Equivocadamente atribuída a Niccolò Machiavelli, apontado como “pai da teoria política moderna”, a idéia de que os fins possam justificar os meios tem sido desafortunadamente adotada em nossos tempos, especialmente por aqueles que pretendem dela se valer para, eles sim, justificar os próprios meios, na maioria das vezes obscuros, mesquinhos, subalternos, sórdidos e, claro, geralmente ilegais. A idéia possivelmente está na origem de estrovengas como a conhecida “rouba mas faz” vilania usada para justificar o assalto aos cofres públicos como uma contraposição àqueles que presumivelmente roubam e nada fazem.
Mas, de volta ao pensamento original, observa-se que meios absurdamente imorais ou claramente ilegais são usados com não rara freqüência para promover resultados capazes de atender sempre a interesses de grupos: nunca do país e da população, cujos anseios são balizados e parametrados pela constituição e pelas leis. Não há exemplo mais claro nos dias atuais do que a compartimentação do texto constitucional na votação do impeachment. Ou da tentativa de anistiar o “caixa 2” na Câmara Federal.
Outras investidas de periculosidade equivalente podem estar embutidas no projeto “10 medidas contra a corrupção”, em tramitação na Câmara dos Deputados, que insere a aceitação de provas ilícitas, desde que obtida de forma “bem intencionada”. Em função disso, a OAB nacional defende a ampliação do debate sobre o projeto. Nada contra a Operação Lava-Jato, cujos efeitos se fazem claramente sentir em meio à população, sequiosa por um ambiente de mais justiça e menos corrupção e impunidade. A maioria das propostas do projeto já foi apresentada há tempos pela OAB, inclusive em carta aberta à população.
Mas, como disse, em longa entrevista ao Correio Braziliense, o presidente nacional da Ordem, Cláudio Lamachia, “O Brasil precisa de efetividade. E a Lava-Jato tem dado todo esse resultado que a sociedade reconhece. A prova ilícita hoje significa dizer que nós estaríamos, primeiro, descumprindo a Constituição Federal, que é clara ao proibi-la. Segundo, significaria dizermos que nós vamos, em nome do combate ao crime, aprovar o cometimento de outro crime. Ah, mas e a boa-fé? Mesmo na boa-fé, como é que eu vou validar uma prova ilícita e dizer que eu posso chancelar a boa-fé de um agente público se é algo subjetivo?”.
Lamachia quer também inserir em um amplo debate nacional a necessidade de inserir a justiça entre as grandes demandas nacionais como saúde, educação e segurança. Nosso judiciário está, segundo ele, muito aquém do que a sociedade paga em impostos. “Há um clamor social, a sociedade hoje cobra. Precisamos encontrar mecanismos para que se tenha uma sensação maior de segurança, para que a impunidade acabe no Brasil. Mas isso vale para tudo, não apenas para a questão da prisão em segundo grau. Isso vale para qualquer situação, inclusive para essas situações hoje postas no que diz respeito às 10 medidas do Ministério Público. O que eu entendo que o Brasil tem que começar a discutir: é fato que a sociedade não recebe de volta parte dessa carga tributária altíssima que temos em saúde, em educação, em segurança. E nos esquecemos, muitas vezes, de uma política pública tão importante quanto essas que é exatamente a prestação jurisdicional”.
Hoje, temos um Judiciário lento, que carece muito de contratação de novos juízes e novos servidores, que não consegue observar um dos princípios mais importantes da Constituição que é a razoável duração do processo. Por que isso? A capacidade instalada não dá mais conta da demanda porque cresceu muito, o Poder Judiciário encolheu. Aí você poderia dizer: “Mais ministros para o Supremo, para o STJ?” Não, eu estou falando do Poder Judiciário na base, na ponta. Eu estou falando do juiz na comarca, do servidor na comarca, lá em Cacequi, em Santana do Livramento, em Dom Pedrito, no meu estado, Rio Grande do Sul. Lá no Norte ou Nordeste. Quantas cidades nós temos hoje que não têm sequer um juiz titular em uma comarca? Isso seguramente cria um grande problema no processo judicial, que fica cada vez mais moroso.
Ele lembra que as 10 medidas são tudo que há de necessário para que nós tenhamos o Brasil, hoje, dos sonhos, contra a corrupção. “Muitas dessas 10 medidas nós até concordamos e são objeto de propostas da OAB há muito tempo. Como, por exemplo, a criminalização do caixa dois e o tempo de vista que um ministro pode ter em um determinado processo. Tudo isso é válido para que se possa aprimorar a legislação, não tenho dúvida nenhuma, mas o ponto que temos que focar hoje é a morosidade dos processos. A impunidade também se combate com efetividade no campo judicial, com estrutura do Judiciário e que hoje não se tem debatido. Eu não vejo ninguém dizendo: Olha, na minha cidade não tem juiz”. Já disse aqui e repito: o Brasil tem cura. Basta aplicar o remédio na dosagem correta.