“L’Etat c’est moi”. A frase é atribuída ao mais absolutista dos monarcas franceses, Luís XIV, que personificou o auge do poder que se poderia ter no contexto europeu. Tamanha concentração de poder produziu, como a confirmar a terceira lei de Newton, então recém publicada, uma reação igualmente forte, que gerou a revolução francesa, a proclamação da república e ao guilhotinamento de Luiz XVI, depois de destituído do título real. Esse é apenas um dos muitos exemplos que a história humana registra sobre a sazonalidade do poder. Não custa lembrar que até o Papa foi forçado a abdicar de seu poder temporal quando o “Risorgimento” produziu o tratado de Latrão e. estabeleceu a convivência da Cidade do Vaticano com a Itália.
Mas apesar dos inúmeros registros históricos, o despreparo de dirigentes políticos – e até meros comensais – tem produzido freqüentes e pouco recomendáveis arroubos de manifesto deslumbramento com a titularidade do poder sazonal e episódico em que estão instalados. O ministro Sérgio Moro já ofereceu ao país diversas manifestações do espírito imperial que o conduz a desprezar a condição de ministro de estado para imaginar-se ministro do governo, ou do presidente. Seu tumultuado relacionamento com o Congresso decorre dessa clara incompreensão sobre a natureza do cargo que ocupa.
Isso pode ser explicado pelas considerações tornadas públicas sobre o hipotético acordo que o teriam afastado do cargo de juiz para ocupar apenas provisoriamente o cargo no ministério, posto que lhe seria destinada a primeira vaga que surgisse no STF.
Daí ele nem achar necessário despir-se da toga e acreditar que suas demandas junto ao congresso teriam força de sentença judicial, com o inequívoco “cumpra-se!” E mesmo após seguidas advertências parlamentares e de sua “promoção” a ministro do STF ter aparentemente sido volatizada pelo próprio presidente, em favor de um candidato “terrivelmente evangélico”, ele parece convencido do acerto na aplicação, na área política, dos métodos no mínimo pouco ortodoxos que adota desde Curitiba. Tamanho “cuidado” não o impediu, no entanto, de interceder junto a ministros do TSE em favor da ex-juiza e senadora cassada Selma Arruda (Podemos-MT), apelidada “Moro de saia”. Elio Gaspari observa que se alguém levasse semelhante demanda ao juiz Moro, em Curitiba, arriscava-se a receber voz de prisão.
Apesar de algumas vozes dissonantes – exceções que apenas confirmam a regra – a atitude do ministro reflete seu desprezo pela advocacia nacional e pela função constitucional da defesa, sobejamente evidenciados no texto original felizmente substituído do tal projeto anticrime. Assim como nas tais “Dez Medidas contra a Corrupção”, felizmente corrigidas na Câmara graças do empenho da OAB. O ministro não consegue compreender que a OAB não tem partido. Que nossa militância é em defesa da constituição e das leis, dos ideais democráticos e dos direitos do cidadão. Ao contrário do que parece pensar o ministro, a OAB não tem lado: tem princípios.
Foi o que o presidente Felipe Santa Cruz deixou claro ao assinalar, em resposta, que “Sou militante, mesmo. Sou militante de Direitos Humanos, das causas das mulheres, dos negros, e tenho muito orgulho disso. Não deixarei de ser militante dessas causas, não sou obrigado. Esse é o papel da OAB”. Fosse talvez melhor aquinhoado em conhecimentos históricos, o ministro da Justiça, que se nega a dialogar com quem pensa diferente, conforme ressaltou o presidente da Ordem, saberia que nem mesmo nos governos militares o governo se recusou a receber a OAB.
Mesmo durante a vigência do famigerado AI-5, nos chamados anos de chumbo, quando uma carta-bomba vitimou a secretária Lyda Monteiro de Souza na sede da OAB, no Rio. Mesmo quando o país se encaminhava perigosamente para uma ruptura institucional, os presidentes, da República e da OAB, se eximiram de suas responsabilidades para escudar-se no radicalismo. Não fosse a decisão do então presidente Raymundo Faoro de encontrar Ernesto Geisel para negociar o fim do AI-5 e a volta do HC e das eleições diretas pelo apoio da Ordem ao projeto de abertura, a história de nossa recente democracia poderia ser diferente. E ainda em uma época em que o Ministério da Justiça não tinha importância meramente protocolar ou litúrgica, o então ministro Armando Falcão, assinou o restabelecimento do Habeas Corpus com a mesma caneta que havia elaborado o projeto do “Pacote de Abril”. Quem conhece história, afinal, não se arrisca a repeti-la.