É intenso o debate, ainda, a respeito da isenção fiscal instituída pela Lei 2.538, de 11 de agosto de 2011, no sentido de conceder beneficio fiscal do ICMS (dispensa legal) para aquisição de mercadorias destinadas às Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau no Rio Madeira.
Loas ao Ministério Público do Estado de Rondônia que ajuizou medida judicial alegando que a isenção fiscal contraria, em síntese, as seguintes questões: a) violação ao aspecto material (fato gerador) da hipótese de incidência tributária do ICMS, b) violação a instrumentalidade e formalidade em razão do Convenio autorizativo, c) ausência de previsão legal, d) renúncia de receita com violação a lei de responsabilidade fiscal, e) violação ao princípio da moralidade administrativa, f) violação ao princípio do interesse público sobre o privado, g) violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Pretendemos, em poucas linhas, direcionar o debate para outro enfoque: o direito tributário ambiental.
Com efeito. Sabendo-se que a “sociedade de risco”[1] compromete a própria existência do ser humano com visível processo de degradação ambiental, conseqüência do uso imoderado e ilegal de recursos naturais, impõe-se a adoção de políticas públicas no sentido de preservação do meio ambiente.
O crescimento econômico desordenado, o modelo de desenvolvimento da sociedade atual, o surgimento de novas tecnologias, a “tensão existente entre o meio ambiente e desenvolvimento econômico”[2] contribuem substancialmente para o agravamento do problema.
Sendo assim, o Estado tem o dever de desempenhar e executar políticas públicas que estimulem o desenvolvimento econômico, de forma sustentável, e, ao mesmo tempo protejam de forma efetiva o meio ambiente.
Nestes termos, surge o enfrentamento da questão a respeito da legitimidade jurídica do benefício de ICMS em comento, tendo como paradigma a extrafiscalidade tributária dos tributos ambientais.
A administração tributária não pode (não deve) se distanciar da tese de que a extrafiscalidade tributária é um excelente instrumento a disposição do Estado para intervenção em condutas pontuais de particulares que possam prejudicar a sociedade como um todo.
Roque Antonio Carraza leciona que: “Há sempre a extrafiscalidade quando o legislador aumentar ou diminuir as alíquotas e/ou as bases de cálculo dos tributos, com o objetivo principal de induzir os contribuintes a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa”.[3]
A extrafiscalidade, que não se confunde com a função fiscal de abastecimento dos cofres públicos, é uma forma de categoria autônoma de ingressos públicos, como forma de induzir ou reprimir comportamentos.
É evidente – e não se propõe omitir – que o Estado tem o dever de implantar um desenvolvimento econômico de forma sustentável.
O Estado é o responsável pela garantia dos princípios de livre iniciativa econômica previstos no artigo 170 da Constituição Federal, sendo seu dever, sempre que necessário, intervir na economia para induzi-la à proteção ambiental, garantindo que o desenvolvimento econômico respeite os níveis aceitáveis de danos ao meio ambiente, em ação de respeito aos deveres impostos pelo art. 225 da Constituição Federal.
Almeja-se a reflexão de alguns princípios: poluidor-pagador[4], custo-benefício[5], teoria da precaução, sociedade de risco[6], dentre outros.
Entende-se, data vênia, que a isenção fiscal instituída pela Lei 2.538, de 11 de agosto de 2011, no sentido de conceder beneficio fiscal do ICMS (dispensa legal) para aquisição de mercadorias destinadas às Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau no Rio Madeira contraria tanto as questões jurídicas já levantadas na comunidade jurídica, como o próprio direito tributário ambiental, o artigo 225 da Constituição Federal, a extrafiscalidade dos tributos ambientais, bem como o princípio da capacidade contributiva previsto no artigo 145, § 1º, da Constituição Federal que recomenda que sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, que, presume-se, parece não faltar aos consórcios vencedores daquele certame do setor elétrico.
Segundo vozes do próprio Supremo Tribunal Federal “…Prevalece a ordem natural das coisas cuja força surge insuplantável; prevalecem as balizas constitucionais e legais, a conferirem segurança às relações Estado-contribuinte; prevalece, alfim, a organicidade do próprio Direito, sem a qual tudo será possível no agasalho de interesses do Estado, embora não enquadráveis como primários”. (RE 116.121/SP).
*É especialista em Política e Direito Tributário. Professor de direito tributário da Universidade Federal de Rondônia.
[1] MOTA, Maurício. O princípio da precaução em direito ambiental. Revista de Direito do Estado. Rio de Janeiro, v.1, out.-dez., 2006 p.3.