O governo federal tem apostado todas as fichas e poder de convencimento junto à precariedade de sua bancada de apoio parlamentar, que vem se equilibrando graças a mimos e agrados os mais diversos para aprovar o que considera ser a mãe de todas as reformas da atual gestão, a da Previdência. O presidente da república e cada um de seus ministros entoam em coro afinado o bordão: “Ou o país reforma a Previdência ou quebra junto com ela”. Estão enganados. A começar por uma realidade incontrastável: o que conduz o país à quebradeira generalizada é, antes, a imprevidência dos governantes, os favorecimentos, o conluio, os privilégios, a incompetência, deliberada ou não, e a corrupção generalizada. A Previdência é apenas o elo fraco dessa corrente, porque destinada à parte frágil da população, e desviada de seus fins constitucionais para – como em todos os demais setores da administração pública – favorecer o enriquecimento fácil de uma casta, enquanto a vergasta sibila lanhos nos costados dos mais humildes. A própria previdência concentra, nos pagamentos milionários a perto de um milhão de servidores públicos civis e militares, mais recursos que os destinados aos demais 25 milhões de aposentados do setor privado.
É um retrato do Brasil, pois não? De um país que se acostumou a entender o provisório como definitivo, como as “contribuições provisórias”, enquanto o que era para ser definitivo, como as cláusulas pétreas da constituição da república, não resiste à transitoriedade das soluções fáceis. Qualquer ato de rebeldia, qualquer contestação é rebatida não com argumentos, mas com ameaças: “O sistema está quebrado”, ou “Daqui a poucos anos o governo não vai conseguir pagar”, ou “A população está envelhecendo”, ou ainda, mais grave, “É isso ou o aumento de impostos”. Essa última, então, é uma desbaratada falácia. O governo sabe que não pode aumentar a carga tributária: a capacidade de pagamento está exaurida e um novo imposto, antes de ampliar a arrecadação, vai aumentar exponencialmente a sonegação, a quebradeira de empresas e o desemprego. Além de provocar profunda reação do eleitorado, a única punição que a classe política realmente teme. A OAB nacional não é preliminarmente contra a reforma da Previdência. A manifestação que a Ordem e mais 160 entidades estão convocando para esta terça-feira, dia 14 é por uma Reforma da Previdência justa.
Será entregue aos parlamentares no congresso a “Carta Aberta sobre a Reforma da Previdência”, texto elaborado pelas instituições, na defesa de um debate aberto com a sociedade sobre a reforma. Para que não sejam admitidos retrocessos na proposta governamental. É preciso que a proposta da PEC 287/2016 seja discutida democraticamente com a sociedade, para análise de estudos econômicos, atuariais e demográficos completos, a fim de que se dê a devida transparência aos dados da Seguridade Social. O presidente nacional da OAB, Cláudio Lamachia, convoca a advocacia brasileira para um debate amplo com todos os setores envolvidos, em busca de uma proposta justa para a Reforma da Previdência. É preciso deixar demonstrado que é tecnicamente possível realizar a reforma sem os inaceitáveis retrocessos sociais. Sem penalizar exclusivamente os mais fracos. Ele considera que a proposta governamental envolve novos limites e um tempo de contribuição incompatível, que irá obrigar as pessoas a contribuir ao longo de toda uma vida sem conseguir chegar à tão sonhada aposentadoria.
A “Carta Aberta sobre a Reforma da Previdência” elaborada pela a OAB e 160 entidades, considera que o texto da PEC está fundamentado em premissas equivocadas e contem uma série de abusos contra os direitos sociais. Ela tem sido apresentada pelo governo sob discurso de catástrofe financeira e “déficit”, que não existem. Evidencia-se aí grave descumprimento aos artigos 194 e 195 da Constituição Federal, que insere a Previdência no sistema de Seguridade Social, juntamente com as áreas da Saúde e Assistência Social, sistema que tem sido, ao longo dos anos, altamente superavitário em dezenas de bilhões de reais. O governo tem desviado anualmente considerável parcela desses recursos, principalmente para pagamento de juros da dívida pública jamais auditada, como manda a Constituição, através da DRU (Desvinculação de Receitas da União), majorada para 30% em 2016. É preciso que o Governo Federal divulgue com ampla transparência as receitas da Seguridade Social, computando todas as fontes de financiamento previstas no artigo 195 da Constituição Federal. E demonstre ainda o impacto anual da DRU, as renúncias fiscais que têm sido concedidas, a desoneração da folha de salários e os créditos tributários previdenciários que não estão sendo cobrados.