a prova dos autos é bastante, então, proceder-se-á a antecipação de julgamento proferindo sentença;
III a questão de mérito é de direito e de fato, a prova que instrui a inicial não é bastante para se julgar procedente o pedido. Logo, devidamente requerida pelo autor, impõe-se a necessidade da produção de prova em audiência, por isso o juiz deve fixar prazo determinando à parte que especifique a prova que efetivamente pretende produzir e designará audiência de instrução e julgamento, a esse fim.
Ora, se não for seguido este ritual de garantia do franco e regular acesso à justiça, observando-se o devido processo legal, haverá violação da lei infraconstitucional e, consequentemente, por reflexo à Constituição, pois o devido processo é garantia constitucional.
VI sentença que se fundar em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal, ou seja, a prova sobre a qual se baseou a sentença foi declarada nula em processo criminal;
Bem. Aqui não há mistério, a prova produzida pela parte contrária na ação de que originou a sentença favorável a seu pedido, teve sua falsidade reconhecida em processo criminal, logo, a sentença que se fundou nessa prova e transitou em julgado, nessa condição, não tem eficácia ou validade e pode ser desconstituída pela ação rescisória.
VII se, depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pode fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;
Também não há dificuldade, se depois da sentença que transitou em julgado, o autor descobre um documento novo, ou um documento de que não pode fazer uso na ação em que foi proferida a sentença que pretende rescindir, documento que, por si só, seria suficiente para garantir-lhe a procedência do pedido naquela ação. Tal documento constitui, então, pressuposto à ação rescisória da sentença.
VIII se houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação em que se baseou a sentença;
Aqui, ter-se-ão três hipóteses que podem invalidar a sentença e autorizar sua rescisão: a) confissão com fins escusos, sem poderes ou mediante coação, por exemplo; b) transação feita por alguém impedido, ou sem poderes ou que age de má fé; b) desistência feita por quem não tem poderes, ou por indução a erro, ma fé, etc.
IX sentença fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa;
Nesse caso teríamos uma sentença fundada em um fato inexistente, ou que considerou inexistente um fato existente e sobre o qual não havia controvérsia nem pronunciamento judicial.
O Jurista, Pontes de Miranda disse: “A sentença é emitida como prestação do Estado, em virtude da obrigação assumida na relação jurídica processual quando as partes exercem a pretensão à tutela jurídica. E mais: “O processo é todo encadeado para se chegar ao seu fim, que é a sentença, com a eficácia, que lhe advenha da natureza da ação e das circunstâncias do processo”. Não é o juiz que lhe confere eficácia, segundo quer, é o direito processual, direito como conceito sociológico a que o juiz se subordina, pelo fato mesmo de ser instrumento da sua realização. Esse é o verdadeiro conteúdo do juramento do juiz quando promete respeitar e assegurar a lei. (Comentários ao Cod. de Proc. Civil, tomo V pg. 395 e 398/ tomo VI pg. 290, e. Forense 2ª Ed.)”.
Pois bem.
Malgrado o fato de se fazer restrições à ação rescisória, que se diz em nome da segurança jurídica, a bem dizer, não se pode olvidar que segurança jurídica se compreende no contexto da prática da justiça, mediante a garantia do reconhecimento do direito amparado no regular processo legal, com resolução lícita, eficiente e eficaz, como dever do Estado. Não há falar-se em segurança jurídica malsinando o direito em sentença obscura que não deve subsistir no mundo jurídico.
A bem dizer, o direito de impugnar sentença combalida e transitada em julgado, é garantido nos diversos países em que vige a ordem jurídica, variando, contudo, o prazo decadencial, que pode ir de alguns meses a cinco anos e, às vezes, a denominação também varia: Na Alemanha, Áustria e Espanha, por exemplo, é ação rescisória; na frança e Portugal é denominada revisão e na Itália a revocazione, mas, com o mesmo objeto.
No Brasil, o direito de propor a ação rescisória era previsto no Código Civil de 1916, com prazo prescricional de (5) cinco anos, artigo 178 § 10, inciso VIII. Trasladado o direito à ação rescisória para o Código de Processo Civil de 1973, teve o prazo transformado em decadência e reduzido a dois anos do trânsito em julgado da sentença, artigo 485;
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é reiterada no tocante a julgamento antecipado da lide dizendo que se a parte protestou pela produção de prova e não se lhe permitiu produzir, e o pedido é julgado improcedente, dá-se violação ao direito de defesa.
Combatida pelos conservadores e incautos a ação rescisória se constitui, na minha concepção, em salvaguarda fundamental de possibilidade de redenção do direito malsinado por sentença equivocada e pode ser a superação dos percalços de uma prestação jurisdicional mal conduzida. Não é por acaso que o instituto está sendo preservado com o acréscimo de algumas outras hipóteses circunstanciais que podem deixar a sentença vulnerável ou ineficaz.
O novo Cód. de Processo Civil aprovado no Senado e em votação na Câmara dos deputados mantém o direito à ação rescisória, reduzindo apenas o prazo decadencial para um ano, artigo 978, mas, acrescentando três circunstâncias que autorizarão também a ação rescisória, quais sejam:
a) será rescindível a decisão transitada em julgado que, embora não sendo de mérito, não permita ou impeça o reexame de mérito;
b) a ação rescisória pode ser objeto apenas de um capítulo da decisão;
c) é rescindível a decisão proferida em procedimento de jurisdição voluntária;
Com efeito, conclui-se que a ação rescisória é uma garantia da tutela jurisdicional definitiva devida pelo Estado, com eficácia e consumação da justiça em sua verdadeira e virtuosa concepção. É a última fronteira de redenção do direito malsinado por decisão inconsequente, que se põe a imolar mundo jurídico e os fins da justiça.
Contudo, convém ressalvar que, malgrado sua relevância, não se pode imaginar ação rescisória como uma espécie de substituta de recurso, conquanto o trânsito em julgado da sentença.
*Eliseu Fernandes – advogado, sócio da banca Fernandes Yassaka e Garcia, Desembargador aposentado – membro da 1ª Câmara Especial do Tribunal de Justiça/RO.*