“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Artigo 6º da Constituição da República Federativa do Brasil. O constituinte foi absolutamente claro ao estabelecer o texto final do artigo, posto ser apenas possível a construção de uma sociedade justa e igualitária se considerado todo esse conjunto de obrigações governamentais. Ilude-se (ou imagina iludir o público, especialmente em um ano eleitoral) quem raciocina, porém pela via fácil, que atribui exclusivamente ao governo a responsabilidade pela tarefa. Ela compete também a cada cidadão, isoladamente ou no seu conjunto. E à omissão do governo deve-se creditar responsabilidade pelo imobilismo a toda a sociedade.
Matéria de O Globo traça um comparativo entre a educação no Brasil e em Singapura, para apontar que, nos últimos 20 anos, a Sociedade tem, por omissão, uma boa dosagem de culpa pelo descaso com a Educação de qualidade no Brasil, em padrão equivalente ao da decadente classe dirigente. Se deixa de cuidar bem das crianças e adolescentes a nação, como disse Maria Montessori, abdica de seu futuro! Mas atenção: ela não fala exclusivamente sobre educação. O jornal observa que entre os anos 1950 e 60, Singapura, antiga colônia inglesa, era um pequeno entreposto comercial, com uma população majoritariamente analfabeta e empobrecida. Hoje, poucas décadas mais tarde, é um hub financeiro internacional que lidera o mais importante ranking mundial de educação. A transformação partiu de uma ideia, segundo Goh Chor Boon, gerente-geral da Universidade Tecnológica de Nanyang, que abriga o Instituto Nacional de Educação de Singapura: – “Tratamos os professores como joias”.
Essa transformação na educação singapuriana teve como norte uma ideia: “Ser professor não é um emprego, é uma profissão responsável por moldar as futuras gerações.” Isso significou, na prática, elevar o status dos professores: eles passaram a ser escolhidos entre os 5% dos alunos com o melhor desempenho acadêmico do país e tiveram equiparação salarial inicial com outras profissões como advogado ou médico no serviço público. Há também bônus por desempenho em sala de aula, que pode ser de quatro a cinco salários. Em troca, é exigido que os docentes entreguem “profissionalismo, paixão e gana de moldar o futuro da nação”, além de encararem a profissão como uma “missão” – a de formar alunos autônomos em seu aprendizado “que possam sobreviver em qualquer lugar do mundo”.
Ele só não disse que todos os serviços públicos são majoritariamente controlados pelo governo e disponibilizados à população com taxas que variam de acordo com o rendimento individual de cada cidadão. Isso acontece, por exemplo, nos transportes públicos, fundamentais, na medida em que o custo proibitivo do transporte individual, além de extremamente limitada à emissão de licenças para aquisição. É difícil até mesmo imaginar como isso poderia ser aplicado por aqui. Faz sentido, na verdade, o que diz o professor e escritor Luiz Guilherme Bron, doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP. Ele observa ser bastante difundida na sociedade brasileira a ideia de que a educação é a única salvação para o Brasil. Um aspecto dessa ideia é bastante verdadeiro: sem uma educação de qualidade, o País não tem futuro. Mas é importante atentar para a falácia contida nessa percepção: a educação, por si só, nunca salvou país nenhum. E nem salvará o Brasil.
Isto se deve, segundo ele, ao fato de que a educação não é uma ação isolada das outras dimensões, tais como a justiça social e as políticas públicas voltadas para saúde, alimentação, moradia, segurança, transporte e oportunidades para todos, como está na constituição. É ingênuo pensar que “investir em educação” é a varinha mágica que vai solucionar todos os demais problemas do país. Não há um único exemplo de país cujo sistema de educação avançou sem se fazer acompanhar pelo avanço das outras demandas sociais de inclusão da população – a não ser nos países totalitários, de ditaduras, que impuseram uma educação enviesada no sentido de reforçar a própria tirania.
Todo professor sabe que um aluno miserável, em situação de risco social, em péssimas condições de vida, tem pouquíssimas chances de avançar.
As exceções apenas confirmam a regra. No Brasil, os municípios, os Estados e a União nunca levaram a sério a educação pelo fato de que nada levam a sério. A educação pública, de qualidade, universal e gratuita só seria possível no País se outros fatores permitissem, como a igualdade de todos perante a lei, como o fim dos privilégios, como pleno acesso à justiça e uma política vinculada aos interesses coletivos. O calendário eleitoral oferece oportunidade para começar a mudar isso. Mas é preciso que os cidadãos de bem se manifestem e auxiliem na escolha de candidatos sérios e conscientes dessa necessidade.