O casal assistia televisão, quando a mãe disse: – Estou cansada e já é tarde, vou me deitar! Foi à cozinha fazer os sanduíches para o lanche do dia seguinte na escola, tirou a carne do freezer para o dia seguinte, encheu o açucareiro, colocou pratos e talheres na mesa e preparou tudo párea o café do dia seguinte. Pôs ainda umas roupas na máquina de lavar, passou uma camisa a ferro pregou um botão que estava caindo. Guardou umas peças de jogo que ficaram em cima da mesa, e pôs o telefone no lugar. Regou as plantas, despejou o lixo, e pendurou uma toalha para secar. Bocejou, espreguiçou-se, e foi para o quarto. Parou ainda para escrever uma nota para o professor do filho, pôs num envelope junto com o dinheiro para pagamento de uma visita de estudo e apanhou um caderno que estava caído debaixo da cadeira.
Nessa altura, o Pai disse lá da sala: – “Pensei que você tinha ido se deitar”. “Estou a caminho” respondeu ela. Pôs água na tigela do cão e chamou o gato para dentro de casa. Certificou-se de que as portas estavam fechadas. Espreitou para o quarto de cada um dos filhos, apagou a luz do corredor, pendurou uma camisa, atirou umas meias para o cesto de roupa suja e conversou um bocadinho com o mais velho que ainda estava estudando. Já no quarto, acertou o despertador, preparou a roupa para o dia seguinte e arrumou os sapatos. Depois lavou o rosto, passou creme, escovou os dentes e acertou uma unha quebrada. A essa altura, o pai desligou a televisão e disse: “Vou me deitar”. E foi. Sem mais nada. Notaram aqui alguma coisa de extraordinário? Ainda perguntam por que é que as mulheres vivem mais… E são tão maravilhosas? Porque são mais fortes… Feitas para resistir… Não sei de quem é o texto, que circula nas redes sociais, mas ele vem arrematado com uma frase lapidar de Carlos Drummond de Andrade: “Existem muitos motivos para não se amar uma pessoa, mas apenas um para amá-la”.
O texto com certeza merece reflexão. Especialmente porque faz referência exclusivamente às atividades domésticas comuns à maioria das mulheres. Se considerasse, para além disso, o trabalho da mulher advogada – atividade com certeza não excludente das “tarefas” citadas, mas sem dúvida alguma adicionais na maioria dos casos, então estaria caracterizado o biótipo da supermulher. Basta considerar que a condição feminina é com freqüência alvo de preconceitos os mais diversos e absurdos. Não é exagerado dizer que o próprio termo “empoderamento das mulheres”, tão na moda, tão presente no proselitismo político, na novíssima retórica dos palanques, embute fortíssima carga de preconceito. Pois que não as considera capazes de exigir equidade de gênero nos variados tipos de atividades sociais, de modo democrático e responsável sem a “generosidade” politicamente coercitiva dos partidos. Eleschegam a ponto de convocar as mulheres para “desafiar as relações patriarcais, em relação ao poder dominante do homem e a manutenção dos seus privilégios de gênero. E a lutar por mudança na dominação tradicional dos homens sobre as mulheres, garantindo-lhes a autonomia no que se refere ao controle dos seus corpos, da sua sexualidade, da sua liberdade”. E lhes atribuem incapacidade de se sobressair e conquistar seu espaço por seus próprios meios. Fingem desconhecer a força das mulheres. E com certeza não conhecem o trabalho da mulher advogada.
Quem ainda não ouviu a expressão “coisa de mulher!”, adotada para eclipsar o preconceito machista que, de sua vez, também é pano de fundo para mascarar incapacidade técnica, acomodamento, oportunismo ou pura preguiça? Não é esperar muito que todos saibam exatamente como superar preconceitos e destinar à mulher advogada tratamento isonômico: todos são credores do respeito às prerrogativas consignadas em lei. Mas lamentavelmente, em se tratando de urbanidade e respeito humano, os homens, pela ação absurda de significativa representação da categoria, ainda figuram nessa contabilidade na coluna “débito”. Como escreveu a advogada Cíntia Belini, especialista em Direito Civil e Processo Civil e presidente da Comissão do Direito da Mulher OAB – Sinop/ MT, “o que se pretende é apenas uma coisa: igualdade. Acredite, é somente isso. Ninguém quer ser superior, porém para que isso aconteça é necessário mudar paradigmas e culturas. Se a mulher quer ser dona de casa, mãe, médica, engenheira e porque não doutora em alguma área ela pode! E também tem direito de ocupar todos os espaços se para isso foi legitimada”. Tais considerações, por absolutamente oportunas, deveriam merecer reflexão e atenção de todos, como uma justa homenagem na data em que se comemora o Dia Internacional da Mulher.