Preferi esperar pela manifestação, que até agora não veio, dos responsáveis pela ação absurdamente violenta, arbitrária e ilegal da Polícia Federal, contra o advogado e professor Valmir Pontes Filho, jurista de postura ética sobejamente reconhecida, como bem ressalta a nota de repúdio distribuída pela OAB nacional. Ele foi conduzido coercitivamente em uma investigação do STJ de um membro do Judiciário. O procedimento, claramente destinado à intimidação e constrangimento da testemunha é merecedor de absoluto repúdio e indignação em um país no qual, ao contrário do que imaginam ou pretendem fazer parecer alguns setores, vigoram a constituição e as leis na plenitude do estado democrático e de direito – não um estado policial com o qual parecem sonhar espíritos autoritários e ditatoriais em permanente e lamentavelmente sempre impunes desafios à legalidade. Tais procedimentos merecem sistemático combate não apenas por ter sido a vítima no episódio um jurista renomado, numa clara afronta a toda a advocacia brasileira. Eles fazem pender, em favor do estado acusador, o tênue equilíbrio da balança da justiça. E se abatem, deletérios, sobre a confiança do cidadão. Como acreditar, afinal, em quem comete um crime a pretexto de combatê-lo?
O Conselho Federal da OAB manifestou de pronto, em nota pública assinada pelo presidente Cláudio Lamachia, sua preocupação com o atual quadro de banalização do uso das conduções coercitivas. A figura prevista no processo penal brasileiro só deve ser utilizada após prévia intimação, em tempo razoável, e diante da resistência do intimado. Mas o caráter exibicionista e intimidatório de sua prática – sempre acompanhada da presença da mídia, indisfarçavelmente pautada – denota a contumácia da opção pela ilegalidade. A preocupação da OAB se justifica, na medida em que o procedimento envolve advogados, em clara violação das prerrogativas estabelecidas na constituição da República. A nota lembra que a Ordem continua aguardando o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 444, da qual é autora. Ela questiona exatamente o uso indiscriminado de conduções coercitivas de investigados, testemunhas e declarantes. E espera também que o episódio seja devidamente esclarecido, resguardando-se a honra, a conduta e o respeito às prerrogativas da advocacia.
Merece cuidadosa leitura da longa carta-desabafo do professor, que escreveu: “Sinto-me, e ainda me sinto, num estado policial” à moda da Gestapo ou da polícia política de Stalin”. Ele diz que por conta de uma ordem do STF, “fui objeto desse cruel constrangimento. Não teria sido melhor um simples ofício reservado para que eu me dirigisse à PF, em dia e hora determinados?”. Depois de afirmar que sua caixa de e-mails foi previamente violada, o professor disse ter respondido a mais de 50 perguntas, as mais estapafúrdias, determinadas pelo ministro: “Indagaram até se eu era amigo de políticos e autoridades”. Ele explica que “quanto a políticos, deixei registrado que conhecia o Prof. Michel Temer, que, por sinal, recentemente me havia convidado (em telefonema pessoal para o meu celular, se gravado ou não, pouco importa) para ser integrante do Conselho Fiscal de um importante banco público. A tal convite formal e expressamente recusei, todavia, por não me achar competente para a função”. Ele disse ter, inclusive, e-mails a respeito disso, mas imagina que “curiosamente” não foram “pesquisados”.
– Levei 45 anos de advocacia (pública e privada) para construir um nome pautado pela decência e pela honestidade, e eis que isto me acontece. Nunca corrompi nem fui corrompido por ninguém. Vivo uma vida simples, modesta, a lutar duramente pela sobrevivência, trabalhando de 8 a 10 horas por dia, mesmo aos 66 anos de idade. Neste momento tão amargo da minha existência, resta-me, todavia, o consolo da consciência limpa. Nada tenho, rigorosamente, a temer. Aceito ou não casos que me são submetidos somente sob certas inafastáveis condições: que eu acredite, cientificamente, na tese jurídica a ser defendida; que não me peçam para usar de imaginário (inexistente, pois) “prestígio pessoal” meu, senão (como comum advogado, não melhor do que nenhum outro) para pedir, na medida do possível, a apreciação de uma petição minha com rapidez; e que nunca me peçam ou exijam êxito, pois, como dizia meu pai, quando se entra em juízo, perde-se, quanto ao direito postulado, 50% da liquidez e 100% da certeza.
O traumático procedimento policial, apesar de não ter merecido cobertura midiática, terá reflexos danosos sobre as atividades profissionais do advogado, como assinala o professor Valmir Pontes Filho, posto serem inevitáveis “as conversas maléficas, que fluem com uma rapidez impressionante. Quem me conhece e gosta de mim, fica indignado. Quem porventura não conhece, ou não me tem bem-querer, aproveita para lançar, mesmo que sub-repticiamente, suspeitas sobre mim. E isto me dói de forma lancinante. Sempre quis deixar, para a minha mulher e para minhas filhas, netos e netas, nada mais do que um exemplo de correção. Mas, sei lá, pode ficar uma imagem equivocada a meu respeito, até com repercussões profissionais neste podre País em que estamos a viver (“… tempos estranhos, repito o que disse o Ministro Marco Aurélio…”). Meu coração e minha alma estão despedaçados, confesso. Mas confiantes em que a verdade prevalecerá! – concluiu ele.