A corrupção é uma chaga que drena os recursos públicos que poderiam ser investidos na garantia dos direitos fundamentais. Os valores apropriados por gestores públicos e empresários subtraem verbas destinadas à saúde, à educação e aos serviços públicos essenciais. A corrupção é a negação da República. A endêmica apropriação privada dos recursos públicos, em todos os níveis de governo, é um obstáculo ao pleno desenvolvimento do Brasil como Nação moderna. A apropriação ilícita de bens e valores públicos subsiste em nosso tempo sob a forma de fraudes em processos licitatórios e outros graves desvios em procedimentos administrativos.
Não se pode, porém, valer-se da inquietação e o inconformismo popular claramente manifestado nas ruas de forma ordeira e absolutamente deliberada por todo o território nacional – sem oferecimento de transporte gratuito ou outros “pixulecos” – para deixar-se seduzir pelo oportunismo comprometedor e avocar exclusivamente para si a primazia, preeminência e exclusividade no combate à corrupção. E, claro, auferir ganhos adicionais no fortalecimento para cada instituição que vem a público apresentar suas propostas. O combate à corrupção é dever de todos: povo, governo e instituições.
A OAB aplaude – e se coloca à disposição para colaborar, com todas as suas forças, o que não é pouca coisa – todas as iniciativas voltadas para o combate sistemático a esta praga que se infiltra em quase absolutamente todos os setores da vida nacional e amesquinha, deprecia e apequena nossa história. Desde que estritamente dentro daquilo que representa nossa maior arma nesse combate: a constituição, as leis, os princípios éticos e o estado democrático de direito. Nenhum órgão poderá, isoladamente, solucionar o problema, por mais que sejam bem sucedidas as tentações totalitárias claramente embutidas nas propostas apresentadas à população.
O parágrafo que abre estas considerações está também na abertura do Manifesto à Sociedade Brasileira, aprovado por unanimidade pelo Plenário do Conselho Federal da OAB a partir de proposta da Diretoria Nacional da Entidade em 02 de dezembro de 2014. O documento, que foi apresentado à Presidência da República, ao Congresso e todas as instituições e entidades do país, deixa claro que “não cabe à OAB pedir a condenação ou a absolvição de acusados, nem comentar casos submetidos à apreciação judicial. Mas, tem o dever institucional de declarar que o povo brasileiro exige a investigação minuciosa de todos os fatos, bem como a responsabilização civil, administrativa e criminal dos autores dos delitos apurados”.
Mas alerta que o propósito de investigar profundamente não pode implicar a violação dos princípios básicos do Estado de Direito. É inadmissível que prisões provisórias se justifiquem para forçar a confissão de acusados. O combate à corrupção não legitima o atentado à liberdade. No Estado Democrático de Direito, em cujo cerne encontra-se o princípio da dignidade da pessoa humana, outra não pode ser a orientação. “A OAB defende o cumprimento da Constituição da República por todos os brasileiros, independentemente de condição social ou econômica. Os postulados do devido processo legal, do direito de defesa e da presunção de inocência são valores que devem nortear a convivência civilizada em uma sociedade democrática, com a proteção do ser humano contra o uso arbitrário do poder”.
De uma forma ou de outra, as propostas contidas nos documentos distribuídos pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal são convergentes em muitos pontos com o manifesto produzido pela advocacia nacional. Mas conflitam e divergem apenas quando se identifica a perspectiva de buscar o totalitarismo para combater a corrupção, pelo risco da medicação condenar o paciente. Além da profunda investigação dos fatos ilícitos, temos que enfrentar a tarefa de por fim aos estímulos sistêmicos à prática da corrupção, e o financiamento empresarial de campanhas eleitorais é o incentivo principal. Já vitoriosa em número de votos, a ADI apresentada pela OAB no Supremo permanece parada por um pedido de vistas. A conclusão do julgamento já seria um bom começo.