Apesar da tramitação ter recebido classificação de “prioridade” (Art. 151, II, RICD), permanece à espera de designação de relator, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, o projeto do Senado que tipifica penalmente a violação das prerrogativas dos advogados. A proposta, já aprovada no Senado, ainda depende de avaliação daquela comissão para ser levada a plenário e, se aprovada, encaminhada para receber sanção presidencial. É, sem dúvida, instrumento fundamental, não para oferecer privilégios à advocacia, mas para assegurar ao cidadão o direito de acesso à justiça rigorosamente dentro do que estabelece a Constituição e o estado democrático de direito. Nunca é demais lembrar que o advogado é apenas titular dos direitos que defende. Não é destinatário das garantias asseguradas em lei, mas tão somente mero intermediário do cidadão que representa.
A criminalização da violação às prerrogativas é igualmente instrumento capaz de combater uma prática que tem se tornado até absurdamente rotineira no momento atual do conturbado cenário jurídico brasileiro. A pretexto de combater a corrupção tem-se buscado criminalizar o advogado para fragilizar a defesa. Seria então o combate a um crime capaz de justificar a prática de outro? Claro que não! Isso nada mais é que reflexo do quadro de verdadeira degradação moral que se instalou no país e transforma em vítima a população como um todo, conforme denunciou a OAB em nota assinada pelo presidente Cláudio Lamachia. Ele adverte que a sucessão de escândalos há três anos incorporou-se dramaticamente à rotina do país reflete a incapacidade dos órgãos de controle, que perderam, definitivamente, a capacidade de desempenhar, dentro da legalidade, a tarefa que lhes foi confiada pela sociedade.
“Trata-se de um escândalo dentro do escândalo”, diz a nota, para acrescentar que “O cidadão-contribuinte, que paga a conta de tais desmandos, não entende como quantias estratosféricas circularam no sistema bancário, com frequência e desenvoltura, sem que os órgãos incumbidos de monitorá-las tenham cumprindo esse dever elementar”. De fato, se os órgãos de fiscalização tivessem cumprido sua missão tais aberrações não teriam assumido proporções tais que conduziram o país à maior crise política, econômica e moral de sua história. E, como a testemunhar que efetivamente não sabem mais o que fazer, recorrem à criminalização do advogado como um desprezível recurso que mais evidencia a iniquidade de seu trabalho.
A nota da OAB lembra que “os mecanismos de controle existem e o correntista comum a eles se submete, obrigado a enfrentar, muitas vezes, excessivo rigor burocrático. O mesmo, porém – e os fatos o comprovam – não ocorre em relação aos criminosos de colarinho branco, como tem testemunhado a população brasileira, no curso das investigações da Lava Jato e tantas outras. Como explicar o trânsito de malas e malas com dinheiro vivo, na escala dos milhões, como as encontradas no apartamento do ex-ministro Geddel Vieira Lima? O saque bancário, afinal, além de determinado limite, exige esclarecimentos, que os titulares daquelas fortunas com certeza não prestaram. O país exige essa explicação”.
A insuspeita manifestação do juiz federal Ali Mazloum desnuda com clareza tudo aquilo que é preciso para reconduzir as investigações a um padrão admissível dentro da legalidade: “De toda essa lama que se espalha, três pontos ficaram bastante claros: é preciso desconfiar das 10 medidas “moralizadoras” apresentadas pelo MPF; deve-se rever o instituto da colaboração premiada, buscando seu aprimoramento, especialmente, formas de repressão à sua utilização publicitária; e, urge aprovar o projeto legislativo do crime de abuso de poder paralisado no Congresso Nacional, abrindo-se a possibilidade de o próprio ofendido promover a ação penal.” A esse receituário permitimo-nos incorporar a criminalização da ofensa às prerrogativas do advogado.
A OAB legitimou-se ao longo da história por seu posicionamento firme, claro e sem subterfúgios na defesa dos princípios democráticos, da constituição e das leis. Atuou com firmeza e desembaraço inclusive em defesa da magistratura nos anos mais difíceis da ditadura militar e do AI-5. Não descuidou em momento algum em defender o fortalecimento e a autonomia administrativa e financeira do Ministério Público. Os advogados não podem agora ser atacados justamente por aqueles aos quais a OAB tanto se empenhou para defender. A Ordem está, como de resto sempre esteve, pronta a colaborar no combate à corrupção. Mas não pode compactuar com o que se observa hoje: a fragilização da luta contra a corrupção pela evidente contaminação, por arrogância, precipitação ou sabe-se lá o que mais, daqueles aos quais compete justamente a liderança do trabalho. O escândalo da J&S, assim como os demais, exige rigor. Sob pena de se ver desmoronar, pela ausência de alicerces morais, todo o trabalho desenvolvido até agora.