É fundamental a mobilização da advocacia brasileira para reagir contra a verdadeira campanha nacionalmente desenvolvida para que o senhor Presidente da República vete integralmente ou quase o projeto de lei de abuso de autoridade aprovado pela Câmara. Os advogados devem estar atentos inclusive para, na eventualidade de veto, conseguir sua derrubada na Câmara. É preciso deixar claro que a lei em nada interfere na operação lava jato, mas impõe que sejam respeitados os parâmetros constitucionais nas investigações, exigência que sempre pautou a atuação da categoria, contra a criminalização do advogado e restrições ao direito à ampla defesa.
Especialmente apontado pelos defensores do veto presidencial, o Art. 43 estabelece que “A Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 7º-B: “Art. 7º-B. Constitui crime violar direito ou prerrogativa de advogado previstos nos incisos II a V do caput do art. 7º: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.” Tamanha indignação apenas comprova a sistemática violação das prerrogativas da advocacia em favor do cidadão. Não se sabe se por deliberação ou desídia, a análise enviada pelo Ministério da Justiça ao presidente diz que tal artigo institui um desequilíbrio da ação penal “em favor do Ministério Público.
O documento, produzido segundo Sérgio Moro, pela assessoria especial do Ministério da Justiça, é basicamente o mesmo enviado aos deputados – e rejeitado. Diz ele, textualmente, sob o título “Violação de prerrogativa de advogado”, que o artigo 43 da Lei de Abuso deveria ser excluído: “O dispositivo insere um novo artigo na Lei 8.906, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. O texto configura como crime violar alguns direitos e prerrogativas dos advogados”
Para a Assessoria Especial do Ministério de Justiça, o dispositivo geraria “um fortalecimento extremo do Ministério Público(?) e um enfraquecimento do juiz, que perderia a sua imparcialidade”. O que o artigo busca, na verdade, é exatamente o restabelecimento do equilíbrio constitucional de forças entre acusação e defesa, hoje claramente pendente em favor do estado acusador até na composição dos lugares nos julgamentos.
A circunstância não escapou à observação do relator do projeto, deputado Ricardo Barros, que elaborou parecer, a pedido do presidente Rodrigo Maia, para dizer que as prerrogativas dos advogados estão “intimamente ligadas ao direito de defesa do cidadão, que, em regra, é a vítima dos crimes de abuso de autoridade”. Ele insiste que a intenção do Congresso não é “frear o combate à corrupção e à criminalidade em geral”. E rebate 15 pedidos de vetos: “Causa estranheza que uma pequena parte dos membros das carreiras do Judiciário e do Ministério Público se insurja contra a nova lei. Por qual razão deveriam temer as novas regras, se eles mesmos serão os seus principais intérpretes e aplicadores?”, diz o relator.
São elucidativas, nesse sentido, manifestações de procuradores da lava jato e do próprio ministro Sérgio Moro, que confirmam as denúncias distribuídas pelo site Intercept Brasil, obtidas ilegalmente – vale destacar – pela invasão de aparelhos celulares. As conversas publicadas apontam ilegalidades em série cometidas pelo então juiz Sérgio Moro, pelo procurador Deltan Dallagnol e outros membros da equipe de Curitiba. Tudo somado, fortalece ainda mais a necessidade de sanção da lei de abuso em sua integralidade.
Há quem acredite ser “normal” a conversa entre juiz e promotor. O próprio Moro, que antes se negava, até com indignação, a comentar as denúncias, já considerou que foi por “um descuido” que repassou informações via Telegram a Dallagnol. Agora declara, como fez em audiência na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que o ato foi “trivial” e “corriqueiro”. Observe-se que não se tem notícia de que algum advogado possa ter sido beneficiado por alguma dessas “trivialidades”.
Já escrevi aqui que não se pode usar o crime para combater criminalidade. Pois se a lava jato for prejudicada de alguma forma pela lei de abuso de autoridade isso pode ser creditado à conta dos próprios integrantes da equipe, que sabiam dos abusos, conforme atestam as mensagens publicadas, mas estavam convencidos de que os fins justificam os meios. Bolsonaro admite hoje vetar nove artigos do projeto, “para atender Moro”. Caberá aos deputados a derrubada dos eventuais vetos, “para atender à população”.
Afinal, se os procuradores e o próprio Moro admitem, com justificativas pueris, a veracidade das conversas vazadas, quem haverá de duvidar? Ainda que por “razões de consciência” de que foi acometida agora a procuradora Jerusa Viecili. Ou em “contexto de informalidade”, como tentou explicar Deltan Dallagnol. Ou quem sabe por “descuido”, como se esquiva Sérgio Moro. O certo é que apesar das desculpas esfarrapadas fica difícil desconsiderar a veracidade das denúncias, os abusos cometidos ao longo de anos e a necessidade de sanção ou derrubada de vetos da nova lei.