“Achávamos que tínhamos derrubado a ditadura. Cometemos um erro. Porque os ditadores de espírito nunca morrem, eles estão sempre aí. Estão aqui neste momento, alguns deles. Esperando a hora de voltar, sempre”. A constatação, do desembargador Lédio Rosa de Andrade, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ilustra a apreensão do mundo jurídico nacional com a instalação de fato do estado policial no País, contra o que já nos manifestamos reiteradamente aqui para insistir: só existe um caminho para combater a corrupção e a impunidade no Brasil. E ele passa obrigatoriamente pelo estrito respeito aos princípios constitucionais, às leis e ao estado democrático de direito. Qualquer coisa fora disso não apenas resulta em novos crimes, como também apequena a justiça.
A morte do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, que cometeu suicídio por, segundo suas próprias palavras, não conseguir suportar a degradação moral por ter sido preso e proibido de entrar na Universidade, acusado de “obstrução da justiça” foi consequência perversa daquilo contra o quê advertiu o desembargador, que foi ainda além para esclarecer que “Em nome da liberdade de imprensa, se exerce a liberdade de empresa privada para impor desejos privados à coletividade. Em nome da liberdade de julgar, neofascistas humilham, destroem, matam”. Um bilhete encontrado no bolso da jaqueta que o reitor usava no momento do suicídio dizia que “A minha morte foi decretada quando fui banido da Universidade!”.
Sobre o professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo não pesava nenhuma acusação de corrupção. A denúncia contra ele foi por “não ter dado sequência ao processo administrativo de apuração” de casos de corrupção ocorridos antes de ele assumir a reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, nos quais não teve qualquer participação. Mesmo assim foi preso provisoriamente, impedido de ingressar na Universidade e teve sua imagem brutalmente exposta. Assistimos no Brasil à banalização das prisões provisórias e das conduções coercitivas abusivas, realizadas quase sempre de forma espetacular e midiática, sem nenhuma preocupação com a preservação da imagem daqueles que sequer culpados podem ser considerados.
A repercussão da tragédia provocou imediata reação das associações de juízes, procuradores e delegados, para emitir nota na qual repudiam “as afirmações de eventuais exageros na Operação Ouvidos Moucos. Ao contrário do que vem sendo afirmado por quem quer se aproveitar de uma tragédia para fins políticos, no Brasil os critérios usados para uma prisão processual, ou sua revogação, são controlados, restritos e rígidos. Uma tragédia pessoal não deveria ser utilizada para manipular a opinião pública, razão pela qual as autoridades públicas em questão, em respeito ao investigado e a sua família, recusam-se a participar de um debate nessas condições”. A nota faz, em favor de seus representados, um exercício do direito de defesa que em momento algum foi concedido ao reitor, que foi denunciado pela corregedoria da própria universidade,
A acusação era de não ter dado sequência ao processo que apurava casos de corrupção antes dele ser reitor e nos quais não teve qualquer participação. Mesmo assim foi preso provisoriamente, impedido de ingressar na Universidade e teve sua imagem brutalmente exposta em verdadeiro justiçamento público. A precipitação da delegada federal Erika Marena, que pediu a prisão, e da juíza Janaína Cassol Machado, titular da 1ª Vara Federal de Florianópolis, que a decretou não permitiu que fosse levado em conta o clima de verdadeira guerra de facções que impera nas universidades públicas brasileiras, sobejamente registrado no noticiário.
A manifestação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e o Colégio de Presidentes de Seccionais define a situação no país reflete com clareza esta realidade perversa: “Assistimos no Brasil à banalização das prisões provisórias e das conduções coercitivas abusivas, realizadas quase sempre de forma espetacular e midiática, sem nenhuma preocupação com a preservação da imagem daqueles que sequer culpados podem ser considerados”. Tal indignação foi igualmente manifestada pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, para quem uma das possibilidades de impor freios aos excessos da investigação está no projeto de lei que pune abuso de autoridade. “Uma lei contra abusos de autoridade tem por objetivo, exatamente, coibir esse tipo de distorção — em que se transita entre a ilegalidade e a desumanidade” – sentenciou.