A grande repercussão da liminar concedida pela juíza Moema Miranda Gonçalves, que proibiu o Centro Acadêmico Afonso Pena, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), de promover encontro para debater o impeachment da presidente, Dilma Rousseff, acabou resultando na desistência da ação. Os acadêmicos Tulio Vivian Antunes e Maria Clara Barros resolveram desistir da ação judicial por considerarem ter conseguido impedir a votação de uma greve em protesto contra o afastamento da presidente. Eles explicaram que o Centro Acadêmico foi partidariamente aparelhado e articulava a imposição de “posicionamentos políticos opostos à grande parcela da comunidade acadêmica”, o que é negado pela direção do CAAP.
O problema independe, porém, das preferências ou paixões políticas dos estudantes. O que houve ali foi um violento atentado contra a Constituição da República, praticado por uma juíza de direito que deveria ter a obrigação de respeitar. A Constituição assegura aos cidadãos o que a juíza Moema Miranda Gonçalves desconsiderou: o direito de reunir-se pacificamente em locais abertos ao público. Não interessa o que vai pela cabeça da magistrada, se há ou não motivação ideológica na convocação da assembléia, ou se o debate político está ou não entre “as atribuições estatutárias” da entidade. Ela jamais poderia obstacular um direito estabelecido pela Constituição. A mesma Carta sobre a qual se busca fundamentar o possível afastamento da presidente da república vale para assegurar o direito dos acadêmicos se manifestarem, não importa se contra ou a favor do impeachment.
Nesse sentido é bastante clara a nota de alerta da OAB/MG, que considera “surpreendente que, em pleno 2016, na plenitude da experiência democrática, um juiz togado entenda por bem proibir os estudantes da sempre “Faculdade Livre de Direito” da UFMG de discutir o contexto político da atualidade, que tem assumido protagonismo na mídia nacional e internacional e movimentado todos os setores da sociedade civil. Mesmo em caso de eventual desistência dessa ação judicial por seus autores, fica, para todos os brasileiros, um alerta a respeito desse lamentável episódio: o Estado Democrático de Direito é totalmente incompatível com o cerceamento às liberdades civis. A Constituição Cidadã de 1988 pontifica: “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização” (art. 5º, XVI).”
– Por outro lado – continua a nota – se alguma proibição tiver de ser invocada, no presente caso, ela não se dirigirá contra o direito de reunião – sagrado – de todo cidadão e cidadã. Proibida, em realidade, é a ingerência do Estado em matéria de direito de associação, como se extrai do art. 5º, XVIII, da Constituição: “a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”. Não cabe nem sequer ao Supremo Tribunal Federal intervir no exercício do direito de associação e escolher a matéria sobre a qual deva ou não deva haver debate no âmbito do universo estudantil. Restrições ao direito de reunião apenas podem ser toleradas em casos de estado de defesa ou de estado de sítio; situações, obviamente, não vivenciadas pelo Brasil na atualidade (arts. 136 e 139, CF).
É preciso que a população brasileira saiba efetivamente conviver com plenitude democrática e com o estado democrático de direito. Nele, a lei vale para todos e deve ser rigorosamente respeitada por todos, especialmente por aqueles responsáveis por sua aplicação, posto serem eles que haverão de assegurar, especialmente no Judiciário, que o direito de todos seja respeitado. A OAB decidiu à quase unanimidade e após avaliação exclusivamente técnica, protocolar pedido de impeachment da presidente à Câmara dos Deputados. Mas isso não significa que irá compactuar com o cerceamento inconstitucional do direito à livre associação, reunião e debate promovido pelos estudantes. Ainda que efetivamente o objetivo estratégico dos promotores tivesse sido manifestação em defesa da presidente. Democracia é isso.