Em que pese a jocosidade incorporada pelo espírito desafiador, heterodoxo e inconformista dos alunos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, o “Dia do Pendura”, ou, originalmente, “Dia do Pindura”, registra, de forma historicamente indissolúvel, o dia 11 de agosto como Dia do Advogado. A data, comemorativa ao aniversário de criação dos primeiros cursos superiores de Direito no Brasil, em 1827, embora estabelecida por decreto imperial, sinaliza o ponto de partida brasileiro de uma atividade profissional cuja atuação ao longo da história se confunde com os ideais democráticos e com o estado de direito, fundamentos dos quais a advocacia jamais se dissociou. A partir daquele 11 de agosto foi efetivamente estabelecido o desenvolvimento do sistema jurídico brasileiro, antes exclusividade de filhos privilegiados de famílias abastadas, com recursos para estudar na Europa.
“Dom Pedro Primeiro por graça de Deus e unanime aclamação dos Povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil. Fazemos saber a todos os nossos súditos, que a Assembléia Geral Decretou e nós queremos a lei seguinte: Art. 1º – Crear-se-hão dous cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, um na cidade de São Paulo e outro na de Olinda, e neles no espaço de cinco anos e em nove Cadeiras, se ensinarão as matérias seguintes…… Dada no Palácio do Rio de Janeiro aos onze dias do mês de agosto de mil oitocentos e vinte e sete, Sexto da Independência. Imperador Pedro Primeiro”. O texto do decreto imperial deu origem aos cursos que iriam estabelecer definitivamente a criação da advocacia brasileira, mas não se pode desconsiderar a significativa contribuição do “Dia do Pindura” ainda hoje presente nas comemorações estudantis de 11 de agosto, para desespero de alguns donos de restaurantes, na instalação da advocacia na consciência do público.
Apesar disso, apenas em 1930, por decreto assinado por Getúlio Vargas – um dos primeiros atos após a vitória do movimento armado que o levou ao poder – foi finalmente criada a Ordem dos Advogados do Brasil. Conforme registra o advogado e historiador Alberto Venâncio Filho em Notícia Histórica da Ordem dos Advogados do Brasil (1930-1980), o decreto era voltado para a organização das Cortes de Apelação, tratava também da abolição de julgamentos secretos e criava a Ordem dos Advogados (por intermédio do artigo 17), de uma maneira quase acidental, no momento em que o novo governo concentrava os três poderes da República em suas mãos.
Mas entregava para órgãos da própria classe dos advogados a disciplina e a seleção de seus membros, uma aspiração que vinha desde o século XIX.
Ocorre que André de Faria Pereira, então Procurador-Geral do Distrito Federal e bastante influente no gabinete de Osvaldo Aranha, ministro da Justiça do Governo Provisório, percebeu a oportunidade da ocasião. Consta que Aranha fez uma única restrição ao projeto que o procurador lhe apresentou. Exatamente no artigo 17, que criava a Ordem, mas Pereira ponderou que não se tratava de privilégios concedidos a uma categoria profissional. Mas traria, ao contrário, restrição aos direitos dos advogados e que, se privilégio houvesse, seria o da dignidade e da cultura”. A argumentação foi acatada, o artigo 17 foi mantido e o decreto, com o número 19.408/30, criou a OAB.
O registro histórico ilustra bem as dificuldades encontradas pela advocacia nacional para superar obstáculos frequentemente instalados em busca de obstaculizar seu desempenho. Mas as dificuldades, ao contrário, nos fortalecem. Não por menos, além de consignada na constituição como atividade “indispensável à administração da Justiça, e, portanto, inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei (Artigo 133), o reconhecimento da imprescindibilidade da advocacia é registrado outras seis vezes, como lembra o presidente da OAB/DF, Juliano Costa Couto. Nenhuma outra organização profissional possui esse destaque.
A Carta assegura a participação da Ordem nos tribunais e nos exames para as carreiras do Poder Judiciário e estabelece a presença de representantes no concurso de acesso ao Ministério Público. É inserida também na composição dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal. A ela a constituição concede a prerrogativa de propor Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de Constitucionalidade, para questionar atos dos Poderes da República junto ao Supremo Tribunal Federal. Além disso, é estabelecida a participação da advocacia na composição do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público.
Não podemos, contudo, nos desmobilizar. Vigilate e orate, recomendam os textos sagrados, pois que muitos ainda encontram privilégios de classe naquilo que em verdade significa respeito à cidadania. Assim é com o projeto que criminaliza o desrespeito às prerrogativas dos advogados no exercício de seu trabalho e exclusivamente por concessão de seu representado.