É preciso insistir em uma verdade: não há a menor possibilidade de coexistência entre democracia e inconstitucionalidade. Não existe estado democrático de direito sem o fortalecimento das instituições e sem o absoluto respeito à constituição e às leis. Não me parece difícil a orientação das decisões pessoais ou institucionais com base nesses parâmetros bastante claros. Isso posto, não há porque alimentar uma crise que apenas se sustenta lastreada no corporativismo, no oportunismo, no desprezo pelo bom senso e pela racionalidade ou pela simples má fé, o que, mesmo encaiporada e plangente, por aqui abunda. Na condição de presidente da OAB/RO e membro do Colégio de Presidentes da OAB nacional fui um dos signatários da nota que lembra: “Há muitos anos a OAB luta para aprovar texto de lei que penaliza o desrespeito das prerrogativas descritas no artigo 7º da Lei nº 8.906/1994, como sempre lutou, nos seus 86 anos, para fortalecer a independência e as prerrogativas dos Magistrados e dos membros do Ministério Público”.
“Nessa linha – continua – sustentamos a necessidade de um amplo debate sobre a Lei de Abuso de Autoridade, ao tempo que afirmamos que a adoção de tipos abertos – situação que transfere ao juiz, segundo Hanz Welzel, a tarefa de interpretar elementos extras para tipificar cada conduta – é incompatível com qualquer norma penal”. Ou seja: não se pode criminalizar a interpretação do juiz, caso seja revista em esferas superiores. A nota também manifesta preocupação com os recentes acontecimentos que agravam a crise política do país já delas enfastiado. E conclama os Três Poderes da República e as principais instituições da sociedade civil a estabelecerem um amplo diálogo nacional, com serenidade e responsabilidade. A necessidade de constante aperfeiçoamento da democracia exige a preservação da confiança da população nas instituições e no legítimo, independente e harmônico funcionamento dos Poderes. O debate sobre as mudanças legislativas, que todo o Brasil acompanha, deve ser efetivado sem radicalização das entidades envolvidas. Especialmente porque a intensificação da crise terá reflexos diretos na penalização ainda maior da população.
Já disse, em artigo anterior, que a racionalidade e bom senso parecem qualificativos que há algum tempo não assinam ponto em Brasília. E que o debate já atingiu o limite suportável da precariedade lógica. É preciso corrigir posturas, desarmar espíritos e restaurar o entendimento, na certeza de que o confronto e a desídia somente conduzem ao caos e à tragédia. Têm sido reincidentes as decisões de afogadilho, sem a necessária avaliação de todos os possíveis resultados. Da mesma forma, declarações típicas do primado da paixão ou da fúria, absolutamente distantes de um mínimo de racionalidade, têm se repetido e repercutido com a velocidade da internet. É preciso parar isso, pelo bem do País. Nesse sentido há que ser louvada a iniciativa do presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, que se reuniu na terça-feira (6), com a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, para tratar de meios para a superação da crise institucional enfrentada pelo País.
“Precisamos encontrar novos mecanismo para fortalecer o Estado Democrático de Direito, a democracia e as instituições” – esclareceu. O presidente nacional da Ordem também concedeu entrevista ao Conjur para avaliar os resultados do trabalho realizado junto aos parlamentares na votação das dez medidas contra a corrupção. Ele lembrou que a OAB tem lutado ao longo da sua existência no combate à corrupção e à impunidade. E que a OAB saúda algumas das propostas formuladas pelo MPF, que foram inclusive apresentadas pela Ordem no passado. Outras são absolutamente inaceitáveis, por exemplo, a restrição no uso de Habeas Corpus. “Nós tivemos essa restrição na ditadura, e foi um ex-presidente da Ordem, o Raimundo Faoro, que fez a interlocução para restabelecer o uso do Habeas Corpus” – salientou, para acrescentar que felizmente as ponderações da OAB foram acatadas pelo relator.
“Tenho dito reiteradas vezes que o momento em que vivemos impõe uma reflexão muito profunda, por todos nós operadores do Direito, sejamos advogados, membros do Ministério Público ou magistrados. Na medida em que se tem qualquer ataque ao direito de defesa, nós temos um ataque ao Estado Democrático de Direito. A Ordem tem um histórico de lutas nos seus 86 anos de existência. Nesse período, ela combateu de forma direta a corrupção, a impunidade, apresentou propostas, trabalhou com ações no Supremo Tribunal Federal, sempre nessa linha. Mas sempre dentro dos termos da Constituição federal. Não se pode pretender combater o crime com outro crime, como o desrespeito a prerrogativas da profissão do advogado” – disse Lamachia, que registrou como importante avanço a criminalização do desrespeito às prerrogativas, aprovada no projeto.