O trágico acidente ocorrido no final da noite de sábado na BR-364, sentido Rio Branco, proximidades de Mutum Paraná tirou precocemente de nosso convívio o juiz federal Herculano Martins Nacif, titular da 5ª vara Ambiental e Agrária de Porto Velho e Presidente da Turma Recursal da mesma Seção Judiciária. O capotamento que lhe tirou a vida deixa enlutada a advocacia rondoniense, especialmente aqueles que tiveram o privilégio de desfrutar de seu convívio. Mineiro, de Abre Campo, nascido em 15 de novembro de 1963.
Herculano Nacif bacharelou-se em direito pela faculdade de Sete Lagoas/MG em 1987, e exerceu a advocacia privada até 1998, quando ingressou, por concurso, na Defensoria Pública de Minas Gerais. Nela permaneceu até 2001, ano em que assumiu o cargo de Juiz Federal Substituto da 3ª Vara da Seção Judiciária do Pará, em Belém. Pós-graduado em Direito Público, ele publicou em 2010 o livro Eles, os advogados, vistos por um Juiz, um contraponto ao clássico “Eles, os juízes, vistos por um advogado”, do advogado italiano Piero Calamandrei, que soube, como ninguém, explorar a alma do Judiciário.
Um verdadeiro testemunho à importância do advogado na operacionalização da Justiça, o livro de Nacif é um legado que nos deixa plenos de orgulho por integrar a categoria. Nas palavras do próprio autor o trabalho destaca a importância histórica dos advogados e sua relevância social na garantia do acesso à Justiça, com destaque para a criação e a história de lutas da OAB. Também comenta a indispensabilidade do advogado e demonstra as razões pelas quais, ao contrário de Calamandrei, entende que o advogado deve ser pródigo na utilização da palavra, seu maior instrumento de trabalho.
Obra de referência, que deve ilustrar toda biblioteca jurídica do país, o livro revela experiências pessoais e episódios envolvendo advogados que conheceu. Passa também por considerações sobre as prerrogativas da profissão e os deveres éticos dos advogados, salientando a importância da mulher advogada e do jovem advogado. Ressalta as dificuldades enfrentadas pelos advogados, em uma verdadeira autocrítica ao Poder Judiciário e se empenha em desmistificar os equivocados conceitos negativos, que parte da sociedade possui sobre os advogados.
“O livro revela o testemunho pessoal de um magistrado, como uma singela contribuição para a valorização da advocacia e sentir-me-ia muito honrado se os advogados presenteassem seus clientes com um exemplar desta obra, como uma forma de proliferar a desmistificação da figura do nobre profissional perante a sociedade. Em suma, na minha compreensão, o advogado deve, sim, ser pródigo na utilização de seu maior instrumento de trabalho, que é a palavra, seja falada ou escrita. Muitos de nós, juízes, é que precisamos descer do nosso pedestal e mudar, tendo a humildade para apreender e reconhecer as lições de direito que, não raras vezes, os advogados nos dão através de seus arrazoados, sejam abreviados ou longos” – escreveu ele, para concluir:.
– É preciso que a sociedade saiba que a enorme maioria das centenas de milhares de advogados é composta de homens e mulheres honestos, competentes, sérios e que se dedicam com afinco e zelo profissional à defesa dos interesses jurídicos de seus clientes, sendo intransigentes e apaixonados pelas causas que abraçam como se suas fossem. Na minha visão, os advogados, escudados pelas inarredáveis prerrogativas de suas funções e disciplinados por um rígido conjunto de normas ético-profissionais, estão habilitados a enfrentar o grande desafio que a historia sempre lhes reservou, qual seja o de corporificarem a missão de pacificadores sociais e de compor o grande círculo dos guardiões da democracia, da cidadania, da probidade administrativa, da ética na política, dos direitos humanos, enfim, da dignidade da pessoa humana, tudo com vistas ao alcance da tão almejada paz social.
Não apenas pelo que escreveu, mas por sua atuação como magistrado e cidadão, Herculano Martins Nacif sintetizava, como dissemos na nota de pesar distribuída pela OAB Rondônia, o modelo do bom magistrado. De conduta reta, ética e humilde, externava em sua atuação um profundo amor ao ser humano e ao justo. Como magistrado federal ele subscreveu a decisão que foi precursora em Rondônia para o respeito ao art. 7, inc. V, do Estatuto da OAB, que determina a prisão domiciliar quando ausente a sala de Estado Maior, ainda em 2013. A OAB-RO retribuiu a esse precioso amigo um elogio formalmente aprovado por aclamação pelo Conselho Seccional, em 2014, com registro em sua pasta funcional no Egrégio Tribunal Regional da 1 Região. Por tudo isso lamentamos profundamente esta perda irreparável, na certeza de que seu modelo haverá de personificar, como exemplo, a conduta de todo o judiciário brasileiro, especialmente no respeito à constituição, às leis, ao estado democrático de direito e fundamentalmente ao ser humano, objeto afinal de nossa própria existência profissional.