Começo dizendo o óbvio: esse tem sido um ano excepcional, extremamente problemático. No primeiro semestre, quando declarada a existência de uma pandemia pela Organização Mundial de Saúde – OMS, muitas apreensões surgiram, tanto na área política quanto na dos
operadores do direito, em relação à realização das eleições municipais previstas para outubro.
Era um momento de muita ansiedade, pois a pandemia se alastrava rapidamente, o que levou muitos países a determinarem o fechamento de escolas, academias, bares, restaurantes, ou seja, tudo o que não fosse essencial à sobrevivência da população. Foi nesse contexto que começaram a surgir as discussões a respeito de adiamento do pleito.
Alguns pretendiam que as eleições fossem realizadas apenas no próximo ano, o que levaria a um impasse, pois os mandatos se encerrarão em 31 de dezembro. A prorrogação desses mandatos chegou a ser cogitada no Congresso Nacional. Tal atitude seria extremamente antidemocrática, pois estenderia o prazo concedido pelos eleitores aos políticos.
Outra discussão, embora desprovida de maior seriedade jurídica, dizia respeito ao modo de modificar a data das eleições. Alguns chegaram a sustentar que bastaria uma Resolução do Tribunal Superior Eleitoral, enquanto outros pretenderam que tal adiamento fosse decidido
por cada juiz dos 5.570 municípios brasileiros, com base no art. 187 do Código Eleitoral. Nenhuma das duas hipóteses poderia prevalecer, pois era clara a necessidade de aprovação de Emenda Constitucional
Emenda Constitucional
O Tribunal Superior Eleitoral, liderado por seu Presidente, Ministro Luís Roberto Barroso, teve papel fundamental na solução desse imbróglio. Barroso, com o apoio de seus pares, conversou com os Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e, seguindo a
opinião de inúmeros especialistas da área médica, propôs o adiamento por cerca de 40 (quarenta) dias. Convencidos os líderes políticos, obtiveram a aprovação da necessária emenda, de modo que o primeiro turno se realizaria em 15 de novembro de 2020. Imaginavase que, em tal data, a onda de COVID-19 já teria refreado, de modo que o risco seria menor. Na época de tal decisão, ninguém sabia, ao certo, se isso aconteceria. Apostou-se na ciência e o resultado foi excelente. De fato, os níveis da doença em 15 de novembro eram bem menores do que aqueles registrados no início de outubro.
Os problemas, no entanto, não diziam respeito apenas ao adiamento. A organização de uma eleição tão grande demandaria o envolvimento de muitos milhares de mesários e mais de 140 milhões de eleitores.
Mesmo com a COVID-19 em níveis menos alarmantes, o grande fluxo de eleitores seria inevitável, o que poderia causar um agravamento do problema sanitário. Mostrou-se eficiente a Justiça Eleitoral. Foi elaborado um plano de segurança, que previa, entre outras coisas,
horários preferenciais para votação das pessoas com maior risco, como os idosos.
Determinou-se o distanciamento social nas filas de votação, bem como o fornecimento de máscaras e álcool em gel em grande quantidade. Nesse ponto, vale mencionar a bem sucedida articulação do Tribunal Superior Eleitoral com o setor privado, que doou grande parte do
material necessário.
Por outro lado, uma bem conduzida campanha publicitária conseguiu convencer a população de que, adotados os critérios de segurança, não seria muito arriscado participar das eleições. Centenas de milhares de mesários compareceram, contrariando as afirmações de alguns, que
vislumbravam uma debandada em massa desses servidores eventuais, o que tornaria inviável a boa realização do pleito.
Outro ponto positivo na comunicação liderada pelo Tribunal Superior Eleitoral foi o comparecimento às urnas. Temia-se que a abstenção fosse muito elevada. A ausência às urnas foi de 23%. Um aumento de apenas 3 pontos percentuais em relação a 2018, quando se
realizaram eleições mais amplas, em que foram eleitos Presidente, Governadores, Senadores, Deputados Federais e Estaduais. Perceba-se que, em 2016, a abstenção foi de 17,5%. O crescimento da abstenção de 2016 para 2018 também foi de cerca de 3%.
Também parecem ter tido sucesso, embora esse dado seja de mais difícil avaliação, as medidas adotadas para evitar a disseminação de “fake news” e disparos em massa por aplicativos de mensagens. Fato é que esse assunto surgiu bem menos na mídia do que nas últimas eleições.
É fato que, no momento da apuração, houve atraso na divulgação dos resultados. Esse atraso, de menos de 3 horas, ou seja, muito pouco significativo, gerou ansiedade, pois estávamos acostumados com divulgação quase que imediata da apuração. Isso se deveu a uma
contingência da própria pandemia. Um computador de alta capacidade, adquirido pelo TSE, em um primeiro momento não suportou a enorme quantidade de dados que recebeu logo após o encerramento das votações. Foi informado que a empresa responsável pela entrega dos
computadores, em razão das dificuldades do momento atual, atrasou em alguns meses a disponibilização dos equipamentos ao TSE, o que determinou a realização de menos testes do que seria desejado. O problema, contudo, foi resolvido e, no mesmo dia da eleição, quase a
totalidade dos resultados já era conhecida.
Esse pequeno atraso, contudo, serviu para que alguns procurassem atingir a credibilidade da apuração e mesmo da urna eletrônica. Nada poderia ser mais falso. As urnas eletrônicas, como sabemos, são unidades autônomas, não conectadas à internet. Encerrada a votação, os
resultados, gravados eletronicamente em cada urna, são impressos em um boletim físico, de papel. Esse boletim é afixado na seção eleitoral e entregue aos representantes dos partidos. Esse é o resultado da votação na seção eleitoral. O que o TSE faz é apenas somar os resultados. Assim, cada candidato, munido dos resultados de cada urna, pode conferir se a soma final dos votos, apresentada pelo TSE, corresponde à soma dos resultados constantes dos respectivos boletins de urna. É muito fácil verificar a correção da totalização.
Assim, não tenho dúvida em afirmar que as eleições realizadas no dia 15 de novembro foram um sucesso atribuível, em grande parte, à atuação correta e eficiente do Tribunal Superior Eleitoral.