A luta contra a corrupção e em defesa da moralidade pública no país conquistou uma retumbante vitória com a aprovação, pelo Conselho de Ética da Câmara, do relatório do deputado Marcos Rogério, que pede a cassação do mandato do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha. Mas – que ninguém se iluda – foi apenas uma batalha de uma guerra que se anuncia longa. Os otimistas acreditam que vai demorar pelo menos 15 dias para que o processo seja levado à votação no plenário. Os realistas, no entanto, calculam que a decisão da Comissão de Ética ainda vai demandar prazo de pelo menos dois meses para ser levada à votação. Isso se não chegar desvirtuada pela Comissão de Constituição e Justiça. Há, porém, uma terceira variante nesse raciocínio: a prisão de Eduardo Cunha já foi pedida pelo procurador Rodrigo Janot ao STF. E apesar do ministro Teori Zavascki ainda não ter de manifestado, ou até exatamente por isso, a defesa do deputado já fala sobre delação premiada.
De qualquer forma, o surpreendente resultado da Comissão de Ética – na qual o relatório do deputado rondoniense Marcos Rogério foi muito elogiado pelo cuidadoso trabalho e forte embasamento legal – foi um duríssimo golpe aplicado a um adversário poderosíssimo que, mesmo afastado pelo Supremo, ainda comanda uma legião de seguidores. Seus aliados parecem preferir a perspectiva de resultados adversos nas eleições municipais de outubro, nas quais todos os parlamentares procuram solidificar as bases para pavimentar o caminho da própria reeleição, do que correr o risco de ficar contra e serem listados entre os ameaçados por ele. Cunha, afinal, já disse que “se cair, levo pelo menos cem deputados comigo”. A razão de tamanha quantidade de políticos envolvidos em “malfeitorias” (como eles preferem classificar a corrupção) tem origem no financiamento das campanhas milionárias por empresas interessadas em obter favores do governo. Vale lembrar que a OAB lutou no STF contra as doações empresariais e merece os créditos pela proibição.
E muito embora os empresários aleguem terem sido extorquidos, a tal “corrupção por indução” somente existe em um raciocínio muito particular, pois, na verdade, o alvo sempre foi o dinheiro público. Mas isso não é como a jabuticaba, que só tem no Brasil. O próprio Gherardo Colombo, ex-juiz da corte suprema italiana, que teve forte atuação por lá na Operação Mãos Limpas (que inspirou a Lava Jato) disse em entrevista ao Estadão/SP que não havia vítimas entre os empresários italianos: “Algum pode ter sido, mas, no geral, os empresários, por meio da corrupção, obtinham recursos públicos que, sem isso, não teriam. A corrupção trazia vantagem, seja para o funcionário ou o político que recebiam o dinheiro, seja para o empresário, que pagava. E o custo da propina era sustentado pelos cidadãos”.
Nesse jogo sujo Eduardo Cunha era um mestre. Segundo Reinaldo Azevedo, Cunha é o triunfo da falta de escrúpulos, da ausência de limites, do pragmatismo mais cego. Ele expõe de tal sorte o amoralismo da política que nos deixa enfarados, enfastiados, com o saco cheio. Cunha leva ao limite do insuportável as franjas da ética. Outra explicação para uma pergunta recorrente sobre o que teria levado tantos políticos ao envolvimento com a corrupção é até mais simples: eles não consideram crime o recebimento de doações, não importa a origem do dinheiro. Consideram que o fim justifica os meios, ou seja, que para trabalhar em favor da sociedade precisam de dinheiro para a eleição. Estão errados. A Operação Lava Jato comprova isso. A lei vale para todos!
O certo é que levantamentos realizados entre as lideranças partidárias apontam a existência de 273 votos favoráveis à cassação de Cunha – 16 a mais que o necessário – no plenário da Câmara. “É um bom exemplo” – disse o presidente nacional da Ordem ao comentar a decisão pela cassação. Para ele, “a votação do Conselho de Ética contribui para a Câmara dos Deputados recuperar a altivez que lhe é devida. A permanência de Eduardo Cunha no mandato é uma afronta ao Estado Democrático de Direito. Espero que o plenário da Câmara confirme a decisão e casse o mandato do deputado Eduardo Cunha”. O país inteiro espera isso. A cassação de Cunha, não importa o destino que lhe seja dado após enfrentar a justiça como cidadão comum, com o devido processo legal que lhe assegure amplo direito à defesa, não representa uma solução para a corrupção na política. Mas não deixa de ser um excelente começo.