A ausência de uma personalidade ilustre foi, sem dúvida, melancolicamente registrada nas comemorações do 103º aniversário do município de Porto Velho, nessa segunda-feira. O mais longevo companheiro de jornada da cidade não circula mais entre nós. O jornal Alto Madeira circulou pela última vez no dia 1º. Foi uma morte anunciada, mas nem por isso menos sentida por tantos que o acompanharam na tarefa de registrar em suas páginas o cotidiano da história. Claro que é justa e merecida a festa de aniversário. Porto Velho é hoje uma cidade que reflete a confiança no futuro glorioso que lhe está reservado.
Aos 103 anos a capital rondoniense ostenta claramente indicativos de consolidação ainda maior de sua economia, graças à força de trabalho de seu povo. Ao contrário de outras regiões mais abastadas que vivem dramáticas dificuldades em decorrência das crises econômica e institucional que se abateram sobre o país. Mas a celebridade ausente com certeza deslustrou-lhe um pouco o brilho da festa. Aproprio-me, respeitosamente, para adaptar à realidade, do pensamento de Bob Marley, e assegurar que o Alto Madeira viveu, sim, para fazer sua presença ser notada e, sem qualquer dúvida, sua falta será sentida.
Não há que se falar em culpados ou apontar responsabilidades e falhas que conduziram a esta sensação de perda irreparável de tantos quantos são dotados de sensibilidade suficiente para abrigar esta sensação dolorosa de perda irreparável pela ausência do vetusto companheiro do café da manhã. E, apesar de saber, como escreveu Ciro Pinheiro, que, “depois dos cem anos, o remar da canoa tendia para o fim da viagem”, isso, contudo, não nos conforta, posto que o Alto Madeira leva consigo nossas melhores lembranças. E nos deixa na companhia do vazio na alma que as mudanças dolorosas normalmente provocam.
O Alto Madeira percorreu com determinação os caminhos aos quais foi conduzido por uma realidade tão dramática quanto irreversível. “Testemunha ocular da história” – para aproveitar o slogan do Repórter Esso, extinto em 1968 – o Alto Madeira esteve presente, desde sua criação, por Joaquim Augusto Tanajura, em 15 de abril de 1917. Dois episódios emolduram e justificam bem a associação com o histórico noticiário que revolucionou o rádio no Brasil. Registra “O Globo” que a Rádio Tupi, com base em informações da Associated Press, foi a primeira a anunciar o fim da Segunda Guerra Mundial. Mas somente dois dias depois, quando o Repórter Esso noticiou o fim do conflito, os cariocas saíram às ruas para comemorar.
O jornalista Ciro Pinheiro lembra, para mostrar a importância do Alto Madeira, ter publicado em 1972 o que era um simples boato: a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré seria desativada, por completo, pelo governo federal. Ele conta que nem se preocupou em colher detalhes: correu à redação e, no dia seguinte, o jornal circulou com a manchete: “O apito final”. Pouco tempo depois a administração da ferrovia publicaria convite para a solenidade de encerramento das atividades da Madeira-Mamoré, marcada para o dia 10 de julho. Alguém pode considerar exagerada a comparação do fim da guerra com a paralisação da EFMM. Pode-se assegurar que, em Porto Velho, a notícia da ferrovia teve repercussão muito maior.
Não há, porém, como deixar de associar a longevidade do periódico à personalidade de seu diretor, Euro Tourinho. Muito antes de pisar na redação, o destino inexorável já apontava o rumo de sua vocação. Lembra o jornalista, escritor e professor Sílvio Persivo, no livro “Euro Tourinho – a samaúma da imprensa amazônica, que, em 1931, quando aguardava com seus pais, no Rio de Janeiro o embarque no navio que haveria de levar a família a Belém do Pará, o jovem Euro acompanhou a histórica inauguração da Imagem do Cristo Redentor. A iluminação foi acionada, do Vaticano, por ondas de rádio, pelo Papa Pio XI, na companhia do cientista Gugliemo Marconi, o inventor.
A iniciativa do evento foi coincidentemente de Assis Chateaubriand. E a figura emblemática de Euro Tourinho não se desviou um milímetro do que o destino lhe reservou. Acompanhou “in loco” todos os grandes acontecimentos políticos do Estado. E, com a companheira de toda a vida, Sra. Maria Kang Tourinho, sempre prestigiou os mais destacados eventos sociais da cidade. Merece, portanto, ser amplamente reverenciado este cidadão que, com sua família, conduziu por tantos anos o jornal. E que permaneceu inarredável até mesmo na expedição do derradeiro exemplar.
O Alto Madeira fará falta sempre. Muita falta.