É para comemorar? Claro que sim! Mas ainda não é definitiva a vitória da advocacia nacional em uma questão que simplesmente não teria razão de existir se a constituição e leis fossem respeitadas justamente por aqueles aos quais cabe sua aplicação. A ministra Carmem Lúcia, presidente no Conselho Nacional de Justiça apresentou a proposta e o plenário atendeu ao requerimento da OAB para anular o julgamento do Procedimento de Controle Administrativo 0005105-94.2014.2.00.0000. Nele, a OAB do Maranhão questiona ato do Tribunal de Justiça, que restringe o acesso dos advogados às Coordenadorias Cíveis e Criminais, ao Plenário do Tribunal e às secretarias das varas. A publicação do acórdão anunciou como unânime o resultado, em clara distorção da realidade, já que não foi atendido o destaque apresentado por um dos conselheiros, o que o retiraria de julgamento para posterior debate e votação. Mas a inquietante realidade é o apoio a esse claro “ativismo” judicial pela quase totalidade dos conselheiros, que desprezam o que diz a lei em benefício do que imaginam que deveria dizer.
É elucidativa a avaliação do professor Lenio Luiz Streck, para quem “o Direito, na verdade, foi substituído por uma teoria política do poder” segundo a qual o privilégio cognitivo do juiz vale mais do que as garantias processuais e toda a teoria da prova que já foi escrita até hoje. “Depois do segundo pós-guerra – explica ele – aprendemos que a democracia só se faz pelo Direito e com o Direito. E o Direito vale mais que a moral. E, se for necessário, vale mais do que a política. Sim, quem não entender isso deve fazer qualquer coisa — como Sociologia, Ciência Política, Filosofia, religião, moral etc. —, menos praticar ou estudar Direito. Meus 28 anos de Ministério Público e quase 40 de magistério mostraram-me que, por mais que um discurso moral, político ou econômico seja tentador, ele deve pedágio ao Direito”. A verdade é que, com assustadora freqüência, alguns membros da magistratura se dedicam mais a exercícios lucubratórios para interpretar as leis ao sabor de suas, conveniências ou contaminação auricular pela chamada “voz rouca das ruas” do que a fazer o judiciário funcionar.
Para tanto basta uma certa dosagem de humildade como, por exemplo, seguir o que está claramente explicitado na constituição. O que se observa hoje são autoridades que se deixam conduzir antes pelo que lhes vai na cabeça do que pelo que estabelecem a constituição e as leis.
Não se pode admitir a interpretação da lei conforme a predileção pessoal do julgador. E já está desgastado, por uso abusivo, o recurso ao bordão “querem acabar com a Lava Jato”. Não é a operação que está sob ameaça. É a segurança jurídica do país. É o próprio estado democrático de direito. A própria democracia. O que teriam em comum os manifestantes de Bajé, que impediram a passagem da tal “caravana” de Lula e os militantes do MST, que bloquearam uma fábrica da Riachuelo, em Natal? Seriam todos eles culpados? Ou antes disso, seriam igualmente vítimas ignorantes conduzidas como manadas por oportunistas políticos que vicejam em todos os setores da vida nacional, adubados pela omissão ou imobilismo cúmplice, ou, ainda, “interpretacionismo” dos responsáveis por fazer cumprir a lei?
Em brilhante artigo, produzido, como de hábito, com cuidadoso rigor científico, o diretor-tesoureiro da OAB Nacional, Antônio Oneildo Ferreira, analisa o que intitulou de “Três faces do autoritarismo: estado policial, direito penal do inimigo e lawfare”, e explica detalhadamente tudo o que foi dito aqui. Ele lembra que “O Estado democrático de direito não é uma conquista definitiva. Seus algozes estão sempre à espreita para fazer uso do autoritarismo, tão logo as bases da democracia pareçam insuficientes para dar respostas imediatas às crises em efusão. Esse cenário é evidente no Brasil, quando, a todo abalo na estabilidade política, econômica e institucional, sucede um clamor por soluções autoritárias. Não raro, ouvimos exasperadas reivindicações por intervenção militar entre os setores mais desiludidos (e conservadores) da sociedade. Segmentos oportunistas da mídia, das instituições públicas e das lideranças políticas prontamente engrossam o coro dantesco do autoritarismo. O punitivismo é vendido como subproduto para acalentar o desejo de entretenimento das massas numa sociedade do espetáculo. Com freqüência, nesse caminho são esfacelados os mais elementares princípios que fundamentam uma convivência social justa, pacífica e igualitária”.