Confira o artigo do presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, publicado na edição desta quinta-feira (11), no jornal Folha de S.Paulo:
O combate à corrupção, hoje questão central da vida institucional brasileira, só é eficiente e benéfico para a sociedade quando conduzido por meios legais. Do contrário, o próprio Estado se confunde com a criminalidade e incentiva o desrespeito à lei, ignorando séculos de avanço da ciência do direito e promovendo grande retrocesso civilizatório.
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), maior entidade civil do país, participa ativamente do combate à corrupção e ao crime do colarinho branco. Possui orgulho de ter proposto a Lei da Ficha Limpa e de ter defendido, no STF (Supremo Tribunal Federal), a proibição do investimento empresarial em partidos e candidatos.
Agora, a Ordem quer mais avanços democráticos. Está engajada no combate a organizações criminosas que tentem se apossar do Estado e na aprovação de uma lei que criminalize o caixa dois.
Nesta quinta, 11 de agosto, Dia da Advocacia, cabe à profissão que atua todos os dias para colocar em prática os valores democráticos, muitas vezes vistos apenas como abstratos, fazer um alerta: as garantias constitucionais impõem limites à ação do Estado para que autoridades não extrapolem seus poderes e persigam adversários políticos.
Provas obtidas por meio ilícito, método que o Ministério Público insiste em defender, ensejam truculência e ilegalidade, negando a própria essência da Justiça. Pior: o uso de meios ilegais transmite a ideia de que a lei é impotente e que a repressão aos desvios necessita de licenciosidade para ser eficaz.
Felizmente, a Justiça não é assim -caso fosse, seria criminosa. Não se pode combater o crime cometendo outro crime nem ignorando os limites da lei.
São recorrentes em nosso país confissões mediante tortura, testemunhas forjadas, intimidação, documentos falsos, gravações ocultas sem autorização judicial e provas plantadas. Considerar esses métodos razoáveis para alguns, mesmo que culpados, só cria precedente para os mesmos métodos serem usados contra cidadãos de bem.
Foi a compreensão dos erros do passado que motivou o constituinte de 1988 a condenar, de maneira inapelável, provas obtidas por meios ilícitos. Essa proibição está no artigo quinto, inciso 56, capítulo um dos direitos e deveres individuais e coletivos (uma cláusula pétrea, não pode ser modificada).
Trata-se de uma das maiores conquistas democráticas, obtida após décadas de luta contra regimes de exceção, civis e militares, que não se submeteram a limites na hora de perseguir cidadãos e impor como verdade os interesses dos poderosos.
É inadmissível não apenas prova ilícita mas também a tentativa de o Estado brasileiro revogar uma cláusula pétrea, gerando retrocesso à ordem jurídica. Validar prova ilícita, sob o argumento de que o agente que a produziu estava de “boa-fé” (mesmo que estivesse), é consagrar o autoritarismo.
Fosse uma ideia absurda como essa colocada em prática, haveria respaldo para qualquer agente estatal cometer ilegalidades no cumprimento da tarefa de combate à corrupção e em qualquer outra esfera de atuação.
Quando promulgou o AI-5 (Ato Institucional Nº 5), em 1968, o marechal-ditador Arthur da Costa e Silva “tranquilizou” o vice-presidente Pedro Aleixo dizendo que teria juízo ao utilizar tal instrumento. Ouviu do vice: “O que me preocupa não é o senhor, presidente, mas o guarda da esquina”. O tumor, quando se instala e não é combatido, produz metástases. A truculência de cima chega rápido ao guarda da esquina.
Corrupção é crime odioso, viola preceitos republicanos, lesa o cidadão em suas carências básicas, desviando recursos essenciais que deveriam ser aplicados em educação, segurança e saúde, sobretudo num país com tamanhas desigualdades sociais como o nosso.
O combate, entretanto, não pode ser contaminado pelos critérios e práticas do adversário, sob pena de não mais se poder distingui-los. Não há Justiça fora da lei, não importa a natureza do delito praticado.