Muito se falou esta semana sobre o 27º aniversário da promulgação da Constituição, transcorrido no dia 5. Mas ainda parece pouco, quando percebemos tentativas de subvertê-la partidas de autoridades governamentais na direção do Supremo, justamente o responsável por sua defesa, conforme estabelece o artigo 102 da própria Carta Magna: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe…”O que o governo está tentando fazer ao buscar o envolvimento do STF na atual crise política é uma tentativa de fazer justamente o que Karl Loewnstein classificou de “erosão da consciência constitucional” para resguardar no texto justamente aquilo que lhe interessa.
Já salientei que o grande compromisso da OAB está em resguardar o cumprimento da Constituição pelos gestores públicos. Bem como agir sempre em favor da sociedade, especialmente em casos como esse, que abalam a nossa democracia. E tão ou mais importante quanto a existência física da Constituição é a própria consciência constitucional, que deve ser sempre mais disseminada na população. A Constituição de 1988 teve o inegável mérito de contribuir com a estabilidade democrática e institucional do Brasil.
Além disso, foi responsável por fornecer uma sólida base para ampliação do acesso aos direitos mais básicos, tanto direitos de liberdade, como direitos sociais. Muitos hoje não conseguem perceber a dimensão dessas conquistas. Para quem nasceu ou cresceu nos últimos 27 anos, estabilidade institucional e direitos fundamentais fazem parte do cotidiano. No entanto, a história brasileira foi sempre bem diferente. Esse saldo positivo precisa ser destacado, conforme defende o professor Virgílio Afonso da Silva, titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da USP.
Isso não significa que não possamos deixar de sempre buscar seu aperfeiçoamento, especialmente em relação aos déficits de eficácia de nossa Constituição, com foco sempre voltado para o aprimoramento do estado democrático de direito. Temas como a reforma política estão sempre na pauta, segundo o professor. Mas há questões menos visíveis, que deveriam merecer mais atenção, como a criação de um sistema tributário mais justo (isto é, mais progressivo e redistributivo), ajustes no pacto federativo, o aperfeiçoamento do processo legislativo, dentre tantas outras.
Um artigo assinado pelo presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho assinala que a Constituição de 1988 responde a uma disputa entre passado e futuro. Por um lado, desafia um passado que se quer superar e lembrar, para que nunca mais se repita. Por outro, abre caminhos para o futuro que se quer construir, tendo a igualdade a liberdade e a segurança jurídica como valores fundamentais. Talvez a maior luta do passado tenha sido, segundo ele, pela liberdade, contra os arbítrios do poder e do autoritarismo. Hoje, nossa maior luta é pela igualdade e pela garantia de que, mesmo em momentos turbulentos, teremos a segurança própria do estado democrático de direito para nos aparar.
Marcos Vinicius assinala que a Constituição é o remédio para as crises, que haverão de ser sempre passageiras se atravessadas com estabilidade institucional e sem deturpação dos institutos republicanos. O contrário disso desandaria o país para o caos. A segurança jurídica, expressa em todas as entrelinhas da Carta, trabalha para que exista confiança no país e no cumprimento de contratos. E foi além, ao garantir tal segurança mesmo em situações extremas, como no impedimento de mandatários. Por um lado, a Carta determina que é preciso haver provas cabais de crimes para a retirada de eleitos. Por outro, criou todos os mecanismos para assegurar a continuidade da governabilidade e manutenção da democracia nestas eventuais situações. “Por isso”, conclui, “a cada dia 5 de outubro comemoramos não somente a redação da Carta Cidadã, mas de um projeto de nação que nos ofereceu estabilidade institucional e diretrizes para a união de esforços por um futuro virtuoso.”