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Artigo: “Hipóteses de afastamento do servidor público do cargo em caso de envolvimento em conduta tida como criminosa”, por Gilberto Barbosa

Página Inicial / Artigo: “Hipóteses de afastamento do servidor público do cargo em caso de envolvimento em conduta tida como criminosa”, por Gilberto Barbosa

Gilberto Barbosa é desembargador do TJRO

Gilberto Barbosa é desembargador do TJRO

Prevê o artigo 26 da Lei Complementar 68/92[1], que dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis do Estado de Rondônia, das Autarquias e das Fundações Públicas, quatro hipóteses para afastamento do servidor público do cargo: (a) ser ele preventivamente preso; (b) ser denunciado por crime comum; (c) ser denunciado por crime funcional; (d) ser condenado por crime inafiançável em processo em que não haja pronúncia.

Na primeira hipótese, o servidor, por estar preso, evidentemente não poderá comparecer ao seu local de trabalho. Portanto, no período de confinamento, forçosamente terá de ser afastado do exercício do cargo.

No caso de denúncia por crime comum ou contra a Administração, parece, entretanto, ter o legislador exorbitado na previsão de afastamento.

A toda evidência, o afastamento provisório não é pena por ter o servidor praticado ação criminosa, muito menos por estar respondendo a ação penal.

Por outro norte, há que se ter em conta que a Constituição da República estabelece, com todas as letras, no inciso LVII, do artigo 5º, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, consagrando, pois, o princípio da presunção de inocência, próprio, aliás, do Estado de Direito.

Por isso, o afastamento provisório do cargo há de ser compreendido como resguardo dos interesses da Administração que se obriga a distanciar o servidor faltoso do seu local de trabalho para impedir que crie óbices a uma possível apuração da falta em processo administrativo, ou mesmo que dificulte a colheita de provas a ser utilizada na própria ação penal.

Sendo assim, não se justifica o afastamento no caso de prática de crime comum, pois, indiscutivelmente, não há prejuízo para a Administração, tampouco interesse dela em manter o servidor afastado provisoriamente do cargo por ter sido denunciado, por exemplo, pela prática de lesão corporal de natureza grave (punível com pena mínima de dois anos e, por isso, incluído na hipótese de afastamento aqui tratado).

Neste caso a prova, evidentemente, não seria colhida no seio da Administração a recomendar, por cautela, o afastamento do agente público para não interferir na instrução processual, o que torna desnecessária, sem dúvida, esta grave medida de caráter provisório.

O mesmo não se pode afirmar quando o crime praticado pelo servidor seja contra a Administração Pública, como, por exemplo, corrupção, fraude ou peculato.

Nestas hipóteses, sem que se pense em ofensa à presunção de inocência, de todo conveniente o seu afastamento, mesmo que ainda não haja condenação com trânsito em julgado.

É que, neste caso, o afastamento se justifica para coibir que o servidor, de alguma forma, possa escamotear provas ou mesmo dificultar sua produção, pois, no cargo, teria livre acesso a documentos, podendo alterá-los ou mesmo destruí-los.

E mesmo nesta hipótese, quer me parecer exagerada a previsão de afastamento até que ocorra o julgamento da ação penal.

Aqui o legislador não foi feliz e, certamente, carregou nas tintas ao espichar o afastamento por período demasiadamente longo.

Se a finalidade da medida cautelar é garantir a apuração dos fatos, melhor seria que o legislador tivesse estipulado prazo máximo para o afastamento, a exemplo do que previu no artigo 191 deste mesmo Regime Jurídico ao tratar da suspensão preventiva no processo administrativo disciplinar. Isso evitaria o desnecessário afastamento do servidor por longo tempo.

Comentando a Lei de Improbidade Administrativa, afirma Mauro Roberto Gomes de Mattos que o parágrafo único do artigo 20 estipula que autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da sua remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.

Diz ele que, se o agente público não interfere nos trabalhos, o seu afastamento liminar possui o condão de conferir férias ao investigado, que deixa de trabalhar e no final do mês recebe os seus vencimentos integrais, em igualdade de condições com o agente público que trabalha normalmente.

Indaga se é prêmio ou punição o afastamento nestas condições, concluindo parecer prêmio, tendo em vista que o agente público recebe seus estipêndios integrais e não trabalha.

É que o princípio da moralidade, norma assente no caput do artigo 37 da CF exige do Administrador Público uma submissão ao interesse público, afastando o agente público que realmente atrapalha ou influencia a instrução processual.

Pondera que, sem limitação do prazo de afastamento ele se transformará em instrumento de burla ao caput do art. 20, eis que por via transversa estar-se-ia retirando a função pública do agente público investigado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.

E arremata afirmando que, como a Lei de Improbidade Administrativa não traz no parágrafo único tal precaução, ela deverá ser interpretada com restrições, para que o afastamento do exercício do cargo ou função não se configure como uma forma de ludibriar o disposto no caput do art. 20 e manter o agente investigado afastado ad eternum.

Para o doutrinador, o afastamento sub oculis deverá ser exaustivamente analisado, extraindo-se a realidade de cada caso para enquadrar-se o interesse público.[2]

Não bastasse a possibilidade de afastamento demasiadamente prolongado no tempo, há que se considerar se realmente há efetiva possibilidade de o servidor atrapalhar a instrução do processo, seja administrativo, ou penal.

E, convenha-se, não é bastante para justificar o afastamento a singela possibilidade de o agente faltoso atrapalhar a colheita de provas.

No que concerne à improbidade administrativa, a jurisprudência já está sedimentada neste sentido:

“PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO – LEI Nº 8.429/92 – ATO DE IMPROBIDADE – AFASTAMENTO DE VEREADOR E SERVIDORES PÚBLICOS EM SEDE DE CAUTELAR. 1. Ausência de ‘fumus boni iuris’. 2. Cautelar que não tem pertinência indeferida liminarmente. 3. Agravo regimental improvido. ”[3]

Como se vê, evidencia-se, às escâncaras, a ofensa ao princípio da razoabilidade por não se vislumbrar finalidade plausível no afastamento provisório do servidor que esteja respondendo ação penal pela prática de crime comum ou, no caso de crime contra a Administração Pública, por não se ter estabelecido prazo máximo. Por isso a medida preventiva desnuda antecipação de pena, o que, repise-se, não se pode tolerar.

Por outro lado, o dispositivo não se refere à continuidade do pagamento dos vencimentos do servidor neste período de afastamento.

A toda evidência, há que se considerar, em homenagem à presunção de inocência e à irredutibilidade de vencimentos, que o agente público, mesmo afastado do cargo, a exemplo do que dispõe o parágrafo único, do artigo 20 da Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), deverá continuar recebendo sua remuneração sem que sejam descontadas, inclusive, as vantagens pessoais.

O legislador rondoniense andou melhor quando tratou da suspensão preventiva em processo administrativo disciplinar, pois estabeleceu que não haverá prejuízo da remuneração.

Assim, mesmo diante do silêncio a respeito da remuneração no afastamento aqui tratado, há de se considerar que, a exemplo do que prevê o artigo 191 deste Regime Jurídico e em homenagem à presunção de inocência, há de se entender que o afastamento ocorrerá sem prejuízo da remuneração do servidor.

Neste sentido tem decidido o Superior Tribunal de Justiça:

“A jurisprudência é pacífica quanto à impossibilidade de redução salarial em casos de afastamento de servidor público denunciado pela prática de crime. Os mesmos precedentes ressalvam a supressão de vantagens vinculadas ao efetivo exercício, como, no caso, a produtividade fiscal. Interpretação que merece reparo, no que diz respeito à cessação da atividade contrária à vontade do servidor, por violar os princípios da irredutibilidade de vencimentos e da presunção de inocência, eis que constitui antecipação de cumprimento de eventual decisão judicial, sem trânsito em julgado. Há que se verificar, quanto à gratificação de desempenho fiscal, que a atividade cessa apenas por conveniência da administração, sem benefício ao servidor, que se vê impedido de efetivar sua produtividade, antes de qualquer condenação definitiva. Recurso provido.” [4]

Resta analisar o afastamento quando houver condenação por crime inafiançável em processo em que não haja pronúncia.

Considerando que o afastamento provisório só se justifica quando se cuidar de crime contra a Administração – e mesmo nesta hipótese, para garantia da instrução do processo administrativo ou penal –, não se pode conceber razoável o afastamento quando já encerrada a instrução, agora como espécie de pena acessória à condenação criminal sofrida pelo servidor.

Nesta hipótese, convenha-se, não há mais falar em afastamento. Caso o atuar do servidor se revele incompatível com sua permanência no serviço público, há que se aplicar, evidentemente como decorrência de processo administrativo disciplinar, a pena de demissão e excluí-lo, em definitivo, do serviço público, isso se na condenação já não estiver contida a perda do cargo, ressaltando, para tanto, que prevê este Regime Jurídico ser punível com a pena de demissão a prática de crime contra a Administração Pública.

Há que ser lembrado, pela pertinência, que a punição administrativa é distinta da penal, podendo, por isso, ser aplicada sem que se tenha findado a apuração na esfera judicial.

Portanto, foi de todo infeliz, a meu sentir, o legislador na redação deste dispositivo.

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1 – “Art. 26 – Preso preventivamente, denunciado por crime comum, denunciado por crime funcional ou condenado por crime inafiançável, em processo no qual não haja pronúncia, o servidor fica afastado do exercício de seu cargo até decisão final transitada em julgado. Parágrafo único – No caso de condenação, não sendo esta de natureza que determine a demissão do servidor, continua o afastamento até o cumprimento total da pena, observado o disposto no artigo 273 deste Estatuto.”

2 – O Limite da Improbidade Administrativa, América Jurídica, 3ª edição, 2006, pp. 747/748.

3 – STJ – AGR na MC 3.063/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 21.09.2000.

4 – STJ – ROMS nº 13.467, Sexta Turma, Rel. Min. Paulo Medina, j. 25.06.2004.

Fonte da Notícia: Giberto Barbosa, desembargador do TJRO

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