É preciso promover um amplo debate sobre a reforma da Previdência. Sem o partidarismo sectário das oposições, que encontram na discussão uma oportunidade para a cabala de votos na busca de recuperação do respaldo popular perdido. Mas igualmente afastado do catastrofismo de representantes governamentais, como o secretário de Previdência do Ministério de Fazenda, Marcelo Caetano. Para ele, o governo tem interesse em manter o máximo possível a proposta original. Se começarem a mudar muito, pode arrefecer bastante os ganhos e forçar uma reforma muito forte “lá na frente”. Mudanças mais drásticas na proposta original do governo vão gerar “muita dificuldade de pagar os benefícios” aos segurados e farão com que os impactos positivos para as contas do governo sejam menores. É um discurso cuidadosamente ensaiado, que aponta para uma hecatombe apocalíptica de todo o sistema previdenciário e até mesmo do esforço pela recuperação da economia. Mas estabelecido com base em premissas falsas e ao arrepio da Constituição e das leis.
É o que deixa claro a carta aberta sobre a reforma da previdência distribuída pela OAB nacional após reunião em Brasília com os membros de comissões de direito previdenciário de todo o país, juntamente com outras 27 entidades representativas de categorias profissionais. Juristas, médicos, auditores fiscais e engenheiros, entre outros, acreditam que a proposta do governo está fundamentada em premissas erradas e contém inúmeros abusos contra os direitos sociais. As mudanças, “desfiguram o sistema da previdência social conquistado ao longo dos anos e dificulta o acesso a aposentadoria e demais benefícios à população brasileira que contribuiu durante toda a sua vida”. Um dos pontos de discordância é justamente a base da PEC 287/2016: a falência do sistema, na qual se ampara toda a argumentação governamental. Para a OAB, o propalado rombo da Previdência não existe.
Tal argumentação desnuda grave descumprimento à Constituição, que insere a Previdência no sistema de Seguridade Social, juntamente com as áreas da Saúde e Assistência Social – sistema que tem sido, ao longo dos anos, altamente superavitário em dezenas de bilhões de reais. As entidades que assinaram a carta com a OAB – entre elas o Conselho Federal de Economia (Cofecon), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e a Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe) – criticam também o mecanismo de Desvinculação de Receitas da União (DRU), que destina 30% dos recursos da Seguridade Social para outros fins, “especialmente para o pagamento de juros da dívida pública, que nunca foi auditada, como manda a Constituição”.
Ou seja: artificializa-se a composição do déficit para destiná-lo aos costados da população. E ainda dizem evitar a criação de novos impostos para promover a recuperação da economia. Isso inclusive é mais uma falácia, porquanto o governo sabe que, esgotada a capacidade de pagamento da elevada carga tributária, a arrecadação acaba comprometida por uma avalanche de falências e pela marginalização das atividades produtivas. A OAB e demais entidades exigem, ademais, que o governo federal divulgue “com ampla transparência” as receitas da Seguridade Social, “computadas todas as fontes de financiamento previstas no artigo 195 da Constituição Federal, sem deixar de apresentar o impacto anual da DRU, as renúncias fiscais concedidas, a desoneração da folha de salários e os créditos tributários previdenciários não cobrados”. As entidades querem a realização de um amplo debate sobre a PEC 287. Às claras, sem desvios, evasivas ou subterfúgios.
É preciso que o governo demonstre definitivamente coragem para enfrentar o problema e não apenas optar pelo caminho mais fácil de destinar a ponta fina do chicote à população. De início foram listados abusos no projeto. Entre eles, a exigência de idade mínima de 65 anos para aposentadoria de homens e mulheres, a necessidade de o contribuinte ter 49 anos de contribuição para ter acesso ao benefício integral, a redução do valor geral das aposentadorias, a precarização da aposentadoria do trabalhador rural e o fim da aposentadoria especial para professores. Além disso, o Conselho da OAB considera abusivas as propostas de pensão por morte e benefícios assistenciais abaixo de um salário mínimo e a cumulação da pensão com a aposentadoria. O texto também é crítico ao aumento da idade mínima exigida para recebimento do benefício assistencial de prestação continuada, o BPC, que o governo pretende passar de 65 para 70 anos. As regras para a aposentadoria dos trabalhadores expostos a agentes insalubres foram definidas pelo conselho como “inalcançáveis”.