Na mais inconcebível inversão da mão de direção na precária e deplorável via governamental pela qual trafega, trôpega, a economia nacional, o governo acaba de sancionar a elevação da já milionária verba destinada aos partidos políticos. Com isso, serão acrescentados à conta das representações partidárias, mesmo àquelas siglas de aluguel, que não conseguiram enviar um único deputado à Câmara, um acréscimo de R$ 587 milhões aos já absurdos R$ 289,5 milhões que lhes estavam destinados. O desarranjo político partidário foi tão escandaloso e drasticamente negativo que tanto o governo como os próprios partidos – beneficiários do milionário afago, correram a se explicar – este com promessa de contingenciar a dotação exagerada, aqueles com promessas de devolver o exagero. Daí a pergunta, nos versos de Vinicius de Moraes: “Se foi pra desfazer, porque é que fez?”
Valhacouto de oportunistas, resguardadas as exceções de praxe, as agremiações partidárias brasileiras têm se notabilizado pelo aproveitamento de falhas na legislação eleitoral em benefício próprio, o que explica o já histórico emparedamento de qualquer iniciativa destinadas a reformar aquilo que lhes é tão dadivoso. Reforma política? Nem pensar! Sobre o assunto, a diretoria da OAB nacional manifestou-se de forma crítica e contundente. Reclamou que “em um momento delicado no qual faltam recursos para investir em saúde, segurança e educação, é no mínimo estranho que sobrem verbas para triplicar a receita dos partidos. Mais uma vez, os representantes do Legislativo e do Executivo agem na contramão dos anseios da sociedade”.
A nota da OAB esclarece a posição da entidade e diz que a medida mostra-se absolutamente contraditória diante dos arrochos fiscais colocados em prática pela União e dos recentes aumentos que sacrificam toda a sociedade. Parece existir uma surdez generalizada com as vozes das ruas. Uma espécie de audição seletiva. A OAB defende, sim, o fortalecimento dos partidos políticos, desde que parametrado por uma reforma capaz de banir de vez a corrupção que neles se instalou com a fragilidade do sistema. É preciso acabar com as doações milionárias para campanhas idem. É preciso proibir coligações que invariavelmente transformam o horário de televisão em mercadoria a ser negociada. É preciso implantar o voto distrital, que coloca o eleito mais perto do eleitor e, portanto, mais fiscalizado e sujeito a cobranças. Isso, porém, não vai acontecer com o aumento do Fundo Partidário e a manutenção do investimento empresarial de campanhas.
Por isso a OAB ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.650, contra o financiamento eleitoral por empresas, ainda em julgamento pelo STF. Enquanto isso, a tão fundamental reforma política permanece paralisada, pois contraria o interesse pela manutenção do fisiologismo dos gabinetes, apesar de conduzir ao descrédito dos agentes políticos e bandeiras partidárias. “É fundamental atacar a raiz da corrupção: o sistema eleitoral” – diz a nota, para acrescentar que a crise de representação é confirmada em recente pesquisa Datafolha: 71% dos brasileiros dizem não ter preferência partidária. Na mesma linha, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o custo das campanhas aumentou de R$ 798 milhões, em 2002, para R$ 5,1 bilhões, em 2014.
A diretoria da Ordem lembra que foi lançada, no início de março, a Campanha de Combate à Corrupção, cujos principais pilares são o fim do investimento empresarial em candidatos e partidos e a urgente reforma política. A iniciativa visa ainda à regulamentação da Lei Anticorrupção; à criminalização do caixa 2 eleitoral; à aplicação da Lei da Ficha Limpa para todos os cargos públicos; ao cumprimento da Lei de Transparência; e à redução drástica dos cargos de livre nomeação, entre outros pontos. O momento é de união de esforços para encontrar soluções republicanas. É preciso passar o país a limpo e o modelo pode começar a ser construído exatamente aí. A sociedade clama por um sistema eleitoral que priorize ideias e propostas, e não que se curve ao capital para fazer do dinheiro sua única motivação.