O compromisso com a seriedade, com o respeito à sociedade, com o fortalecimento do estado de direito, com a constituição e as leis, coisa tão em falta nesses tempos estranhos que vivemos – de acordo com o desabafo do ministro Marco Aurélio Mello, do STF – será seguramente revigorado pela OAB nacional na XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira. A escolha do nome de Raymundo Faoro, homenageado pela Ordem como patrono nacional do encontro, personifica literalmente a conjuminância de tais princípios. Aprovada por unanimidade pelo Conselho Pleno da OAB. a escolha do ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, falecido em 2003, não poderia ser mais adequada e oportuna: uma personalidade icônica, cuja imagem simboliza e ilustra sempre cada um dos integrantes dessa histórica e reconhecida congregação de princípios chamada OAB.
“A vida e a luta de Faoro são permanente fonte de inspiração no atual momento do país”, sintetiza o presidente nacional Cláudio Lamachia, para acrescentar que “Raymundo Faoro dedicou sua vida e sua carreira a promover a cidadania e a fortalecer a sociedade. Seus estudos sobre a condição brasileira, registrados em obras-primas como ‘Os Donos do Poder’, mostram a profundidade de seu conhecimento e o alcance de suas ações. Foi um presidente brilhante da OAB e agora ficará, mais uma vez, eternizado com esta homenagem que a advocacia presta ao seu legado”. A XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira será realizada entre os dias 27 e 30 de novembro de 2017, na cidade de São Paulo. O tema deste ano é “Em defesa dos direitos fundamentais: pilares da democracia, conquistas da cidadania”. A Conferência, realizada em parceria entre o Conselho Federal da OAB e a Seccional de São Paulo, vai ocupar o Pavilhão de Exposições Anhembi, em área de 60 mil metros quadrados.
Raimundo Faoro presidiu o Conselho Federal da OAB entre 1977 e 1979. Sua gestão foi marcada pela atuação em favor da abertura política do regime militar, que governava o país desde 1964, pelo fim dos Atos Institucionais e pela anistia. Faoro foi o grande interlocutor da sociedade civil com o governo Geisel em defesa da restauração do habeas corpus no episódio conhecido como “Missão Portela”. Também partiu de sua gestão frente à OAB a primeira grande denúncia circunstanciada contra tortura de presos políticos. Foi sob sua liderança que a OAB aprovou a histórica Declaração de Curitiba – manifesto de repúdio da advocacia contra o estado de exceção e pela revogação dos Atos Institucionais – assinada ao final da VII Conferência Nacional da OAB, em 1978. Nesse evento, Raymundo Faoro recebeu, do senador Petrônio Portela e do ministro Rafael Mayer, comunicado do general Ernesto Geisel que confirmava sua intenção de decretar a Lei de Anistia, como pedia a OAB.
A gestão de Faoro também atuou em outras importantes frentes, como na revogação da Lei de Segurança Nacional, a restauração do habeas corpus, das garantias plenas da magistratura, do respeito aos direitos humanos e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, precedida da abolição do AI-5. Com a aprovação da Lei de Anistia e a gradativa retomada das liberdades políticas, a casa de Faoro no Rio tornou-se lugar de encontro de políticos, juristas e intelectuais pela convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Vale lembrar que a semente da redemocratização do país encontrou solo fértil na chamada “abertura política”, inaugurada no governo Geisel, que recebeu forte impulso na atuação da OAB presidida por Faoro. E a decretação da anistia foi um dos primeiros frutos de um exaustivo trabalho muito bem articulado para superar a resistência de uma barreira antes considerada intransponível: a conhecida “linha dura”, cujo maior expoente era o então ministro do Exército, general Sylvio Frota, para quem era comunista todo aquele que não comungasse com seu pensamento.
Gaúcho de Vacaria, Raimundo Faoro, além de jurista, foi um dos mais importantes cientistas sociais brasileiros, autor de ensaios de direito e ciências humanas. Além de “Os Donos do Poder” – um dos mais importantes ensaios brasileiros – , Faoro publicou outro clássico: “A Pirâmide e o Trapézio”, no qual desvenda o pensamento de Machado de Assis como um autor indispensável para a análise do contexto político-social brasileiro durante a transição entre o Império e a República. Na luta pela redemocratização ele esteve sempre no olho do furacão, como presidente da OAB. Os fatos precipitaram os futuros desdobramentos do processo de abertura adotado por Geisel. O mais importante deles foi, claro, a exoneração do ministro do Exército, Sylvio Frota, candidato à presidência na sucessão de Geisel, após a morte de Manoel Fiel Filho nos porões da tortura em São Paulo, três meses após o assassinato do jornalista Vladmir Herzog. Depois disso abriram-se os caminhos para o avanço da democracia, em cuja defesa nos reunimos nacionalmente agora, na XXIII Conferência Nacional da Advocacia.