Tal como os instrumentos usados no século XIX para castigar os escravos e impedir suas fugas, as práticas de acorrentamento de presos, que foi abolida em todo mundo a centenas de anos, aqui em Rondônia são corriqueiramente usadas até hoje. As pesadas bolas de ferro, somente foram substituídas, por macas ou camas hospitalares, as quais são usadas da mesma forma, para subjugação, castigo e humilhação dos presos, inclusive em mulheres grávidas e parturientes.
As justificativas são sempre as mesmas: – Faltam agentes para fazer a custódia hospitalar – Faltam salas adequadas para receber o paciente apenado – Devemos garantir a segurança dos outros pacientes, da equipe médica, ou até da sociedade – O preso pode fugir e voltar a cometer crimes contra a população. Respaldados em argumentos como estes, lavam-se as mãos, buscando tornar os atos bárbaros de contenção do preso, em algo menos gravoso e até aceitável para boa parte da sociedade.
Alguns mais radicais, afirmam que o direito à saúde para o preso é um mero luxo, do qual não são merecedores. Todavia, a “Lei de Execução Penal” (Lei n° 7.210 de 11 de Julho de 1984, art. 11, inciso II), determina ser esse um direito do preso e um dever do Estado. O direito ao atendimento médico não pode ser considerado como um privilégio, mas como uma forma de prevenção contra o crime, e da garantia do retorno do preso à convivência em sociedade, garantindo o mínimo do direito à dignidade da pessoa humana.
Ainda neste viés, em respeito à dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais constantes no artigo 5°, da Constituição Federal, o próprio Supremo Tribunal Federal – STF decidiu pela edição da Súmula Vinculante n° 11; a qual declara que somente é lícito o uso das algemas “em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.
Consolida-se com esta decisão o artigo 474 do Código de Processo Penal, alterado pela Lei 11.689/08, o qual dispõe, em seu parágrafo 3º, que, “Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no Plenário do Júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes”. Bem como, da última alteração legislativa do mesmo diploma legal, feita pela Lei nº 13.434, de 12 de Abril de 2017, a qual acrescentou o Parágrafo Único ao artigo 292, vedando o uso de algemas em mulheres grávidas durante o parto e em mulheres durante a fase de puerpério imediato. Ainda neste sentido, a Resolução n° 03 do CNPCP, em seu artigo 1°, recomendar que não sejam utilizadas algemas ou outros meios de contenção em presos que sejam conduzidos ou permaneçam em unidades hospitalares. Em todos estes casos, se as recomendações são de não usar algemas, quanto mais o uso de correntes para contenção do preso!
Para o desrespeito à vida humana e às justificativas infundadas, a Lei n° 9.455/97, em seu artigo 1°, inciso II, define como tortura o ato de submeter alguém a intenso sofrimento físico, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo; confirmando a própria Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, promulgada pelo Decreto n° 40, de 15 de fevereiro de 1991, a qual define que “tortura é qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido, ou seja, suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência”.
A pergunta é, até quando vamos viver as práticas da “Idade das Trevas”, acorrentando e subjugando os princípios basilares dos Direitos Humanos? Até quando se desconsiderará conquistas de leis e tratados internacionais que aboliram as práticas de tortura, dos tratamentos desumanos e degradantes, práticas consideradas injustas e desumanas ao longo da história da humanidade? Conformar-se-ia com tais atrocidades, rasgando-se as legislações na prática, apáticos seria possível prosseguirmos com o título de Estado Democrático de Direito? Pelo que disse Vladimir Herzog: “Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos consideramos seres humanos civilizados”.
Esequiel Roque do Espírito Santo é presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OAB Rondônia