Há indícios de plausibilidade na imensa e imponderável relação de probabilidades que se abrem a partir da legalização de um sistema absurdo, como os cursos para formação de “tecnólogos de direito”. Elas vão desde negociações e compadrio político, passam por especulações sobre recuperação e fortalecimento partidário, até chegar a estratégias pouco recomendáveis de ação política que o Brasil se esforça para banir de nossa trágica realidade. Mas em momento algum é possível identificar na proposta qualquer preocupação do MEC com a qualidade do ensino superior do País. Já disse, em artigo publicado em abril com o título Estelionato Educacional, que a mudança de governo não foi suficiente para afastar a contumácia de antigas práticas de favorecimento e compadrio, invariavelmente destinadas ao prejuízo do cidadão.
É absolutamente justificável a preocupação da OAB Paraná com a perspectiva de liberação dos cursos de tecnólogo, muitos dos quais continuam operando apesar da suspensão “para estudos” do projeto do CNE que os haveria de autorizar. Estão claramente evidenciados, na questão, o poder e a influência dos lobistas das milionárias redes particulares. A homologação dos pedidos de autorização para o funcionamento dos tais cursos superiores de tecnologia em serviços jurídicos e equivalentes, aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), em fevereiro em atendimento a pedido da Faculdade de Paraíso do Norte foi efetivada em abril deste ano.
O início das aulas havia sido negado no ano passado, mas a instituição de ensino recorreu e ganhou, conforme noticiou o site do Conjur, que acrescentou: “No dia 18 de abril, um despacho do ministro Mendonça Filho, depois revogado depois de forte resistência da OAB, homologou o parecer do CNE que aprovou o início das aulas”. Vale assinalar que o relator do parecer foi o conselheiro Joaquim José Soares Neto, recentemente empossado. Pessoa fortemente credenciada e de larga experiência nos meios acadêmicos, ele se envolve em pesquisas relacionadas à avaliação educacional há mais de 15 anos. É membro da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes). Integra o conselho científico da Associação Brasileira de Avaliação Educacional. Foi presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. No entanto, é graduado em Física.
É claro que isso não o descredencia a emitir parecer sobre questões relacionadas à profissão de advogado, mas sua formação acadêmica, com doutorado na Aarhus University, na Dinamarca, e pós-doutorado no Califórnia Institute of Technology, nos Estados Unidos, bem como seus vários trabalhos publicados sobre física teórica, o credenciam mais à área de Ciências Exatas do que de Humanas. Ademais, sua larga experiência em avaliação escolar deveria conduzi-lo antes a apoiar as antigas reivindicações da OAB relacionadas à má qualidade do ensino jurídico no país. A questão foi avaliada em nota pública da OAB, equipara a iniciativa ao “mesmo princípio que ao longo das últimas duas décadas mercantilizou o sistema educacional, colocando o padrão de qualidade de ensino e de reconhecimento aos professores em patamar secundário.
– Exemplo claro disso é o absurdo volume de novos cursos de Direito que foram criados sem que requisitos mínimos de qualidade fossem exigidos.
O resultado dessas atitudes temerárias é observado com frequência nos exames de proficiência realizados com os bacharéis que depositaram seus sonhos em busca de formação profissional, mas acabaram sendo vítimas de um verdadeiro estelionato educacional, promovido pela ganância de instituições que buscam apenas o lucro, e a leniência do próprio Ministério da Educação, não levando em consideração os pareceres da OAB pela negativa na abertura de novos cursos de Direito no Brasil.
A preocupação da OAB, manifestada por todas as representações nos estados, justifica-se plenamente na medida em que o prazo estabelecido pelo MEC para reavaliação da proposta se aproxima da conclusão. Até porque o “Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular”, composto por uma série de associações, sindicatos e federações do setor, é favorável à medida e mostra disposição de continuar a defendê-la. A entidade assinalou que o Conselho Federal (da OAB) não tem “a palavra final” sobre o tema, pois cabe ao CNE e outros órgãos do Ministério da Educação o poder de estabelecer diretrizes educacionais em qualquer área do conhecimento humano. Fica evidente aí a divergência de enfoque: a entidade preocupa-se exclusivamente com o que o acadêmico representa no faturamento de seus associados, enquanto a OAB observa a qualificação do profissional e os efeitos que sua formação pode produzir.