Nós, advogados, temos acompanhado com muita expectativa a tramitação do projeto de lei que criminaliza a violação dos direitos do advogado e o exercício ilegal da advocacia. Trata-se de velha reivindicação nossa, que almeja resguardar a liberdade de exercício profissional contra obstáculos ilegais. São incontáveis os episódios de hostilização de advogados que justificam essa iniciativa, tais como a invasão de escritórios profissionais, a retenção de autos, a restrição do direito de defesa e o tratamento agressivo por parte de alguns agentes públicos.
Os direitos do advogado, antes previstos no artigo 89 da Lei 4.215/63 (antigo Estatuto da OAB) e atualmente consagrados no artigo 7º da Lei 8.906/94 (novo Estatuto da Advocacia e da OAB), nunca contaram com mecanismos próprios para a sua garantia, apesar do expresso reconhecimento em lei. Na maior parte dos casos, a violação dos direitos do advogado, ainda que evidente, permanece sem gerar grandes consequências práticas contra o violador. Os mecanismos repressivos com que a OAB conta para evitar a repetição de tais condutas ainda são majoritariamente simbólicos, como os desagravos públicos e as moções de repúdio.
Assim, o ponto de partida da OAB para a proposta da criminalização é, nada mais, nada menos, do que dar efetividade à lei. A ideia é simples: quando não há uma consequência negativa para o descumprimento, não há tampouco incentivos razoáveis para o cumprimento. Não queremos que nossos direitos, já reconhecidos de longa data, permaneçam sem o respaldo firme de medidas coercitivas. Em sua forma atual, infelizmente muitos dispositivos da Lei 8.906/94 continuam a figurar como promessas anêmicas – se respeitados os direitos, muito bem; se desrespeitados, sem problemas.
O primeiro passo para a concretização de nosso objetivo já foi dado, com a aprovação, em agosto deste ano, do PLS 141/2015 no Senado Federal, que inclui os artigos 43-A e 43-B na Lei 9.906/94, para criminalizar, respectivamente, a violação dos direitos do advogado e o exercício ilegal da profissão. Resta agora esperarmos uma tramitação rápida na Câmara dos Deputados, para que finalmente contemos com mecanismos fortes que evitem a reiteração de condutas hostis contra os advogados.
O PL 8347/2017, nova designação do projeto após a autuação na Câmara dos Deputados, está agora, para a felicidade de todos nós, em mãos muito competentes. O Deputado Wadih Damous, Relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, certamente presenciou muitos abusos cometidos contra advogados em sua longa carreira de 34 anos na advocacia. Isso sem contar a sua experiência por dois mandatos na Presidência da OAB/RJ, entidade que ele liderou com grande talento.
Geram-nos surpresa, portanto, algumas afirmações, após a aprovação no Senado, de que o projeto seria “intimidatório”. Afinal, não sentimos que a crítica tenha correspondência com o real teor do projeto de lei. Além das razões já expostas, posso formular alguns outros fundamentos para explicar por que, sem sombra de dúvida, criminalizar não é intimidar.
Em primeiro lugar, comecemos pela argumentação mais simples. A previsão de criminalização do exercício ilegal da profissão não gera grandes dúvidas quanto a sua licitude. Com a proposta do artigo 43-B, estamos simplesmente estendendo para a advocacia algo que já está previsto no Código Penal para outras profissões, como no caso da medicina e da odontologia.
Afinal, quando alguém se passa por advogado sem o ser, põe em risco a proteção adequada dos direitos do cidadão no tribunal, por mais que a causa do cliente seja justa e tenha sólidos fundamentos na lei e nos fatos. A aprovação no Exame de Ordem, condição prévia para o registro na OAB, já foi reconhecida nos tribunais como exigência adequada, por constituir requisito mínimo para assegurar a qualificação profissional dos bacharéis para o exercício profissional.
Em segundo lugar, as previsões incluídas no artigo 43-A tampouco são desproporcionais. Quando olhamos para a redação do projeto, vemos que as condutas ali tipificadas têm equivalência estrita com os direitos já previstos no Estatuto da Advocacia e da OAB e, mesmo assim, somente dizem respeito aos atos mais graves cometidos contra os direitos dos advogados. Apenas estão previstas como crimes as hipóteses de impedir o contato do advogado com o cliente, de negar o acesso aos autos, de determinar a prisão não-definitiva de advogado fora de Sala de Estado Maior, de evitar o acompanhamento da OAB quando ela tiver o direito de fazê-lo, de invadir o escritório profissional ou de romper o sigilo advocatício. Isso tudo sem falar que, na maior parte dos casos, o réu primário terá direito ao sursis (artigo 77 do Código Penal) ou à substituição por pena restritiva de direitos (artigo 44 do Código Penal), não cumprindo a pena restritiva de liberdade a não ser que pratique outras condutas perniciosas.
Tampouco parece desarrazoado o fato de a OAB, seja por suas Seccionais, seja pelo Conselho Federal, poder solicitar a investigação ou a instauração de ação penal ou ainda propor, subsidiariamente, a ação penal de iniciativa privada. O Sistema OAB está estruturado de tal maneira que as denúncias de violações dos direitos do advogado são apuradas criteriosamente nas Comissões e nas Procuradorias de Defesa das Prerrogativas. É com base no trabalho desses órgãos que as Seccionais e o Conselho Federal darão marcha às denúncias. Aliás, a legitimação da entidade de fiscalização profissional, e não do advogado individual, é medida relevante para evitar uma banalização das acusações, em nada se aproximando do caráter supostamente “intimidatório”.
Como espero ter explicado, o PLS 141/2015 (PL 8347/2017) não traz nenhum risco verdadeiro, mas somente assegura que possamos exercer nossa profissão de forma livre e desimpedida, sem obstáculos ilegais. No caso concreto, criminalizar não é, de forma alguma, intimidar; muito pelo contrário, criminalizar é proteger. E proteger a liberdade profissional da advocacia é proteger a liberdade de toda sociedade. Quando os advogados não têm condições de agir livremente em favor de seus representados, não é pleno o direito de defesa, e tampouco é íntegra a cidadania. As prerrogativas profissionais não são privilégios, antes são direitos de todos os cidadãos, condição para que o advogado exerça a cidadania em prol da sociedade.