A greve dos caminhoneiros mexeu com o País. Mesmo sabendo que por ora o quadro de caos tenha se dissipado, não há como negar que conseqüências graves ainda virão. Como uma pedra jogada nas águas calmas de um lago, pouco a pouco as ondas criadas reverberam até as margens, numa relação de causa e efeito, gerando imprevisibilidade e aumentando as incertezas.
No momento, não há sinais claros de que o movimento gigantesco que quase paralisou a base econômica do Brasil tenha sido superado. A tensão permanece latente, talvez esperando acontecimentos extemporâneos para retornar com mais força nos próximos meses. A hora que vivemos é estranha e nebulosa. Pior: não há lideranças nem partidos que possam garantir um debate racional em busca de caminhos e soluções perante uma maioria insatisfeita e revoltada.
O que se sabe é que uma greve como essa não somente causa ruína política ao governo de plantão, mas machuca profundamente toda a sociedade, deixando rastros crescentes de problemas que empobrecerá ainda mais o País.
Hoje sabemos mais sobre a natureza desse movimento e quais foram suas motivações iniciais. Está claro que houve uma combinação de locaute de empresários com o drama vivido por milhares de caminhoneiros por causa do aumento do diesel combinado com a queda do valor do frete. Lateralmente, ficou provado que a aposta predominante em rodovias foi um equívoco estratégico dos governos.
Também ficou claro que o Brasil fez a escolha errada em período recente, subsidiando compra de caminhões ao custo de R$ 34 bilhões de recursos públicos, promovendo uma anomalia no mercado de transporte rodoviário, ou seja, criando um excesso de oferta que se agravou à medida que, concomitantemente, havia queda na produção e venda de produtos.
Mesmo assim, não há como tergiversar sobre o fato de que o movimento dos caminhoneiros exacerbou-se à medida que perdeu sua legitimidade quando as reivindicações transformaram-se em chantagem pura e simples.
Com isso, o sagrado direito de ir e vir da população foi atingido em cheio. Não há como aceitar que uma questão que demandava solução pelo diálogo e pela evocação do espírito público fosse transformada numa disputa renhida entre uma categoria sem lideranças visíveis e um governo notabilizado pela tibieza de seus principais representantes.
O que a OAB pediu naquele momento foi nada mais nada menos do que a garantia de direitos e a manutenção da ordem pela via democrática. Mas não foi isso que aconteceu: assim que empresários e caminhoneiros viram o centro do poder rendido aos seus pés, passaram a tripudiar sobre os frangalhos exigindo o cumprimento de uma pauta política totalmente despropositada, juntando no mesmo pacote a renúncia do presidente e uma intervenção militar.
Noutras palavras, quando uma reivindicação econômica eivada de razoabilidade se transforma numa transgressão institucional, cujos objetivos resvalam para a criminalidade, não há como evitar que se recoloque o debate num plano crítico de contraposição ao populismo e ao autoritarismo.
O interesse da sociedade deve prevalecer nesses casos, mesmo porque, no fim das contas, quem pagará por isso seremos todos os brasileiros, já extensamente maltratados por uma das mais longas e danosas recessões da história.
A Ordem está tirando lições importantes desse processo. Sempre defenderemos a justiça em nome da qual se promove a paz social, não permitindo que a barbárie prevaleça sobre a civilização.