Permito-me, com a devida vênia e para situar adequadamente o raciocínio, recorrer ao “futebolês” – língua pátria que lamentavelmente a população entende melhor do que a flor do Lácio, inculta e bela, mas desconhecida e obscura, como advertia Bilac. Vamos lá: o tempo está correndo e o governo Temer joga contra o relógio. Seus jogadores perdem sistematicamente o tempo da bola. A equipe até que chuta (e como chuta), mas quase sempre para fora, apesar das reiteradas recomendações do técnico, interino até dia desses. Agora ele corre contra o prejuízo, no desespero para virar o jogo. Mas exatamente aí é que mora o perigo: os avanços mal orientados determinam frequentes improvisos e recuos, além de ensejar inclusive a substituição de jogadores, comprometendo a credibilidade do técnico.
O trecho mostra bem a preocupante realidade política brasileira, na qual o açodamento tem claramente substituído o bom senso na tomada de decisões. O Brasil tem uma demanda incalculável por ações governamentais, mas o governo e sua equipe precisam se encontrar nesse cenário desfavorável e assumir que nem tudo se pode realizar em um curto espaço de tempo. O que o bom senso recomenda é a manutenção do “feijão com arroz” – de novo o futebol – e realizar com segurança o que é possível, sem atropelos ou recuos, mas com a consolidação de cada passo dado no caminho certo.
Exemplo de açodamento foi a MP do currículo escolar do ensino médio. Há um ponto de convergência: a vergonhosa situação do ensino/aprendizado brasileiro. Mas Medida Provisória está longe de ser a milagrosa bala de prata capaz de erradicar os males com um só tiro. Projetos estruturantes, como a reforma do ensino, não podem ser tratados por medidas provisórias, uma vez que necessitam de amplo e democrático debate antes de sua adoção, e recomendar ao Conselho Federal o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade contra a proposta de reforma do sistema educacional brasileiro apresentada pelo Governo Federal.
Esta é uma das questões abordadas pelo Colégio de Presidentes dos Conselhos Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, que se reuniu na última semana, em Maceió, e deliberou pelo lançamento da Carta de Maceió, que analisa alguns pontos considerados nevrálgicos do momento institucional e político nacional. O documento reitera a intransigente defesa da vedação do financiamento de campanhas por empresas, medida irreversível, nos termos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4.650. Já neste pleito fica evidente a contribuição da medida para a moralização do processo eleitoral e da vida política brasileira. É flagrante a redução dos casos de abuso de poder econômico.
O documento enfatiza a necessidade de combate à corrupção, sejam quais forem seus autores, e afirma que o respeito ao sistema constitucional é pressuposto essencial de toda ação do Estado. Nessa linha, aponta a necessidade de amplo debate sobre o Projeto de Lei n. 4.850, de 2016, em tramitação na Câmara dos Deputados, que institui inaceitáveis medidas, como, entre outras, a admissão da prova ilícita quando colhida de boa-fé e a restrição à utilização do habeas corpus, razão pela qual repudia as soluções de emergência e a adoção de fórmulas demagógicas como instrumentos de enfrentamento dos desmandos de agentes públicos.
A Carta vai além, ao repudiar a indevida intervenção de magistrados e membros do Ministério Público nos honorários pactuados entre advogados e seus clientes e afirmar que adotará as medidas necessárias para repelir os abusos e violações de prerrogativas e responsabilizar seus autores. E ressaltar a importância da valorização da advocacia como instrumento de defesa das prerrogativas e de aprimoramento das conquistas da cidadania brasileira. Da mesma forma, enfatiza que a defesa dos direitos humanos deve ter proeminência no conjunto de ações do Conselho Federal, das Seccionais e das Subseções da OAB, mormente no momento de crise que o País atravessa, com clara tentativa de redução de direitos sociais como instrumento de política econômica. E reitera, por fim, o compromisso com a defesa intransigente das prerrogativas profissionais e do Exame de Ordem como filtro necessário ao ingresso na profissão.