A emergência das chamadas “novas tecnologias” e a radical dominância assumida pelos signos, antes limitados a ambientes espacialmente restritos, mas que hoje circulam com a velocidade da luz pela rede mundial, são eventos de amplas consequências. Como ensina Jacques Fontanille, em “Les espaces subjectifs”, seus reflexos “convocam os estudiosos de Semiologia para tarefas sempre mais necessárias e prementes no desenvolvimento de ferramentas conceituais para a melhor compreensão e mais adequado esclarecimento dos fenômenos principalmente comunicacionais”. E não apenas isso: é preciso testá-las e aplicá-las, para resguardar a sociedade de incontáveis novos signos que serão criados a partir de então. Estará a sociedade preparada para tanto?
Tal inquietação está na origem do convite formulado pela OAB Rondônia ao ouvidor-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luiz Cláudio Allemand, para proferir palestra sobre o “Poder Judiciário e a Sociedade Participativa na Era da Informação”. Mestre em Direito Tributário, Luiz Cláudio Allemand é conselheiro no CNJ indicado pela OAB. Ele destaca que o conceito de sociedade da informação se assenta em um modo de desenvolvimento social e econômico no qual a informação desempenha papel fundamental para a produção de riqueza e contribuição para o bem-estar e qualidade de vida dos cidadãos. E salientou o efeito da opinião pública sobre os julgadores, com o auxílio das mídias sociais.
De fato, embora obviamente indispensável ao cotidiano de um país que ostenta 100 milhões de usuários apenas no Whatsapp, a tecnologia digital mostra indicativos de ter atropelado um Brasil analógico, claramente despreparado para absorver e digerir tamanha carga de signos. Está claro que, para haver comunicação é preciso existir o conhecimento de um código pelas duas partes envolvidas na situação comunicativa: quem envia a informação e quem a recebe. É aí que o País tropeça, na medida em que se quem emite a informação não é suficientemente conhecedor dos códigos e principalmente dos signos a ela relacionados, imagine-se quem a recebe. Desde o início do século XX, quando as sociedades mais adiantadas do planeta imaginavam ingenuamente poder escolher o tipo de tecnologia que iriam utilizar, até os nossos dias, as grandes revoluções na área da tecnologia vêm marcando nossas vidas, como jamais visto antes em qualquer outro período de nossa evolução.
Mas, assim como há cem anos, continuamos presos ao mesmo dilema moral relativo ao uso da tecnologia: quem decide como a tecnologia afeta nossas vidas? Perdemos muito de nossa ilusão sobre a capacidade de controlar o progresso técnico – e esse parece ser um dos grandes problemas de nosso tempo. Por mais conscientes que sejamos acerca dos perigos de um desenvolvimento tecnológico sem parâmetros morais confiáveis, o que estamos fazendo para evitar que esse mesmo progresso seja a causa de nossa incivilidade? Para nós, juristas do século XXI, o progresso técnico surge como uma esperança mesclada em um grande emaranhado de suspeitas. Em um país com mais de 100 milhões de processos judiciais, a virtualização abre perspectivas de efetividade jamais consideradas.
O mesmo roteiro coloca também, entre as partes e o julgador, novas personagens cujos papeis não são bem compreendidos. Quem é o árbitro de nossos problemas? Quem controla o “sistema”? Quem liga e desliga, quando necessário? Quem legitima – e por que meios – aquele que realmente resolve os problemas? Desde que estamos interessados no desenvolvimento de uma democracia real, com amplo acesso à justiça e efetiva igualdade nos processos de construção da vontade pública, de que forma devemos organizar os meios tecnológicos de nossa interação para atingir esse fim? Acredito que o primeiro grande passo é não perdermos de vista que o poder não vive para si mesmo. Qualquer tecnologia a serviço da efetividade do poder também deve estar, prioritariamente, a serviço das pessoas a quem esse mesmo poder foi constituído para servir. À OAB compete a responsabilidade de lutar pela conformidade de todos os procedimentos públicos aos princípios democráticos sob os quais nossa sociedade escolheu viver. Essa é a medida justa de nosso relacionamento com o progresso e a única condição que nos autoriza a seguir adiante.