Nascida em 1930, pautada pela defesa da cidadania, da democracia e dos direitos humanos, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) teve atuação marcante em momentos cruciais da história política do país – como no combate à ditadura, na luta em favor da redemocratização, em prol do impeachment do ex-presidente Fernando Collor e da recente deposição da ex-presidente Dilma Rousseff. Em todos esses episódios, a entidade jamais se deixou levar por cantos de sereia, como também jamais admitiu agir no afogadilho, impulsionada por pressões político-ideológicas sem lastro. Fez o que tinha que ter feito. Posicionou-se na hora adequada, nunca de maneira intempestiva, assentada nos princípios e valores que sempre nortearam a instituição.
Está correta apenas até aí a matéria irresponsável, veiculada em tom de “denúncia” por uma revista de circulação nacional, que provocou reação indignada de toda a advocacia nacional ao pautar extensa matéria exclusivamente em um áudio produzido pelo conselheiro Flávio Pansieri, do Paraná. Ele integrou a comissão de cinco membros, constituída pelo Conselho Pleno da Ordem, para relatar o pedido de impeachment do presidente Michel Temer. E já explicou que o áudio que circula com sua voz foi enviado por ele antes que tivesse conhecimento de fatos que o fizeram concluir pela procedência do impeachment. Não foi suficiente. A revista desprezou os fatos em favor de uma versão fantasiosa. Declinou da ética para se deixar seduzir pelo sensacionalismo vulgar. Apressou-se na publicação do que imaginou ser um “furo” – embora já sobejamente veiculado nas redes sociais. Abandonou, por preguiça, tudo aquilo que preconiza o bom jornalismo. O autor comprovadamente nem se deu ao trabalho de ler o documento protocolado na Câmara dos Deputados.
Fosse assim, teria percebido, assim como aconteceu com Flávio Pansieri, que o pedido não faz qualquer referência ao áudio gravado pelo delator, mas à própria. Como bem lembrou o presidente Cláudio Lamachia, o pedido foi pautado em fatos, nos documentos tornados público pelo STF, nas entrevistas do próprio presidente da República e na análise técnica dos fatos, em sessão pública e amplamente coberta pela imprensa. O pedido formulado pela OAB não é baseado em insinuações. Ele foi resultado de uma ampla consulta aos legítimos representantes eleitos pelas advogadas e advogados de todo o Brasil. Antes da votação no Conselho Federal foram consultadas as seccionais estaduais da OAB. A ampla maioria concluiu que o presidente cometeu crime de responsabilidade. No Conselho Federal, 25 bancadas estaduais chegaram à mesma conclusão. Não houve, no Conselho, nem mesmo um relator individual para o caso. O relatório foi elaborado por uma comissão de cinco conselheiros. No parecer apresentado ao plenário, a comissão foi unânime ao concluir pelo impeachment.
Interessante observar que o redator enalteceu as virtudes da OAB e sua atuação histórica como protagonista no debate das grandes questões institucionais do país. Não para reverenciar os méritos da instituição, mas para apontar o dedo acusador do que, em sua visão irresponsável, “evidencia” um grande demérito de toda a categoria representada por seus dirigentes. Todas as loas cantadas por ele no breve histórico das realizações da OAB se prestaram apenas para sentenciar que “estranhamente, não foi o que ocorreu no caso Michel Temer”. Foi a partir daí que demonstrou a opção deliberada pelo erro e pela desinformação, para inclusive reverenciar a vulgaridade: “A OAB embarcou numa canoa furada”. Se concedesse algum crédito à abertura do próprio texto o autor teria se apercebido de que a Ordem jamais, em toda a sua história que ele mesmo reconhece grandiosa, “embarcou” no que quer que seja.
A OAB sempre foi protagonista das ações que promoveu. E todas as demais entidades e instituições que se uniram em defesa de suas propostas foram motivadas pela seriedade, clareza e embasamento técnico lastreado exclusivamente em sua única ideologia: o respeito intransigente e inflexível à constituição e às leis. A configuração do crime de responsabilidade cometido pelo presidente dispensa o teor das gravações. A denúncia está lastreada na violação do artigo 85 da constituição, configurada no ato de receber em sua residência à noite, sem agenda oficial e escamoteada pelo acesso via entrada da garagem a visita de quem o próprio Temer classificou publicamente de “bandido”. E por prevaricar ao não denunciar, de imediato, o interlocutor, ao ouvir dele o gravíssimo reconhecimento de crimes de suborno a membros do judiciário. Equivoca-se, por fim, ao insinuar que a OAB desviou-se de sua virtuosa trajetória histórica. A OAB faz sua parte e cobra que a lei seja aplicada de forma igual para todos. A sociedade brasileira exige seriedade na condução da coisa pública e das instituições.