“Hay que empoderate,
pero sin perder la ternura jamás”.
Circula pelas redes sociais a adaptação, melhorada e atualizada, da frase provavelmente criada para humanizar a revolução cubana. Não se conhece a autoria, a exemplo da original, mas é obviamente uma produção patriarcal a referência a uma aspiração que mobiliza o público feminino no mundo inteiro, especialmente no momento em que se comemora o Dia Internacional da Mulher.
Descontado qualquer objetivo subalterno que nele possa estar eventualmente embutido, o raciocínio destaca, porém, uma virtude feminina que nem a neurociência – talvez apenas a filosofia – consegue explicar: a capacidade de processar com simultaneidade razão e emoção em cada atitude. Passa talvez por aí a razão do sucesso feminino, evidente não apenas em minhas áreas de atuação profissional, em Rondônia e no Distrito federal, ou no exercício da função representativa no Conselho Federal da OAB, mas em todo o país.
Seu desempenho chega a atemorizar alguns setores masculinos mais despreparados para esta realidade. A ponto de associarem o sucesso feminino ao espírito de Lilith – personagem mitológica dos evangelhos apócrifos. Uma mulher consciente da própria condição humana, que não se submeteu à dominação masculina e acabou por isso expulsa do Éden.
Um mito que a impiedosa punibilidade patriarcal dos autores bíblicos desdenhou e apagou, por fim, dos textos sagrados de Gênesis à conta de sua coragem de declarar insubmissão à ditadura masculina, criada ao mesmo tempo e do mesmo barro de Adão para ser companheira – não escrava ou posse. Conta o mito, surgido na Babilônia, que Deus criou primeiro Adão e Lilith do pó da terra. Assim, a primeira mulher não teria sido então a Eva bíblica.
Pois acredito que cada alma feminina carrega em si um pouco de Lilith e da Virgem Maria, pelo poder de executar a parte que lhe cabe, não por reverência, deferência ou histórica subordinação, mas por amor e dedicação incomensuráveis. Qualificativos que, aliados à enorme sensibilidade, a tornam capaz de processar razão e paixão a um só tempo, em uma só atitude. Vai daí que o que se convencionou chamar de empoderamento feminino – “empowerment” – transformou-se em indissociável conceito fundamental para entender as aspirações desse movimento social.
Mas é preciso esclarecer que, o termo acabou perdendo sentido por uma verdadeira apropriação indébita da magnitude do propósito original, romântico, a ponto de comprometer sua endoculturação. Senão pelo radicalismo oportunista de alguns setores, o que a humanidade deve ao espírito feminino não é poder de exclusão ou domínio. A mulher busca reconhecimento, respeito à sua dignidade e seu talento, de seu valor humano e de sua infinita aptidão na produção de carinho, amor e afeição.
“Gosto das pessoas sentipensantes, que não separam a razão do coração.
Que sentem e pensam ao mesmo tempo. Sem divorciar a cabeça do corpo, nem a emoção da razão” – Observa Eduardo Hughes Galeano. Tive a felicidade de conviver com isso por toda a minha vida, na companhia de minha mãe, Lurdinha Cavalcante, e minha saudosa avó, Inácia. Duas personalidades excepcionalmente fortes e, no entanto, capazes de aplicar dosagens perfeitamente equilibradas de racionalidade e amor a cada manifestação, em cada escolha, cada decisão, em cada gesto, afinal.
Estou certo de ser esta uma virtude comum a cada mulher, cada mãe. E isso explica também parte do sucesso da mulher advogada, que incorpora ainda, é claro, determinação, dedicação e muito trabalho em sua jornada. Felizes de nós que com elas podemos contar no novo tempo que se avizinha, “Pra que nossa esperança / Seja sempre um caminho / Que se deixa de herança”, como orienta Ivan Lins na canção “Novo Tempo”, de 2014.