É incrível: em pleno século XXI parcela expressiva dos representantes dos poderes constituídos ainda encontra dificuldades para conviver com a liberdade de imprensa.
Recentemente, um jornalista em Campo Grande foi preso porque estava filmando um acidente de trânsito e flagrou discussão entre o ocupante de um dos veículos com o Policial Militar que atendia a ocorrência.
Numa atitude despropositada, o profissional de imprensa foi detido, levado no camburão para a delegacia, e só foi liberado após intervenção de advogados da empresa jornalística, gerando nota repúdio do Sindicato dos jornalistas e procedimentos administrativos por parte do Comando-Geral da PM.
Assim, cada vez mais, numa escala crescente, assistimos estupefatos muitas autoridades tentando limitar o uso de aparelhos celulares em coberturas jornalísticas ou mesmo em reuniões oficiais, temendo filmagens, fotografias e gravações, como se isso representasse um perigo em si mesmo, quando há jurisprudência formada de que esses instrumentos são extensões da privacidade individual, não cabendo a usurpação do direito de seu uso durante o exercício profissional ou mesmo individual.
Nos tempos atuais, qualquer cidadão que se depara com um fato que o surpreende posta imagem e som nas redes sociais, o que muitas vezes ganha imensa repercussão nas mídias oficiais. Cada tempo tem suas características próprias. É impossível desejar o controle permanente da informação.
Em países democráticos, a exposição da imagem pública e pessoal tornou-se uma questão controversa, mas fatos são fatos, principalmente quando houver interesse jornalístico que contribui para o aprimoramento da vida social.
A controvérsia gerada com a gravação do empresário Joesley Batista, da JBS, em torno de conversa com o presidente Michel Temer tornou a questão ainda mais polêmica, mas não houve quem negasse o direito da imprensa de divulgar o conteúdo do material.
Decisões recorrentes dos tribunais superiores têm referendado a tese de que liberdade de imprensa é pressuposto fundamental de sociedades abertas, sem a qual não é possível o convívio civilizado. Os meios pelos quais jornalistas buscam produzir notícias, opinar sobre o nosso cotidiano, interpretar os dados da realidade, são legitimados pelo interesse público na medida em que pode ajudar a melhorar o mundo em que vivemos.
Claro que sempre há o contraditório e o conflito de interesses. Mas querer impor limites com truculência e autoritarismo ao livre exercício da profissão é um remédio que piora a doença em vez de curá-la.
Nesse aspecto, ressalte-se que os advogados também são vítimas constantes de abuso de autoridades, com o desrespeito das suas prerrogativas, o que tem motivado a OAB a empreender uma luta renhida em sua defesa.
Quem se dispõe a assumir uma função pública cujas decisões interferem no cotidiano dos cidadãos deve saber de antemão que está abrindo mão de parcela de sua intimidade, tornando-se alvo natural da curiosidade de terceiros, podendo ser criticado ou elogiado.
Portanto, não cabe proceder de maneira restritiva ao direito de informação e opinião, pois a verdade dos fatos sempre termina por prevalecer, mesmo que ocorram danos temporários em casos de calúnia e difamação.
Nesse aspecto, o Estado Democrático de Direito contém salvaguardas para garantir a preservação da honra pessoal. Mesmo assim, não há como negar: a coerção e a intimidação contra jornalistas e meios de comunicação são igualmente repulsivas da mesma forma que o conteúdo de uma notícia enviesada e muitas vezes apurada no calor dos acontecimentos.
A lei sempre estabelece o equilíbrio diante dos exageros. Mas o abuso de autoridade é uma cultura que deve ser extirpada de uma sociedade que se pretende desenvolvida.
Há mais de dois séculos um esclarecido e culto Imperador brasileiro cravou a máxima que até hoje muitos ainda não assimilaram: “contra liberdade de imprensa, mais liberdade de imprensa”.
Simples assim.
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*Mansour Karmouche é advogado e presidente da OAB/MS.