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Artigo: Morosidade e o Novo Processo Civil, por Eliseu Fernandes de Souza

Página Inicial / Artigo: Morosidade e o Novo Processo Civil, por Eliseu Fernandes de Souza

Aprovado em 2015, está entrando em vigor o novo Código de Processo Civil, que procura repercutir preocupação com a prestação jurisdicional, sua lentidão, imprevisibilidade, dispersão da jurisprudência e a insegurança jurídica.

Sem dúvida, houve significativas alterações no sistema processual em relação ao Código de 1973. Algumas são muito boas, outras um tanto duvidosas em relação à sua eficiência como solução de problemas da prestação jurisdicional devida pelo Estado aos cidadãos, por isso que, sob certos aspectos, houve mudanças que poderão constituir-se o que se denomina “tiro no pé”, sobretudo para a advocacia.

Ao que pressinto, diversas dessas inovações não transmitem plena confiança no tocante a seus efeitos a fim de agilizar a justiça. Sobretudo, em razão da exclusão de uma série de provisões jurisdicionais previstas no Código anterior, máxime medidas providenciais, preparatórias, cautelares e procedimentos voluntários; além da limitação de uma série de recursos, dos quais, de fato, às vezes se abusavam, no entanto, poderão haver decisões cruéis, e o interessado dela não poder recorrer!

Disso decorre a possibilidade de, ao lado da busca pela simplificação do processo, e a efetividade da justiça, estar-se erigindo ao mesmo tempo, obstáculo à luta pelo direito, pela persecução da ampla defesa e por uma justiça sem adjetivos.

A bem dizer, tais inovações, dentre elas a imposição de prévia conciliação, parecem, constituir-se um verdadeiro pressuposto de procedibilidade e não inspira a mínima confiabilidade de solução para os males da justiça.

Como bem se sabe, a prestação jurisdicional, como todo o serviço público do Estado brasileiro, sofre a patologia endêmica da ineficiência, que não se cura por efeito placebo sugestionado pela só modificação do sistema processual.

O grande cientista jurídico Hans Kelsen publicou, em fins do século passado, o ensaio denominado: “o problema da justiça”. Ao concluí-lo se disse frustrado por não conseguir definir o que é justiça, “Justiça absoluta, a que a humanidade procura”.

Com efeito, as questões da Justiça são complexas, por isso, mera reformulação do processo e dos procedimentos, não porão fim à sua imprevisão e a seus passos lentos.

Decerto, o formalismo das normas processuais contribui com uma parcela dos motivos da lentidão, do marasmo do sistema judiciário, contudo, é a justiça afetada por variados fatores que a deixa em ritmo ineficiente, não permitindo fruição satisfatória em tempo razoável.

Importa salientar, posto isso, não se esperar efetividade e previsibilidade da justiça sem a solução das questões sistêmicas e emblemáticas que oxidam “o cárter de sua máquina” travando-a e reprimindo a demanda.

Pois bem.

Nesse contexto, há de salientar-se que um dos fatores que alimentam a imprevisibilidade da justiça, se localiza, por exemplo, na relação per capita entre o contingente populacional do país e o número desproporcional de Juízes.

Com efeito, não se há de ignorar ser humanamente inviável um juiz com três mil, cinco mil, dez mil processos, ainda que aplicado e produtivo, dar à justiça a efetividade que o novo código propõe; acrescentando-se a isso, o número insuficiente e às vezes ineficiente de servidores dos cartórios, o que constitui ponto relevante das dificuldades da prestação jurisdicional e que, também, contribui para que processos se amontoem, sem embargo da ocorrência de outros embaraços imprevidentes como despachos equivocados, atos inúteis, pouca sensibilidade com a angústia do jurisdicionado, falta de senso prático e muita preocupação com o índice da estatística.

Registrem-se, também, as condições de trabalho no primeiro grau de jurisdição, em muitas regiões, onde instalações inadequadas, desconfortáveis e aparelhamento deficiente, contribuem para fomentar os problemas da demora e da imprevisão de resultado.

Vê-se que a implantação do processo judicial eletrônico sem prévia avaliação do custo e eficiência, pouco ou nada tem contribuído para uma efetividade consistente da prestação jurisdicional.

Hodiernamente, a justiça tem recebido adjetivações como imprevisível, lenta, falha; justiça alternativa, restaurativa; juizados especiais que, de fato, de especiais se têm especialmente a denominação, pois as complicações e a demora do serviço são as mesmas do sistema comum.

Malgrado a imagem inebriante que se tenta passar do seu êxito, os Juizados Especiais, ao que vejo, perderam o objetivo. Sucede que, em sua criação, imaginou-se um verdadeiro marketing de sala uma de recepção bem decorada da justiça com eficiência, previsível e com a entrega em tempo razoável. Não aconteceu.

A bem dizer, metaforicamente falando, a simples edição da lei dos juizados foi semelhante à abertura de um restaurante de elite divulgando cardápio de pratos especiais, exóticos. Contudo, sem os ingredientes indispensáveis, passou a servir feijão com arroz e ovos fritos.

Em consequência, não há, de fato, alternativa nos juizados; sobretudo, os da fazenda pública cujo grande cliente é o Estado, e suas ações predominam no acervo dos processos onde, mesmo com o decantado sistema digital, vê-se uma petição inicial aguardar despacho de citação no PJE por mais de quatro meses, e uma simples sentença mais de dois anos!

Os Juizados Especiais, sobretudo os da fazenda pública, precisam ser repensado. Do contrário, não haverá justa causa à sua subsistência.

Posto isso, retomemos o enfoque central destas reflexões sobre os efeitos do novo Código de Processo Civil na efetividade da justiça e sua repercussão no sistema.

Houve velado esforço e boa intenção de seus sistematizadores, membros da comissão. No entanto, não se encontrou, de fato, a solução dos problemas da justiça.

Preocupa-nos o otimista eufórico com o novo sistema processual Ora, bem se sabe não bastar a só mudança da norma a fim de estabelecer a justiça ideal; por isso, a nova formulação do processo influenciará muito pouco para a agilização e previsibilidade das decisões judiciais; malgrado sejam de bom peso as inovações, mas, a bem dizer, não representa o brado de redenção da justiça. Logo, os problemas, a imprevisibilidade, a ausência de critério no impulso dos processos, decerto continuarão.

E, disso pode resultar frustração do anseio da sociedade referta de insatisfação e atormentada pelos mais variados tipos de conflitos; o descrédito decorrente da espera por providências; a não compreensão do porquê de os armazéns da justiça se abarrotarem a cada momento aumentando a imprevisão e a incerteza do resultado.

Com efeito, decorre disso a evidência de que o enigma dos entraves da justiça continuará insolúvel, malgrado o inebriante entusiasmo pelo novo sistema processual que, embora grande parte seja decorrente de propostas da OAB, não pressinto tempos tão virtuosos para a advocacia em função do novo CPC. Aguardemos.

Com estas elucubrações, se bem que me pese dizer, não me permito entusiasmo, tampouco ilusão, com as novas regras do processo civil, salvo em relação a alguns aspectos pontuais, que poderão produzir algo de positivo, sem grande repercussão no todo.

Como já reprisei, a problemática da prestação jurisdicional no Brasil é sistêmica, por isso precisa ser contextualizada sobretudo no tocante à questão logística e conceitual, a fim de sincronizar o contexto de viabilidade da aplicação do novo Sistema Processual, de forma a traduzi-la em eficiência, rapidez e eficácia em prazo razoável.

Do contrário, ter-se-á o mesmo que aguardar resultado sublime por veredas estreitas e propagar “mobilidade urbana em beco sem saída.”

Por isso que a previsão do artigo 6º do novo Código, reverenciando o inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição da República, poderá se traduzir apenas em grafia retórica, acerca da razoabilidade do tempo de resposta da prestação jurisdicional, se não houver efetivamente o compromisso de todos os agentes do processo.

Preciso deixar claro que não estou a proferir anátema ao contexto da nova norma processual. Em verdade, me ponho a cismar desconfiando de seu propalado êxito.

Não há dúvida que o formalismo exacerbado do Código de 1973 demarcou a sonolenta marcha da prestação jurisdicional, conquanto não tenha sido o único fator; por isso, o novo sistema constitui passo importante na busca de um novo ritmo, enquanto se aguarda a superação da série de outras circunstâncias que se somam ao problema da prestação jurisdicional.

Há de se reconhecer, como ocorre em qualquer segmento do serviço público, que o serviço da Justiça quando manejado por magistrado sectário e de visão obtusa, isto é, nebulosa, que não vislumbra, com clarividência, o contexto fático na razão do direito, que não examina a lei além de seu conteúdo léxico, se torna devedor da obrigação de fazer Justiça em tempo razoável contribuindo com a imprevisão.

De outra sorte, o magistrado vocacionado, que não se compraz em atuar como mero burocrata, que não se ocupa de subterfúgio e filigranas de somenos importância em prejuízo do caminhar do processo; que não prioriza a estatística em detrimento de resposta eficaz da justiça e abre o caminho da previsibilidade, constitui a esperança do equilíbrio e da eficácia

Decerto, não estou a malquerer o novo Código no seu todo. Não. Reconhecer-lhe aspectos positivos e bons propósitos é de bom senso. Vejo em seu conteúdo, inovações de vanguarda que poderão estimular uma concepção mais consentânea com efetividade do processo e procurar promover-lhe uma marcha efetivamente razoável, a depender, decerto, da visão de todos os agentes do processo, instrumento de efetiva realização da justiça.

Entrementes, a minha advertência se equilibra na contemplação desse penhasco escarpado de que se constitui o serviço público em geral, incluído o da justiça, que o cidadão necessita escalar a cada dia, com a incerteza e a irrazoabilidade de tempo, não sabendo quando atingirá o topo da escalada, suportando, via de regra, atendimento desprezível, à moda de favor, conquanto seja um direito a que tudo se paga.

Por esta constatação é que afirmo não me sentir inebriado pelo novo sistema processual civil como solução dos problemas da justiça, por não se encerrar, repita-se, nas nuances meramente do processo.

Pois bem.

Conquanto o risco de uma frustração, pelo fato de tudo continuar como d’antes, frente a modificação tão só do sistema processual, eis que a questão não se prende tão só ao contexto do processo. Vamos aguardar a teoria na prática, vendo-se para crer.

Disso decorre que não devemos nos acometer da síndrome da epítrope, isto é, do (hábito de aceitar aparentemente uma coisa, ou ideia que poderia ser contestada) e que acaba não vindo a ser o que se pensou que fosse, mas fica como verdade, por não ser questionada.

É fato comezinho ser o Brasil pródigo em edição de leis para tudo. Vale dizer, é o maior produtor mundial de leis, nem sempre virtuosas e quase sempre não cumpridas. Com isso, se dá jeito de qualquer jeito a tudo; se algo não vai bem, faz-se uma lei aviando-se receitas mágicas de soluções efêmeras, com matizes de verdadeira propaganda enganosa.

Essa mania se encontra galvanizada em nosso sistema republicano por uma série de circunstâncias que se irradiam por todo o emaranhado do serviço público do Estado brasileiro, incluindo o judiciário, e que não se remove sem a soma de muitos fatores, em especial o mais difícil: o avanço cultural do país, o compromisso dos agentes públicos alicerçado em balizamento ético e muito sacrifício.

Como se sabe, o Estado, por sua ineficiência generalizada, pela inaptidão que revela, pela inércia e a inadimplência, se transformou no maior cliente da justiça, em decorrência, inclusive, da má qualidade e não efetividade do serviço que deveria prestar ao cidadão, sem embargo, de sua contumácia em violar a lei e a Constituição, o que vem se repetindo, e dando causa à avalanche de ações na justiça.

Nessa concepção, celebra-se a liturgia desse calvário em que se transformou a luta por uma justiça com resposta satisfatória em tempo razoável, numa questão emblemática, cuja luz ao final do túnel está sempre ofuscada.

Frise-se que, no contexto da sociedade hodierna, os problemas se multiplicam: é a violência, o avolumar dos conflitos, a perda dos limites entre o que é público e o privado. De outro lado o contraste do ritmo e a ineficiência dos meios de combate a tais mazelas, incluindo a justiça.

Fonte da Notícia: Eliseu Fernandes de Souza, advogado, ex-conselheiro federal da OAB e desembargador aposentado do TJ/RO

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